Monday, March 08, 2010

A mulher

Antes de mais nada, feliz dia internacional da mulher. Hoje, sem grandes loucuras acadêmicas, mas claro está que gostaria de deixar minhas homenagens.

O dia é de todas as mulheres. A importância das mulheres na humanidade vai infinitamente além das palavras que qualquer pessoa, independente de sexo, possa expressar, portanto não me arrisco nas poesias vazias do dia a dia. É interessante, no entanto, levantar a questão da relevância da identidade feminina dentro do mecanismo sistemático e caótico do funcionamento mundano. Tal ainda mais para nós, homens, que ainda mal compreendemos a questão mais simples: O que é “mulher”?

No texto de Novembro, Conceitos e Ideias 1 – Pós-positivismo e Feminismo, citei a visão de Francis Fukuyama sobre o pacifismo inerente à natureza biológica da mulher. Um ramo predominante de feministas discorda dessa lógica. Simone De Beauvoir, por exemplo, minha feminista e existencialista predileta, dizia que a mulher não nasce mulher, torna-se por escolha, e assim cria a mulher. A “mulher”, no caso, não teria conotação fixa apesar dos aspectos físicos distintos. Ao contrário do que pensa Fukuyama, muitas feministas argumentam que definir o conceito “mulher” externamente atrofia possibilidades das mais variadas, e acaba oferecendo os melhores argumentos àqueles que insistem em super-definir o conceito “mulher” somando adjetivos como “pura”, “verdadeira”, “santa”, ou contribuindo à construção de atributos ao conceito principal: A mulher deve ser discreta. A mulher não pensa em sexo como o homem. A mulher não é capaz de fazer trabalhos braçais. A mulher deve ficar em casa cuidando das crianças enquanto o homem sai ao trabalho do sustento familiar.

Como bem disse e escrevi a Micaella, sobrinha minha das mais recentes (tem mais pela frente, pessoal, mas só conto quando for certo), o mundo atual permite que os devaneios se tornem realidade. Mais do que nunca somos quem queremos ser, não só quem podemos ser. Obviamente que não podemos, nem homens nem mulheres, desejar a riqueza ou o sobrenome “Rotschild” ou “Gates”, mas homens que querem ser mulheres e mulheres que querem ser homens podem, hoje em dia, para quase todos os efeitos, fazê-lo. Se sua interpretação for religiosa, compreendo sua relutância em admitir que até mesmo essa mudança descomunal das fronteiras naturais da humanidade básica de cada indivíduo possa se concretizar. Para quem não tem deus, no entanto, ou para quem criou deuses mais flexíveis ou assim os escolheu, as interpretações variam novamente. Repito: Somos quem queremos ser. Temos, isso sim, apenas o que podemos ter.

Hoje mesmo recebi uma mensagem eletrônica do poeta e amigo mineiro, André di Bernardi, comentando o filme Preciosa – baseado no livro Push de Sapphire, com tamanha emoção que apesar de não tê-lo assistido já o recomendo de olhos fechados. O filme, como muitos devem saber, trata-se de uma menina obesa, pobre e analfabeta, repetidamente violentada pelo pai, que a engravidou duas vezes e, para piorar, a tornou soropositiva. Ainda por cima convive com os abusos da mãe que a culpa, ciumenta, pelo abandono do marido. Como uma luva, Preciosa, nomeada a quatro categorias na cerimônia de premiação do Oscar deste passado Domingo, dia 7 de Março, encaixa-se preciosamente às palavras de Beauvoir. Vencida pela vida e pelo mundo, a menina Preciosa jamais desistiu de construir-se e recriar-se. Mesmo que não encontrasse espaço para perfurar os céus, crescia para os lados mais psiquica do que fisicamente. Sua beleza interna e sua auto-imagem como a Preciosa que carregava no nome nos fornecem o melhor exemplo do que significa ser uma mulher em nossos tempos.

Ser qualquer minoria já é difícil, e sempre foi, mas antes desse “sempre” foi difícil ser mulher, seja em cantos do planeta que mais violentam, abatem e contagiam mulheres com enfermidades alheias, ou outros de forras machistas em qualquer das minorias. Em cantos mais, em cantos menos. A mulher sobrevive e se recria como nós, homens, mas em sociedades patriarcais, machistas e criadoras supremas de estereótipos podres, a recriação e o crescimento feminino são maiores do que os nossos, ao menos nas medidas que importam. Ontem, por exemplo, foi premiada com o Oscar a primeira diretora (do filme The Hurt Locker, que muito recomendo) na história de Hollywood, Kathryn Bigelow. Justo Hollywood, a cidade californiana que clama estar à frente do resto do mundo em seu liberalismo extremo, apenas ontem, quase década a dentro em um século 21 de terremotos e guerras banais, elegeu a primeira diretora ao prêmio máximo. Prova o discurso.

Por fim, o dia internacional das mulheres requer seus cuidados especiais. Não por mães, nem por amigas, esposas ou irmãs, mas por mulheres, que decidam sê-las, comportar-se como tais, e que assim criem novos “tais” e novas “mulheres” em conceitos que lhes cabem mais do que a qualquer um de nós. Tudo isso pelo sonho de Micaella, pelas palavras inclusivas de Beti Timm, pelo amor que sinto por minha Lilith, pelo amor e respeito à mamãe e à nova mamãe-irmã, de que chegue logo o dia, e chegará, em que andaremos lado a lado sem melhores ou piores, só iguais.


RF

1 comment:

Lilith said...

Você sabe, é com isso que sonho. Com o dia em que caminharemos lado a lado. Eu toda minha. Você todo seu. E mesmo assim, autônomos, não vamos querer nos separar. Simplesmente porque junto é melhor, é maior, é mais legal... rs Te amo!