Friday, December 11, 2009

Luzes

(Texto anterior sobre a festa das luzes)

Todos os anos comporto a tradição de escrever algum artigo sobre a Festa das Luzes, Chanuká, que coincide quase sempre com a época natalina. Esse ano não será diferente. A Festa começa hoje e termina na noite da próxima Sexta-Feira.

Sou, em todos os sentidos, um exemplo vivo de alguém liberal. Nasci sem tradição, nômade, sem uma cultura específica além da judaica, sem uma pátria própria ou identidade ligada a qualquer espécie de nacionalismo. No Brasil me chamam de gringo, aqui nos Estados Unidos de imigrante e em Israel de desertor e “estranho”. Mesmo nunca tendo perdido o contato com o judaísmo, e mesmo quando era religioso, dava um jeito de fazer tudo diferente. A repetição me incomodava.

As tradições são aqueles costumes inexplicáveis que não são nada em si, apenas símbolos de algo maior, ou melhor, ou diferente, mas que tenha suas virtudes para que valha a pena rebuscar e voltar aos mesmos costumes tradicionais. O mais importante, ser tradicional ou conservador significa não querer mudar nada. E já disse, aí em cima, que apesar de eu ter meus costumes, nunca fui tradicional, em parte até pelo incômodo das repetições. Mas claro que as repetições tem lá suas vantagens. Criam raízes, patrimônio, fama, seja esta qual for, e em parte treinam o corpo e à mente a enfrentar os mesmos problemas, as mesmas realidades, e os mesmos dilemas diariamente, como usufruir dos mesmos prazeres. Vejam lá que essas vantagens já ao fim da frase parecem desvantagens… Ao menos para mim. E a tradição é exatamente isto: Seguir os mesmos costumes, lembrar dos mesmos problemas, das mesmas realidades e dos mesmos dilemas, e rejubilar ao deguste dos mesmos prazeres ocorridos em outras épocas.

Ser judeu, por exemplo, é ser judeu e pronto. Não há características especificas que definam melhor o judeu do não-judeu, ou ao menos gosto de pensar que o indivíduo faz o caráter, e não o oposto, mas ser judeu é ser judeu e não outra coisa. É, acima de tudo, independente de genética e cultura (que é permanente), uma escolha de vida (que pode ser temporária). Ter a consciência de que se é judeu e aceitar o próprio judaísmo requer decisões, às vezes mais simples do que outras. No meu caso, como tenho no próprio judaísmo o exemplo de pessoas para lá de liberais e revolucionárias e ateístas, jamais senti que o ateísmo negaria meu judaísmo. Jamais achei que ser liberal fosse contraditório ao termo.

Julia Sweeney, comediante que já fez-nos rir muito em suas apresentações no famoso Saturday Night Live, da NBC, tem um monólogo seu que circula a Showtime, e que muito recomendo. É entitulado Letting Gof of God, ou “Deixando Deus Ir”, e neste ela conta sobre sua trajetória desde a visita de dois Mormons à sua casa até sua conclusão definitiva de que Deus não existe dois anos depois. O interessante é que, ao contrário dela, minha família nunca foi religiosa. O judaísmo que recebemos em casa não era religioso, era justamente “tradicional”, nesse caso significando que nós apenas seguíamos os costumes mais básicos e festivos de nossa cultura judaica, mas que não por isso deixávamos o judaísmo de lado. Já a comediante ateísta sofreu por outras vias, pois seus pais, católicos praticantes, chegaram a conceber rejeitá-la por sua “des”crença. Enfim não tiveram sangue tão frio, não o tinham, mas sua jornada ao ateísmo percorreu, necessariamente, por ter de abandonar suas raízes católicas.

A minha não… Apesar de ter sido religioso, e de ter de romper com meus nichos religiosos, não o fiz por ceticismo, e sim por escolher algo distinto para minha própria jornada. Em primeiro lugar, não tenho como me desfazer da circuncisão. Em segundo e em todos os outros lugares, porque nunca precisei negar meu judaísmo para negar minhas crenças. Freud era um judeu sem Deus. Para mim, Deus só existe quando pronunciado pelos outros, ou quando sinto medo, muito medo, mas logo entendo que é natural sentir medo e encaro, e logo Deus some, novamente, de minha mente. Einstein acreditava na possibilidade de que o mundo tenha sido criado, ou ao menos entretia a ideia, mas para nada foi um cientista conservador. Muito pelo contrário, provar que havia algo de errado nas equações de Newton revolucionou a física e a mudou para sempre. Einstein e Freud eram judeus… Freud até conseguiu escapar a Alemanha Nazista por poucos fios. Por que eu deveria largar meu judaísmo?

Chanuká, mais do que a mítica história do milagre do candelabro, e mais do que a histórica vitória dos Macabeus sobre os inimigos majoritários, é a festa das luzes. Como o Natal, a tradição judaica precisou, certamente, competir com as luzes das decorações cristãs, e compete através das luzes, que são mais do que comerciais. São inclusivas.

É isso mesmo, Chanuká é a única festa judaica que deve ser celebrada, de acordo com o próprio judaísmo, por todo mundo. É um lembrete não só da mítica existência do Deus Hebreu, mas especialmente da força de vontade e sobrevivência de um povo, de uma comunidade, de uma nação. E essa celebração deve ser compartilhada com todos os povos, judeus e não-judeus lado a lado, como um exemplo do que qualquer povo pode fazer e representar.

Pois, Chanuká é uma festa quase revolucionária. Certamente significa que um povo tão perseguido como o judaico conseguiu, seja como foi, sobreviver, mas ao invés de excluir os outros povos dessa sobrevivência que se tornou vivência como é geralmente o costume em outras festas, inclui e permite e ainda insiste na presença do mundo todo e no testemunho de qualquer pedestre ou motorista de que as luzes judaicas, as luzes de uma nação, podem e devem persistir para todo o possível sempre. É uma tradição liberal.

As fronteiras físicas que nos separam estão se desmanchando. Ainda assim, as nações que compõem o espaço geográfico que as fronteiras vizam limitar não se dissolvem com o tempo. A convivência humana é, talvez, a maior ruptura à tradição de guerras e inimizades que a humanidade ainda ostenta, caducamente. Por isso acendo minha vela. Por isso mantenho a tradição. Por isso não me livro do judaísmo. Por isso celebro, nestas páginas, meu próprio Chanuká.

RF

3 comments:

Dani said...

E eu, catolica aqui, tambem celebro o Hanukkah/Chanuká com voce!

Jens said...

As tradições servem para nos lembrar que não estamos sós - fazemos parte de uma tribo. Assim, camarada Roy, seja feliz na celebração do seu Chanuká. De minha parte, te desejo desde já um feliz Natal e um Ano Novo duca! Mas a gente ainda se fala antes disto.

Um abraço.

Marcelo F. Carvalho said...

Que a Luz, a vida e o amor preencha a todos nós nesta que, definitivamente, é uma belíssima data.
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Abraço forte!