Friday, September 24, 2010

Ideias Essenciais

(Alerta de estraga-prazeres para quem não viu o filme “Inception”: Não darei detalhes sobre o filme, mas discutirei um aspecto central do mesmo, assim que, estejam avisados).

Não sou o maior fã do trabalho de Leonardo Di Caprio, mas devo admitir que, por suas conexões em Hollywood, geralmente o escolhem para excelentes papéis. É o que penso sobre seu papel em “Inception”, de Christopher Nolan, 2010, mas do qual não discorrerei para não estragar ainda mais a trama aos que não assistiram. A ideia central, no entanto, dessa fantástica obra de ficção científica-psicológica nos interessa no contexto de uma questão que sempre me intrigou e ainda intriga, assim como às massas:

Um indivíduo pode mudar o mundo?

Em “Inception”a pessoa torna-se uma ideia. A ideia define a pessoa. O depósito de uma ideia “estrangeira” em mente alheia é a forma de definir essa pessoa contra sua vontade sem violar sua própria vontade. É o crime do filme, em poucas palavras. Complicado? Nem tanto.

Apesar do método complexo usado para atingir o objetivo de influenciar a mente de uma pessoa de modo a parecer que não houve influência externa alguma, na vida real uma ideia, mesmo frágil, pode atiçar fogo no mundo. Ideias das mais simples, palavras das mais simples representando ideias complexas ou ideias mais sofisticadas em si são como uma doença viral altamente contagiosa. Uma vez encontrando o anfitrião tomam conta de seu corpo. Caso se aprofundem o suficiente, definem a vida de sua vítima.

“Liberdade”. “Igualdade”. “Fraternidade”. “Paz”. “Nação/Nacionalismo”.

John Lennon era um jovem rebelde e um adulto bastante desvinculado de uma única percepção da realidade. Desvinculado até demais para ser mais do que um vocalista, mesmo de uma banda como os Beatles. Quando conheceu Yoko Ono, a união gerou uma ideia: “Paz”. Essa ideia definiu John Lennon mais do que sua música. Para os Estados Unidos o fato de um artista famoso investir na campanha dos cartazes simples pedindo chance à paz é mais lembrado do que o artista em si, ou sua morte nas mãos de um esquizofrênico.

Ghandi podia inspirar-se em sua própria história religiosa para atravancar o Império Britânico como um guerreiro de sua tribo. Não fosse a concepção de uma simples ideia, provavelmente conheceríamos outro Ghandi: “A resistência à violência deve ser pacífica”. Logo, o símbolo de Ghandi certamente mudou a história do planeta, nem que seja como um exemplo nem tão vastamente seguido, mas emulado por figuras importantes como Martin Luther King.

O mesmo ocorre em desvirtudes históricas, como as ideias de Adolf Hitler e todos os demais tiranos que Hitler acaba personificando tão bem. Ideias definem comportamentos. Às vezes além da capacidade consciente da própria mãe da ideia vislumbrar o processo que lhe toma.

As ideias acima mencionadas foram e são compradas por indivíduos ao longo da história. Pelo teor do construtivismo (já mencionado
aqui anteriormente), a mesma ideia pode determinar atitudes e realidades diferentes. Um exemplo da cultura popular:

Quem já jogou e terminou o jogo “Red, Dead*, Redemption” (Rockstar, 2010, para sistemas de Playstation 3 e X-Box 360) testemunhou uma certa veemência histórica do oeste norte-americano e das cidades mexicanas fronteiriças do século 18. A vida de John Marston se desenvolve na fronteira dos Estados Unidos com o México (omitindo a segregação racial vigente e as disputas entre americanos e mexicanos, é certo), inicialmente em seu país de origem, e termina em uma jornada às terras sulistas dos hispanos de Montezuma. Nos Estados Unidos o conceito de “liberdade” ainda vinha ligado à libertinagem criminosa e, ao mesmo tempo, independência individual da influência direta de qualquer governo, seja ele local ou federal. Nos Estados Unidos a população precisa de mais atividade coletiva, mais interesse pelo bem estar do público, e não só do indivíduo, para aparar os efeitos da libertinagem. No México, a noção de liberdade é diretamente ligada à revolução armada e à destruição do governo vigente para trocá-lo por outro. O público disputa o território consigo mesmo, e a troca de governo é necessária para que o novo esteja tão envolvido quanto o passado na vida dos indivíduos, não mais nem menos.

O Presidente estadunidense Barack Obama também teve seu confrontamento e papel direto no reino das ideias. À época das preliminares ainda foi abordado pela camapanha eleitoral de Hillary Clinton como um professor de palavras, sem experiência necessária para concretizar a mudança verdadeira. Obama contestou usando um discurso escrito com seu ex aliado político, Deval Patrick, entitulado “Só Palavras”, questionando se as palavras acima citadas, “liberdade”, “igualdade”, “fraternidade” e “paz” são mesmo apenas palavras. Como um bom democrata, seu ideal que aqui encontra o construtivismo é que palavras expressam ideias e ideias mudam o mundo. Por suas palavras ganhou o prêmio Nobel da Paz. As atitudes, no entanto, são outros milhões.

Fatidicamente, ao procurar uma melhor análise dos papéis de nações-estados, indivíduos e o cenário global nas relações internacionais, nos deparamos com dezenas – se não centenas – de ideias diferentes. O mesmo ocorre com a ilusão ótica democrática, pois todas não podem estar concomitantemente certas. O que o construtivismo oferece de diferente é justamente o reconhecimento quase exclusivo do papel das ideias na construção da realidade, e não vice-versa. Portanto, se as ideias de Nicolau Machiavelli ainda influenciam o pensamento realista neo-conservador nos Estados Unidos não é porque a realidade é “realista” e sim porque o “realismo” desses indivíduos, sociedades e governos alimenta a realidade.

E então, leitoras e leitores: Individuos podem mudar o mundo? Ideias podem mudar o mundo?

RF

PS:

Para quem quer ainda mais estraga-prazeres ou para quem viu o filme, linko
aqui um exemplo de "Inception" pelos quadrinhos de Tio Patinhas da Disney (Ingles).



3 comments:

josue mendonca said...

1. obrigado pelas visitas. é sempre uma visita de honra.

2. que legal ver voce escrevendo novamente textos desse tipo. gosto muito.

3. gostei bastante do filme

4. morro de curiosidade de conhecer os EUA

grande abraço

PRISCILA DE FÁTIMA JERONIMO said...

Olá, meu lindo

Eu gostei imensamente desse filme, saímos em grupo pra vê-lo e no final fomos pra um bar discutir as questões centrais dessa trama, simplesmente fantásticas...

Que bom que tu gostastes, tb

Beijos

Dani said...

Nao tinha pensado em ver o filme ainda, mas vc me fez mudar de ideia. Como romantica que sou e sempre otimista, quero muito acreditar que um individuo possa mudar o mundo com uma ideia... Acho que se pensarmos menor um pouco, a mudanca pode comecar com as pessoas que nos cercam...
Bjs