Friday, March 12, 2010

Shevet Achim Gam Yachad…

Hinê má tov hu má naím shevet achim gam yachad.
(Eis, quão bom e quão agradável, quando se sentam os irmãos em conjunto.)


Há alguns anos que não frequentava sinagogas ou antros judaicos. Ontem tive um reencontro esperado, de certo modo. Colega de meus tempos ortodoxos de Miami desde os idos de 1997 convidou-me à janta. Chegou em Miami há menos de uma semana, mas já me procurava nas redes sociais virtuais da vida moderna. Na última vez que o vi, em 2004, quem pagou o jantar fui eu, e ele aproveitava sua passagem por Miami para retribuir a gentileza.

O papo começou cheio de saudosismos e memórias recontadas, o que fizemos, por onde estivemos e o que esperamos de nosso futuro. Enquanto apenas sorriamos com contos absurdos, sua viagem a Búzios por motivos religiosos (ao que perguntei se a próxima viagem destinaria-se a Las Vegas), minha situação pitoresca no último vôo de minha estadia brasileira (onde crentes fizeram o papel de judeus ortodoxos), ou sobre os planos de sustento de cada um de nós, a paz reinava à mesa.

Em um quesito de total discórdia, no entanto, N iniciou um debate interessante que a mim sentiu-se agradável de início ao fim – mas para ele, o oposto é verdadeiro. Quando soube que ando “bulindo” com uma “shikse” (expressão degradante para não-judias), não aguentou e precisou iniciar uma cerimônia doutrinária. Para comprovar que “casar com não-judeus é algo empiricamente ruim”, meu camarada tentou usar um exemplo, um causo, de alguém que casara com não-judia e arrependera-se de sua prole não-judaica. Logo lhe disse:

“Mas N, que coisa, menino. Esse exemplo é peculiar, e além disso é um só. Depois, você mesmo não conhece essa família (supostamente o causo se apresentara em algum noticiário, o que muito duvido) e não tem a mais mínima ideia do que se passava na mente do marido, da esposa ou de seus demais familiares. Mais do que isso, digamos que exista um arrependimento pela prole não-judaica… Isso tiraria de seu amor aos seus filhos? Ou, digamos que realmente uma maioria estatística se arrependa, isso ainda não quer dizer que o ato em si é empiricamente ruim. Além do que, o arrependimento pelo casamento errado é certamente mais comum do que o não arrependimento e o sustentamento de um relacionamento duradouro, seja entre judeus ou muçulmanos.”

Quando fui religioso, logo me lembrei, cometia os mesmos erros que meu amigo cometia à minha frente. Equacionando um ato de consequências subjetivas (casamento entre pessoas de diferentes etnias ou raças) a um ato de consequências físicas e universais (dirigir bêbado), o amigo não conseguia admitir que seus motivos eram a priori, e não racionais e conclusivos. Tampouco podia enxergar que algo lhe faltasse à própria logica tecida no uso de suas ilustrações. Depois do exemplo citou “conhecimento pessoal” de casais que se arrependeram do matrimônio fora da religião-etnia que é o judaismo. Para ele esse conhecimento constitui uma prova concreta de que todos que casam além de sua religião-etnia se arrependem. É esse arrependimento o principal a comprovar, segundo N, que esse ato é empiricamente malévolo. O arrependimento…

Algo que eu mesmo não entendia quando estudava em contexto religioso é que ilustrações não são provas concretas, causos populares não emitem sabedoria empírica e exemplos não constitúem regras. Como seu conhecimento e discernimento entre o bem e o mal não partem de observações concretas e sim de ideais abstratos e escrituras alheias nunca acostumou-se a discutir ideias construtivamente, mas é profissional na arte do sofismo e da retórica.

Decidi publicar o conto não só como ilustração (que não constitui prova concreta) da natureza do raciocínio religioso, mas também para levantar uma questão que espero tratar nos próximos textos:

Para mim, o ideal seria que N compreendesse que o debate faz-se difícil a partir do momento que para ele não existe a menor hipótese de que eu esteja correto, mesmo que tudo indique que assim seja. Para mim seu paradigma modelo é falho, e mesmo que possa, logicamente, chegar a enxergar a realidade como N, isso seria quase tão improvável do que o oposto anteriormente mencionado. Logo, o ideal seria que ele pudesse, como eu, abdicar da necessidade de me convencer e me permitir enxergar o mundo dentro de meu paradigma modelo, e o mesmo a mim se enquadra. O problema é que para mim, se um judeu casa com uma judia não há nada de malévolo nisso, ao menos não passando pelo casamento em si (talvez seja errado discriminar outras pessoas, mas essa discriminação beira o privilégio da escolha), e para ele, caso me case com uma não judia algo de gravíssimo ocorrerá em minha vida e na vida de todo o povo judeu.

Quando nos despedíamos, portanto, N confessou que não havia gostado da conversa porque não podia desviar-se do que ele chama de “estupidez” da minha parte (jamais fiz menor alusão à sua falta de capacidade intelectual, mesmo porque não acho que o problema seja seu intelecto; apenas o chamei de pisher, moleque, quando afirmou orgulhosamente que sabia exatamente o que era certo e errado, bom e ruim no universo). A pergunta:

Seria possível traçar um paralelo comunicativo com pessoas religiosas, como islâmicos, a fins da inclusão social de todas as etnias, credos e raças em um sistema global caótico e complexo? Ou seria meramente impossível chegar a algum acordo de paz duradoura com muçulmanos árabes, persas, kurdos ou de qualquer outra etnia, já que a base de seus valores morais enxerga o secularismo como algo empiricamente malévolo à sociedade e aos próprios “pecadores”? O caminho à paz percorre as mesmas estradas que levam à guerra.

RF

6 comments:

Cris said...

Oi, Royzito,

Resolví passear por esses lados hoje e me deparo com esse teu relato interessante.Não vou tentar alcançar todos os motivos da opinião radical do teu amigo, só lamentar.Achei uma invasão.
No mais, é fim de tarde de um dia lindo.A vida é maior e o amor a única certeza.

Beijão.

Roy Frenkiel said...

Ola, Cris, bom te-la por aqui!

So eh invasao quando voce nao da direito ao comentario do proximo. Eu deixei. Logo, invasao eh a unica acusacao da qual ele nao pode ser culpado rsrs.

bjx

RF

Luma Rosa said...

Também não gosto de radicalismos "Nem tanto o céu, nem tanto a terra" - Não somos perfeitos e cada um tem a sua missão, mas principalmente procurar o equílibrio nas relações humanas, conviveremos bem com as nossas diferenças. Não sei o que uma não judia teria de tanto mal aos olhos de Deus, afinal, ele criou a todos em nível de igualdade. Todo o resto é criação humana.
Conheço uma moça judia que tem um blogue e tenta explicar as tradiçoes. Muito complexas para a minha cabeça, mas aparentemente o que todos querem é a felicidade ou sei lá! Um pedacinho do céu?

Roy, você sabe fazer miojo? Queria te fazer um convite. :D

Beijus,

Roy Frenkiel said...

Oi, Luma! Pois eh, mesmo sendo ateu entendo seu ponto perfeitamente. As pessoas recriam (se apoiam no que querem acreditar, em outras palavras) o que melhor lhes cabe. Portanto, quando um evangelico se diz contra o casamento de homossexuais e se firma na Biblia para opinar, nao eh a Biblia a preconceituosa, e sim o parceiro evangelico que ainda nao optou por um "Deus" diferente. Complexo isso mesmo. Quero saber qual eh o blogue, se possivel.

Faco miojo muito bem! :-)
Qual eh o convite? Me deixasse curioso.

Abrax

RF

Jens said...

Oi Roy.
PQP, que radicalismo. Saindo da esfera sentimental para as relações mais amplas do campo social e, a partir daí, considerando que os islâmicos propugnam a mesma postura intransigente, dá para entender porque nunca haverá paz no Oriente Médio entre judeus e árabes, se esta for a posição da maioria das respectivas populações. (Extrapolei a situação para um cenário mais amplo, não sei se deu para entender).

Um abraço.

Roy Frenkiel said...

Sinceramente, capitao, sao essas as coisas que mais indicam a situacao de desesperanca. O maior problema da discussao sobre o Oriente Medio eh que todos olhamos para tras, para a historia, do mesmo modo que olhamos para tras e rebuscamos no passado a explicacao para realidades atuais. E o passado eh essencial mesmo se quisermos entender como chegamos aonde chegamos, mas o presente tem sua propria forma, fronteiras e limites. A maioria, e voce deve saber disso, capitao, dos problemas atuais entre Israel e seus vizinhos tem a ver com religiao, mas muito mais com nacionalismo. O problema eh que, se voce acredita ou pensa que o nacionalismo carece de fe do mesmo modo que a religiao carece de fe, e que 1 + 1 = 2, voce automaticamente acredita, ou escolhe assim observar, que o caos atual so aumenta e so transcende por causa das respectivas religioes.

A maioria do povo judeu eh contra o casamento inter-racial? Nao sei. Nao conheco as estatisticas. Sei que a maioria do povo judeu nao eh religioso, mas muitos, provavelmente a maioria, mantem tradicoes, a fe, e o nacionalismo judaico. Na cagada, muitos radicais religiosos sao contra o Estado de Israel, mas nao contra a ideia do Reino de Israel, ou seja, da na mesma, outro nacionalismo somado a religiao. No povo arabe nao sei se existe essa lei. Sei que nao deve (pela logica do que conheco e do que estudei) ser agradavel para o muculmano, seja ele arabe, asiatico, persa, kurdo ou americano, casar com um/a infiel.

1 + 1 = 2, ne nao? Ou to viajando?

Abrax

RF