Monday, January 14, 2008

Motivos pessoais

Hoje escrevo um desabafo pessoal em relação ao que ocorre atualmente nos Estados Unidos. Em primeiro lugar, essas eleições são especiais porque são as primeiras presidenciais que vivo em minha pele no país. Ironicamente, mesmo tendo morado aqui desde 1996, jamais participei desse período estadunidense, ou melhor, talvez tenha lá estado em algumas preliminares, mas as eleições de fato não estive aqui nem em 2000, nem em 2004.

Além de estar mais engajado politicamente, meu conhecimento econômico aumentou ao ponto de que sei de alguns singelos detalhes a mais, o suficiente para tentar navegar na escuridão causada pelo caos informativo de nossos tempos modernos. O mesmo caos inexistente, que causava a escuridão dos tempos passados, mais uma ironia constatada nesse texto para vocês.

Entretanto, por ser apenas residente e não cidadão dos Estados Unidos, não tenho o direito ao voto. O que eu opine ou deixe de opinar não importa para a massa, não conta efetivamente, porque meu voto é obrigatoriamente nulo. E mesmo assim persisto em tentar escrever analiticamente sobre um sistema novo para mim, a cada dia conhecendo detalhes novos, alguns que tinha compreendido erroneamente, e tentando adaptar minhas análises de acordo com minhas mutações cognitivas.

Aqui escolho dar o motivo principal da importância dessas eleições para mim, a estrangeiros que, algum dia, já quiseram poder eleger o presidente dos Estados Unidos. Assim diriam pessoas como Fausto Wolff (corrijam-me se estiver enganado), Fritz Utzeri, e outros bons intelectuais brasileiros, que por pensar pensam parados, e são mais facilmente capturados pelos canibais cerebrais, ou assim diria Raul (brincadeirinha).

Pois, vim aos EUA em 1996, chegando primeiro a Miami e logo transferindo-me a New York, uma experiência elucidante e ao mesmo tempo solitária. Sem falar o idioma, apenas me dava com os israelenses, que eram quase ou mais de dez anos mais velhos do que eu. Vivi New York com olhos tristes, e odiei a cidade em minha primeira estadia de sete meses. Apaixonei-me futuramente, para sempre.

Período de folga no Brasil, e voltei a viver em Miami, com minha família. Depois do falecimento de meu pai, fiquei dois anos procurando trabalhar e encontrar algum caminho na Florida. Voltei a Israel, minha terra natal, e fiquei por lá por dois anos. Retornei a Miami, e depois de mais perdições me mudei a New York com dois amigos, ainda próximos, um dos quais hoje em dia é meu cunhado. De New York me mudei a Los Angeles, e de Los Angeles me mudei por um mês a trabalho em uma cidadezinha interiorina da Califórnia, Bakersfield, a verdadeira terra dos “gringos” de “pescoço-vermelho” e dos nativos-americanos. O resto, resto queda.

De New York a Miami e a Los Angeles, meus problemas particulares foram sempre os mesmos. Economicamente, talvez sejamos mimados. Temos facilidades que eu sei serem menos comuns no Brasil e na América-Latina como em grande parte do mundo em geral. Predominantemente, somos consumistas para vivermos em paz com nós mesmos. Todos em minha faixa financeira, contudo, parecem ter os mesmos problemas mais graves, e cito os principais abaixo:

- Falta ou enorme dificuldade a pagar e manter um seguro de saúde.

- Falta ou enorme dificuldade de se usar o transporte público (obrigatoriedade de se ter um carro, despesas relacionadas a gastos de gasolina – energia – e gastos de seguro de carro, obrigatório nos Estados Unidos no que diz respeito a danos a terceiros.).

- Muito trabalho, pouco dinheiro? Sim, de certo modo. Nos Estados Unidos não se vive, geralmente, uma vida de muitos amigos, mas sempre se trabalha muito. Imigrantes, é claro, melhor cabem a essa categoria, talvez pela falta de total integração aos costumes de uma terra estrangeira, mas certamente também pela dificuldade de uma classe média baixa, cada vez mais rara, e as classes de capacidades econômicas inferiores, de se manterem dignamente sem amontoar em tanto stress.

- Os impostos que pagamos atualmente, depois de um governo republicano de oito anos, são maiores, proporcionalmente, aos impostos que pessoas – leia-se também empresas – mais abastadas pagam. Os serviços ainda escassos, e com o perigo de uma iminente recessão nos Estados Unidos, especialmente no estado da Flórida (que será atingido com mais certeza do que o resto do país), o corte ainda maior é garantido. Arnold Schwarzenegger, por exemplo, vendo seu estado californiano rumando pelo mesma estrada, já fechou mais de uma dezena de parques nacionais, e numerosos serviços sociais. O primeiro que o governo republicano parece querer cortar é o que uma quantidade cada vez maior de pessoas precisa: assistência social.

Portanto, as eleições de 2008 me tocam como tocam a uma crescente massa de pessoas, o que para mim é a única verdadeira diferença dessas eleições às passadas, e nem a todas. Afinal, já houve épocas mais revolucionárias no país, que permitiram vermos o que vemos atualmente:

- Uma candidata e um candidato negro concorrendo para o mesmo partido, mais idenficável pela esquerda do país.

- Uma pessoa de uma religião tida como sinistra nos Estados Unidos, e um experiente político de, todavia, 71 anos de idade concorrendo em outro partido, mais idenficável pela direita do país.

Mesmo assim, preparem-se para os próximos textos. Infelizmente, a situação econômica do país empurra o interesse público à economia mais do que à guerra no Iraque. Em poucas palavras, para quem sabe o que ocorreu entre Israel e Líbano, preparem-se para pelo menos mais uma década de conflito, e conformem-se com essa triste realidade.

Aqui, a primordial preocupação e atenção civil é transformar a economia. Do lado democrata, aumentar impostos para pessoas que recebem mais de US$ 250 mil ao ano e diminuir impostos a pequenos negócios e pessoas físicas menos abastadas, é uma das idéias emergentes. Aos republicanos, o corte de impostos como vem sendo – quanto mais se recebe, mais chances se tem de descontarem impostos – e um maior corte prometido a "todos", são as principais idéias da maioria dos candidatos.

E mesmo assim, não se enganem. Amanhã explico melhor o que ainda há de ocorrer, mas a política aqui, como em qualquer lugar, ainda é um circo. Se mais ou menos profissional do que circos latino-americanos ou europeus, a opinião torna-se verdade absoluta, mas pessoal. Ao menos a democracia permite que pensemos. O que nos proíbe, às vezes, é a própria democracia, a predileta de Churchill, essa mesma.

RF

1 comment:

Anonymous said...

Muito bom texto! Você está se formando, aqui, um espetacular analista político, já percebeu isso? E com a bagagem dessas sucessivas vivências aqui e ali. Me mostra como tudo é claro quando se é verdadeiro e aponta o que há de errado, talvez, em comentários políticos que a gente lê por aí...