Wednesday, March 19, 2008

A raça de Obama

Para Barack Obama, a semana começou com o pé esquerdo. Depois dos comentários incendiários de Geraldine Ferraro e seu afastamento como campanhista de Hillary Clinton, a geração YouTube conseguiu expôr o elo do senador de Illinois com o Reverendo Jeremiah Wright da Igreja Trinity United, à qual Obama pertencera e jamais renunciou.

Wright, por sua vez, criou fama por seus discursos anti-Estados Unidos, como o mais citado por Joe Scarborough do programa Morning Joe da MSNBC, cinco dias após o Onze de Setembro, quando disse que o país merecia o que lhe ocorrera. Outros de seus jargões conhecidos são chamar a nação de KKK da América (uma alusão antipática ao grupo supremacista Ku Klux Klan), dizer “Deus amaldiçoe a América” ao invés de “Deus abençoe a América", e por fim sua infame acusação de que o governo estadunidense teria propositalmente propagado o vírus HIV entre negros.

O pastor mostra-se claramente enraivecido pelos conflitos segregadores das gerações passadas de negros que sofreram a escravidão e a exclusão não só social, mas genética, por demasiados anos, e a ligação afetuosa que tem com Obama lhe criou a maior das controvérsias de sua campanha: Seria Barack Obama racista? Serão suas aspirações anti-patrióticas?


Dias Passados


Jovem e sem passado político a lhe assombrar, rivais fanáticos da direita conservadora procuraram em vão, por muito tempo, e apenas agora encontraram um grande cabelo no mingau de Barack Hussein Obama. Além de fazerem o que agora fiz por pura ilustração, ou seja, citar “Hussein” como instigador de polêmicas, também tentaram revela-lo anti-patriótico quando comprovaram que Obama não leva a mão direita ao peito esquerdo quando ouve o hino dos Estados Unidos. Há uma bela imagem que mostra o contraste dos demais candidatos e o senador de Illinois, enquanto os demais levavam a famigerada mão direita ao peito esquerdo, e ele apenas as deixava entrelaçadas abaixo de sua cintura.

Porém, obviamente isso não foi o suficiente. Logo puderam encontrar nesse pastor a desculpa que sempre quiseram dar para não eleger um negro à Casa Branca. Rush Limbaugh, que continua discursando em sua estação como radialista radical conservador, chama seus ouvintes a votarem por Hillary Clinton “apenas para ver o partido se degladiar e se acabar até Novembro,” mas não desmente sua opinião de que Barack Obama é simplesmente inelegível.

Tive a chance de conversar e ler a opinião não só de bloguistas conservadores, mas de pessoas conservadoras envolvidas com o partido ou com suas ramificações supostamente independentes. Para eles, Obama tampouco é elegível. Por ser filho de estrangeiros, por ter nome árabe e por ser negro, talvez. Porque, em se tratando de seu escasso envolvimento na descomunal história do senado estadunidense, suas atitudes não foram piores do que as de seus rivais partidários, e até melhores em instâncias específicas. Não há um único motivo melhor para não suportar a idéia de tê-lo como presidente.


O Grande Discurso


A única verdadeira história na notícia que unia Obama e seu ex pastor Wright, foi o histórico discurso que o senador deu ontem a centenas, logo milhares, logo milhões de cidadãos e cidadãs norte-americanos. Precisando fazê-lo, seus estrategistas não deixaram dúvidas de que a maior intenção seria criar um espetáculo que expressasse o quanto Obama pode ser presidencial.

Quatro bandeiras à sua esquerda e quatro à direita diante de uma cortina azul semi-celeste-semi-marinho, e o pré-candidato ao pódio, sem as mãos cruzadas ou a coluna torcida, com um olhar sereno, sério, conciso, de palavreado sensato. Poderia ser o “State of the Union Address”, discurso anual do presidente da nação, mas foi basicamente um argumento clássico, que ainda terá repercussões mais sérias do que as que flutúam pelo país.

Não disse que “tinha um sonho”, mas explicou aos incautos, aos inocentes, aos maliciosos e aos ignorantes que existe um ressentimento profundo pelos brancos entre as passadas gerações negras que se propaga nos “barbeiros, nos salões de beleza, ao redor da pia da cozinha e, ocasionalmente, encontram espaço nas igrejas” das gerações mais jovens. Um ódio pelo racismo, pela lei de Jim Crow que segregou colégios públicos no sul do país, pelos espancamentos e pelos linchamentos e pelo terrorismo que negros sofreram desde que, sem escolha, foram trazidos como escravos ao continente.

Disse que esse ressentimento, o qual não sente por ter uma história pessoal distinta, é real, não deve nem pode ser ignorado. Declarou que tinha sido inocente em pensar que a raça não seria um fator importante em sua campanha. A campanha, seguiu Obama, pode resumir-se a conflitos dessa natureza, a suspeitas de que ele simpatize com as ofensivas palavras, jargões e acusações de Wright, mas também pode ser encarada de modo diferente.

“Dessa vez,” declarou Obama, “queremos falar sobre as escolas que se desmoronam e roubam o futuro de crianças negras e crianças brancas e crianças asiáticas e crianças hispanas e crianças nativo-americanas. Dessa vez queremos rejeitar o cinismo que nos diz que essas crianças não podem aprender; que essas crianças que não se parecem conosco são problema de outrem. As crianças da América não são essas crianças, elas são nossas crianças, e nós não as permitiremos decair na economia do século 21. Não dessa vez.”

Para Obama, a grandeza dos Estados Unidos é que o país pode mudar, o que não se pode dizer, francamente, de todos os demais. Concordo com ele, mesmo que estejamos tão distantes do ideal.


Enquanto isso, em Israel


John McCain foi calorosamente recebido em uma viagem que seguiu do Iraque e tende a continuar pelo continente europeu. Sem visitar comunidades palestinas, McCain esteve presente em uma simbólica cerimônia no Museu do Holocausto Yad Vashem, em Jerusalém. Quase chorando, disse que estava “profundamente movido. Nunca mais,” clamou.

O “nunca mais” e o encontro diplomático entre isralenses e representantes alemães simboliza o paralelo internacional do que ocorre nos Estados Unidos. As divisões raciais, étnicas e sociais estão sempre presentes em nossas vidas, estejamos onde estivermos. Talvez na ausência de negros ou brancos em uma determinada região não exista o racismo, mas logo existe o machismo, o feminismo, o judaísmo, e as centenas de divisões religiosas que infelizmente contribúem na levedura do conflito.

McCain não ganha muito com sua viagem. Seu posicionamento em questões médio-orientais é explícito, e quiçá o menos imprevisível de todos os candidatos. Se há quem questione sua lealdade ao lado “certo” do conflito, há quem apóie acordos unilaterais com Israel. Pois, há de tudo nesse mundo.

Chorou por um “nunca mais” enquanto em seu próprio país o mesmo ódio que motivou Hitler contra judeus ainda se perpetua em conflitos raciais agora expostos e extra-expostos por Barack Obama. O ódio que leva a simpatizantes de seu partido que, segundo estudos psicológicos tende a atrair separatistas sulistas, a rejeitarem a menor opção de que um presidente negro os represente. O ódio comunitário que levou Rudy Giuliani a admitir sua inabilidade de atrair negros e sua postura aberta de sequer fazer campanhas em suas comunidades.


Finalizando com Mike Huckabee,


Que apareceu no programa Morning Joe e declarou que “nós precisamos dar um desconto a pessoas que vem do sul ou filhos de gerações passadas do sul do país,” pois seu ódio é real e ainda vivo em suas memórias. Afinal, esses são os filhos dos ex vizinhos de Rosa Parks. São aqueles que choraram a morte de Martin Luther King quando acompanharam seu caixão no sombrio dia de seu funeral. Esses são os segregados, os separados e os excluídos de todas as formas e maneiras que possam vocês imaginar.

Barack Obama me convenceu com seu discurso. Pretende ainda dar mais dois sobre o Iraque, política externa e a economia, hoje e amanhã. Vence em praticamente todos os ângulos nesta corrida à nomeação. O cronômetro a Pennsylvania corre solto, e a Novembro, paulatino. A raça de Obama vem se comprovando dia-a-dia.

RF

8 comments:

Deba said...

Acredita que nunca havia lido teu blog?
Gostei do que li. Aliás, nem lembro como achou meu blog [:P]
Pelo Orkut creio...

Depois procuro a moça citada. :)

Quanto ao Obama, será que o Morrissey estava errado? :
"In America
The land of the free, they said
And of opportunity
In a just and a truthful way
But where the president
Is never black, female or gay
And until that day
You've got nothing to say to me
To help me believe"???

Nem sei se gosta de Morrissey ;P

Obrigada por comentar no meu blog e pretendo visitar o seu mais vezes :D

Roy Frenkiel said...

Deborah, claro que gosto de Morrissey, apesar de ainda ter certeza de que, politcamente falando, ele ainda eh inocente demais. Nem com um presidente negro, gay ou mulher, as crostas raciais e divisivas do pais se dissparao, Mas seria um bom comeco. Apareca mais vezes!

bjx

RF

o refúgio said...

Olá, menino Roy! Não li a postagem, perdon! estou sem tempo pra textos longos, além do mais estou alienada, veja bem ESTOU alienada, não SOU alienada. será?
Beijos.

Anonymous said...

Roy, lendo a Folha de S. Paulo hoje, encontrei um trecho desse discurso de Obama que muito me agradou:

"Não posso rejeitá-lo [o pastor Jeremiah Wright], assim como não posso rejeitar a comunidade negra. Assim como não posso rejeitar minha avó branca(...) que já confessou seu medo de homens negros que passam por ela na rua e que em mais de uma ocasião repetiu estereótipos étnicos ou raciais que me fizeram encolher".

Mostrou muita habilidade para conduzir uma questão espinhuda, como é a questão racial.

Como não acompanho a vida do senado americano, vou ficar com sua opinião, na qual confio. Um abraço.

Roy Frenkiel said...

Halem, foi um discurso peitudo, corajoso e maduro. Quase inedito ver esse contexto discutido desse modo. Quanto ao senado, lembre-se de como eh o senado no Brasil. Pode se dizer que muitos senadores votam excepcionalmente diferente dos demais? Oposicao, governo, e os identicos se misturam. Obama, nesse caso, ja deu suas gafes, ja deu seus acertos, e no mais sua inexperiencia conta contra o oficio, mas por sua postura, por seus ideias, por seus discursos, putz... Emocionou.

Sandrinha, volte sempre, alienada ou nao ;-)

Vais said...

Olá Roy,
muito bom.
como ainda deve falar um Professor de geografia que tive, o que está acontecendo nos estados unidos, o Obama, é um sucesso.
Tem gente que fala que aqui no Brasil não existe racismo, as relações capitalistas são deprimentes.
boa a cobertura
abraço

Tânia said...

Vamos por partes e ao todo em si...
As eleições presidenciais americana é sem sombra de dúvida algumado evento político mais importante e complexo do mundo, e existe tanta informação disponível a respeito que é literalmente impossível não formar uma opinião sobre quem seria o melhor, e por quê.

Confesso ainda estar meio cética em relação à Barak Obama...Dei uma espiada no
http://www.barackobama.com
e existem algumas questões que faltam abordar ou levantar por assim dizer; Principalmente seprocurarmos os tópicos em que os Republicanos são especialmente criticados.
O Interessante é que um padrão se repete: para cada grande problema atualmente enfrentado pelos Estados Unidos, Obama apresenta uma solução simples e idealizada. Um exemplo? O óbvio: Iraque.

Não creio nesta saída óbvia...a crise ecônomica sim; é no momento um problema a ser pensado e analisado com carinho...

Algo me diz que Barak Obama chegará até um limite x...
Hoje saiu resultado pesquisa Gallup
7% ( por aí tem um tanto de credibilidade, aqui pesquisa de opinião é 0) de vantagem para a Sra. Clinton...

Algumas pedras ainda irão rolar...
Seu espaço esta se tornando leitura obrigatória...muito bom...
Beijos...

Ps.: Pegando carona no comentário da Déborah...Adoro Morrisey.

Prof Toni said...

Roy, seu texto tá linkado no meu blog.
Abração.