Friday, December 24, 2010

Retrospectiva 2010 - Parte 2

À frente da humanidade ainda atravessa a delicada e complexa missão de erradicar a violência institucionalizada de suas amostras e decisões de poder. O Presidente Barack Obama, nos Estados Unidos, exerceu seu papel positivista na política da hegemonia militar e escalou o número de tropas enviadas ao Afeganistão. A última conclusão do presidente segundo a Inteligência impecável que possui* aponta as conquistas “democráticas” obtidas contra o Talibã e os mais diversos grupos de mujahadin no Afeganistão, ainda frizando que são conquistas “frágeis”. Não há mais paz no Oriente Médio, é o que interessa. Este autor está cansado de discutir em defesa e contra todos os ângulos e lados desse conflito. Israel coleciona desastres públicos e humanitários com seu cerco à Faixa de Gaza, o que acarretou nos acontecimentos da flotilha pró-Palestina que tentava furá-lo, atacada, abatida e usada internacionalmente contra qualquer espécie de desculpa israelense. A Palestina ganha reconhecimento do Brasil e da Argentina, recentemente, como estado legítimo.Pela paz mundial, contudo, não há evolução. Rússia e República Tcheca ainda brigam como d’antes. A Coreia do Norte ressurge continuamente como o filho de Escarlate trancafiado no porão com seus planos maquiavélicos. Assusta a Coreia do Sul e a semi-onipotente China. Pelo passado militar sangrento, no entanto, a memória não falha. Brasil é acusado de crimes de guerra oficialmente pelas Nações Unidas pelos terríveis e abomináveis acontecimentos durante a Operação Araguaia. São guerras internas, civilizatórias, externas, globais, pessoais, étnicas, ideológicas e religiosas.

Confesso que perdi um pouco de minha “alma” nos seis anos de estadia nos Estados Unidos. Ainda milito pelo que acho certo, mas mais pragmaticamente. Esse pragmatismo, objetivismo quase morto de tão frio, não fazia parte de minha mente sonhadora. Não sei o motivo, nem tenho explicação. Eric Voegelin cunhou a expressão “salto em ser”, o que pode ser definido como uma atitude ou construção individual muito maior do que a pessoa que o fez ou construiu. Não sei se mestres como Albert Einstein, Sigmund Freud, William Shaekspeare, Martin Luther King, John Lenon etc pensavam nesse salto. Não sei se pensavam em ser mais, melhores, maiores mesmo que em seletas qualidades quando tornaram-se grandes. Pessoalmente, antes de 2010 tinha como objetivo ser, e não ter, do melhor. Em 2010 me preparei psicologicamente para criar uma familia, mas não foi somente esse lado materialista que me influenciou. Percebi que, depois dos 30, terminaram as colheres de chá e as pessoas esperam de mim simplesmente tudo o que não esperavam seriamente antes.


Foram guerras e mais guerras em 2010. Guerras contra meu inerente conformismo, por exemplo. Guerras anti-ideológica do princípio ao fim. Guerras com meu estar, guerras com o futuro, guerras com meus próprios ideais, o que enfim, agora em 2010, mais parecem favorecer a calmaria. Guerras contra outros, inclusive outros muito meus, amados e queridos. Guerras desnecessárias… Descobri em 2010 que meu maior desafio nessa vida, minha única chande de “saltar em ser”, é encontrar a tranquilidade, não na ausência de conflitos inevitáveis, mas na ausência de guerras, na ausência do conceito de itjihad muçulmano, na ausência da necessidade constante que tenho de brigar comigo e com todos. Acredito também que, justamente por perder a “alma”, ganhei “armas” psicológicas de reposição de ego. Se perdi a ideologia, ganhei na elasticidade mental. Continuo sabendo menos do que sei saber, sabendo saber menos do que gostaria ou penso que sei, é verdade, mas não consigo mais me prender a uma causa humanitária exclusivista, e considero isso uma grande vantagem. Na resolução, logo, de problemas de cunho emocional e intelectual preciso refinar a raiva, que é em si absolutista e exclusivista. É meu maior desafio aos anos que me restam nessa Terra. Quero, mais do que morrer tranquilo, viver representando uma pessoa tranquila, menos ciumenta e invejosa, mais concentrada e mais benevolente mesmo nas maiores adversidades.


O mundo vem rompendo com as antigas hegemonias. Quiçá em nenhuma outra área esta afirmação faz mais sentido do que no mundo esportivo. A Copa do Mundo realizou-se na África. Houve pequenos problemas (grandes, mas pequenos para quem está acostumado a conviver com maiores níveis de iniquidade social), como furtos e incidentes isolados, mas todo o temor do mundo “civilizado” não se confirmou. Não houve necessidade de colete à prova de balas, apesar do episódio trágico em Janeiro, quando radicais separatistas em Luanda, Angola, dispararam contra jogadores da Seleção Nacional do Togo deixando um morto (motorista) e nove feridos, incluindo dois jogadores. O evento mais assistido do planeta foi um sucesso relativo em termos de infra-estrutura, mas no contexto da exposição do Sul Global, da África nada menos, ao Norte Global, o sucesso é absoluto. Os Estados Unidos, já tendo perdido a hospedagem da Copa de 2014 para o Brasil, perdeu a oportunidade de realizar os jogos em 2018 e 2022 para Rússia e Qatar, respectivamente. No páreo também estavam Portugal e Espanha, antigas colonizadoras imperiais. A Espanha, aliás, que entrou para o clube seleto e elitista de vencedores de copas de mundo em 2010. O Brasil, grande hegemonia, já se despede da competição nas quartas de final há oito anos. No ramo dos clubes, o TP Mazembe, clube modesto do Congo, derrubou o Internacional de Porto Alegre para disputar a final contra o Internazzionale de Milão. Apesar de vice-campeão, entrou para história realizando algo anteriormente tido como impensável**.

Sorte no esporte, azar no amor? Entendo hoje que toda história só se define depois de completa e em 2010 minha história romântica de quatro anos terminou fazendo-se inteira. Todos os segmentos insólitos de minha personalidade adquiridos ou refinados no contexto do relacionamento hoje fazem sentido enquanto então padeciam do obscurecimento natural na iminência. Tenho a dizer sobre isto: É o que mais consome minha mente cotidiana. É o evento singular mais importante de minha história. É a maior transição de hegemonia egocêntrica que passo sempre que passo por essas fases.

Nunca conseguirei, acho, entender como é possível sentir e deixar de sentir, ter importância e deixar de ter importância na vida das pessoas que amamos. Se já é ultra-complexo quando se trata de nossa familia, infinitamente mais quando se trata de estranhos, e quando há sexo envolvido bota complexo nisso. Como a anedota que gosto de contar quando falo no assunto. Meu pai e tio foram ao Instituto Butantã de pesquisas biomédicas com meu irmão mais velho a mostrar-lhe cobras e outros répteis. Um dos profissionais ali presentes explicou ao grupo de homens do clã Frenkiel que estava prestes a realizar uma cirurgia “bipenal” em uma cobra. “Bipenal?” Perguntou meu tio, o médico psiquiatra. “Sim, as cobras tem dois pênis, é a operação de dissecar e examinar suas genitálias. Bi-penal, pois…” Abismado, meu pai disse a meu tio: “Nascer cobra nesse papo de carma budista eu to fora, guri.” Titio perguntou o motivo, ao que papai respondeu: “Se um pênis já dá todo esse trabalho, imagine dois!”


Espero que a associação sexual não ofusque o romantismo (para mim só contribui). É a coisa mais complexa do mundo relacionar-se com outros seres humanos, como diria o personagem “Dexter” da série estadunidense da Showtime. Só acrescentei que é especialmente complexa quando há sexo envolvido. Assim enlaço outro apelo a 2011, que a amargura que espeta meu peito enquanto ainda tento esquecer esse amor se dissipe e se torne doçura em minha busca ao crescimento.


Por hora, boas festas a todos e todas; paz, amor, carinho, muito carinho, companhia, amizade e dinheiro, sim, dinheiro que nunca é o problema, só a solução.

Forte abrax,

RF

*Só não previniu a tentativa do atentado do homem bomba-cueca nigeriano, no início do ano, apesar dos repetidos avisos do pai sobre a alinhação ideológica do filho; ou o ingresso penetra do casal Salahi no jantar presidencial icônico ao fim de 2009; e mais recentemente ajudou a não fazer nada contra a exposição ao ridículo imposta por Julian Assange, criador do Wikileaks, entre outras excelentes façanhas similares, isso contando apenas os últimos 14 meses.


**Há muitos outros eventos e modalidades a discorrer quando se trata de esporte, inclusive, para mim, modalidades antes tidas como chatas, como o Baseball. No entanto, nem é uma questão de espaço, mas de preferência pessoal da modalidade, e da importância política paralela que a Copa do Mundo representa nesse contexto.

3 comments:

Vais said...

Olá Roy,
desejo ótimos dias deste final de 2010 e em dobro para 2011

tô acompanhando a retrospectiva e gostei deste paralelo que você está fazendo, os acontecimentos externos e os internos
bonito, moço

abração e tudo de bom

Jens said...

Oi Camarada Roy.
Não me atrevo a comentar sobre o teu tour de force ao conjugar uma restropectiva histórica com acontecimentos de natureza pessoal (é sábado de Natal e estou levemente de ressaca). Só posso te parabenizar pelo honesto esforço intelectual de compreender o mundo e a si mesmo. Assim se forjam os grandes intelectuais ou, melhor ainda, simples homens de bem.
Quando aos acontecimentos da década eu incluiria as vitórias do Glorioso Colorado dos Pampas na Copa Libertadores e no Campeonato Mundial de Clubes da FIFA (e, a contragosto, a derrota recente no mesmo Mundial - não se pode ter tudo, infelizmente).
Em relação aos teus 30 anos, a idade da razão, te presenteio com o texto de autoria do Affonso Romano de Sant´Anna, que tentarei postar a seguir (não coube neste espaço).
No mais, bom 2011 para todos nós. Continuamos levantando a viga.

Um abraço.

Jens said...

Fazer 30 anos

Affonso Romano de Sant'Anna


QUATRO pessoas, num mesmo dia, me dizem que vão fazer 30 anos. E me anunciam isto com uma certa gravidade. Nenhuma está dizendo: vou tomar um sorvete na esquina, ou: vou ali comprar um jornal. Na verdade estão proclamando: vou fazer 30 anos e, por favor, prestem atenção, quero cumplicidade, porque estou no limiar de alguma coisa grave.

Antes dos 30 as coisas são diferentes. Claro que há algumas datas significativas, mas fazer 7, 14, 18 ou 21 é ir numa escalada montanha acima, enquanto fazer 30 anos é chegar no primeiro grande patamar de onde se pode mais agudamente descortinar.

Fazer 40, 50 ou 60 é um outro ritual, uma outra crônica, e um dia eu chego lá. Mas fazer 30 anos é mais que um rito de passagem, é um rito de iniciação, um ato realmente inaugural. Talvez haja quem faça 30 anos aos 25, outros aos 45, e alguns, nunca. Sei que tem gente que não fará jamais 30 anos. Não há como obrigá-los. Não sabem o que perdem os que não querem celebrar os 30 anos. Fazer 30 anos é coisa fina, é começar a provar do néctar dos deuses e descobrir que sabor tem a eternidade. O paladar, o tato, o olfato, a visão e todos os sentidos estão começando a tirar prazeres indizíveis das coisas. Fazer 30 anos, bem poderia dizer Clarice Lispector, é cair em área sagrada.

Até os 30, me dizia um amigo, a gente vai emitindo promissórias. A partir daí é hora de começar a pagar. Mas também se poderia dizer: até essa idade fez-se o aprendizado básico. Cumpriu-se o longo ciclo escolar, que parecia interminável, já se foi do primário ao doutorado. A profissão já deve ter sido escolhida. Já se teve a primeira mesa de trabalho, escritório ou negócio. Já se casou a primeira vez, já se teve o primeiro filho. A vida já se inaugurou em fraldas, fotos, festas, viagens, todo tipo de viagens, até das drogas já retornou quem tinha que retornar.

Quando alguém faz 30 anos, não creiam que seja uma coisa fácil. Não é simplesmente, como num jogo de amarelinha, pular da casa dos 29 para a dos 30 saltitantemente. Fazer 30 anos é cair numa epifania. Fazer 30 anos é como ir à Europa pela primeira vez. Fazer 30 anos é como o mineiro vê pela primeira vez o mar.

Um dia eu fiz 30 anos. Estava ali no estrangeiro, estranho em toda a estranheza do ser, à beira-mar, na Califórnia. Era um homem e seus trinta anos. Mais que isto: um homem e seus trinta amos. Um homem e seus trinta corpos, como os anéis de um tronco, cheio de eus e nós, arborizado, arborizando, ao sol e a sós.

Na verdade, fazer 30 anos não é para qualquer um. Fazer 30 anos é, de repente, descobrir-se no tempo. Antes, vive-se no espaço. Viver no espaço é mais fácil e deslizante. É mais corporal e objetivo. Pode-se patinar e esquiar amplamente.

Mas fazer 30 anos é como sair do espaço e penetrar no tempo. E penetrar no tempo é mister de grande responsabilidade. É descobrir outra dimensão além dos dedos da mão. É como se algo mais denso se tivesse criado sob a couraça da casca. Algo, no entanto, mais tênue que uma membrana. Algo como um centro, às vezes móvel, é verdade, mas um centro de dor colorido. Algo mais que uma nebulosa, algo assim pulsante que se entreabrisse em sementes.

Aos 30 já se aprendeu os limites da ilha, já se sabe de onde sopram os tufões e, como o náufrago que se salva, é hora de se autocartografar. Já se sabe que um tempo em nós destila, que no tempo nos deslocamos, que no tempo a gente se dilui e se dilema. Fazer 30 anos é como uma pedra que já não precisa exibir preciosidade, porque já não cabe em preços. É como a ave que canta, não para se denunciar, senão para amanhecer.

Fazer 30 anos é passar da reta à curva. Fazer 30 anos é passar da quantidade à qualidade. Fazer 30 anos é passar do espaço ao tempo. É quando se operam maravilhas como a um cego em Jericó.

Fazer 30 anos é mais do que chegar ao primeiro grande patamar. É mais que poder olhar pra trás. Chegar aos 30 é hora de se abismar. Por isto é necessário ter asas, e sobre o abismo voar.