Monday, December 21, 2009

Retro-2009

A década começou antecipando um novo milênio, e o novo milênio chegou no dia 11 de Setembro de 2001. Assim começou a década: Ríspida e violenta, rebelde, ruidosa e arruaceira. Não é que os tempos, além do calendário, necessariamente mudaram. Mas mudaram. Em eternos retornos, a década começou com explosões. O sino tocou quatro vezes: Ding – e caiu a primeira Torre; Dong – e caiu a segunda Torre; Ding – Destroços no Pentágono; Dong – Um avião despencado e seus passageiros desaparecidos.

O que mais muda – ou deixa de mudar – não são os tempos. São as faces animalescas de todos nós, semblantes nada divinos em percepções semi sensoriais e semi instintivas, metade bicho, metade deus, testemunhando a balança do poder entre os mais fortes outrora fracos e os mais fracos outrora fortes. Ao longo desses últimos dez-nove anos, vimos um pouco de tudo. O soberano norte-americano despedindo-se do poder soberano após oito anos de intensa incompetência e neo-conservadorismo medonho. Iniciou, o junior Bush, duas guerras que não consegue encerrar, enquanto o panda chinês troca truques em malabarismos com bolhas de sabão. Recessão… Empréstimos e mais empréstimos, como fosse esse colosso país livre um mero sub-desenvolvido procurando ajuda. E, enquanto isto, os verdadeiros sub-desenvolvidos morrem de fome.

Ainda assim, algo mudou além/aquém das faces. As minorias começam a alcançar patamares ora utópicos, hoje mais realistas, e unem-se em maiorias. Era de se esperar, diriam uns e diria eu, mas segue sendo surpreendente.

Da camada minoritária do “phoder” (parafraseando meu amigo Pirata) brasileiro, Lula presidenciou o país e foi, para todos os efeitos internacionais e domésticos, o melhor presidente que o Brasil teve pós-ditadura. Apesar de suas reformas cosméticas e seus escândalos corruptos no partido que criou o cerne da existência de um Luiz Inácio como Lula, conseguiu diminuir a exclusão e ir além: Aumentar a inclusão social brasileira. Os índices econômicos mostraram-se tão fortes que enquanto a maior parte do mundo nada no recesso das recessões gringas, o Brasil pôde anunciar que ao menos esta crise não mais aflige seu território. Apesar de erros crassos e expressões demasiadamente “caboclas”, o presidente é um dos mais populares do planeta, e mais respeitados no cenário mundial. Em parte por seu trabalho, incluiu o Brasil no grupo dos Gs, os Grandes, que eram cinco, logo oito, e agora doze, quem sabe dezesseis. Brasil entre eles…

Esta foi, e é, uma década afro-descendente. Tivemos o primeiro presidente afro-descendente na Casa Branca e na civilização Ocidental, Barack Hussein Obama, com nome africano-árabe e filho da miscigenação. Louis Hamilton, piloto de F-1, foi o primeiro negro a vencer o campeonato. Outro Luiz, este Jorge e Andrade, foi o primeiro técnico negro a vencer um campeonato brasileiro com o Flamengo. Se os tempos não mudam e nem nossas faces, apenas suas expressões, mudam sim as cores que regem a orquestra. Mudam sempre. Tolos os que nunca perceberam isso.

Enquanto ainda há o pescoço-vermelho procurando desculpas neo-nazistas, o amarelo é a cor da moda atual. O vermelho é a cor do progresso e do futuro. Enquanto deslumbramos o feito, mais de um bilhão de olhos puxados riem-se em segredo, e riem-se de todos nós.

Na Índia, na antiga Bombaim e moderna Mumbai, o ataque terrorista mais caótico ocorreu em 2008. Entre explosões e guerras por Kashemir, criam novos aparelhos telefônicos ou configuram as nossas redes virtuais.

O fim da década trouxe consigo centenas de milhares de enlutados espalhados pelo planeta. As enchentes, as secas, a fome, as gripes aviária e suína, epidemias distintas e indistintas em rebelia organizacional matando e morrendo com suas vítimas humanas, e o terror, o pleno e completo terror, segue aterrorizando. O mundo é ainda mais denso do que denso foi.

O Brasil tirou de letra os sorteios esportivos. Surrupiou o doce da boca do bebê Obama e sua amiga Oprah, as Olimpíadas de 2014. A Copa do Mundo de 2016 já estava no bolso do paletó de Lula. “Lula é o cara,” disse Obama.

Sadam Hussein, outro Hussein, foi executado parecendo Papai Noel. Perfeito conto a ilustrar o espírito natalino. Osama, quase Obama, mas este Bin Laden, livre e solto segue espalhando seu terror enquanto seus irmãos, Bin Laden Lmtd, seguem estufando o rabecó de bufunfa preta.

Renasceu, na década, o “phoder” de Hugo Chávez e uma Venezuela socialista. Já a Cuba, a única genuína, perde-não-perde Fidel Castro. O mano caçula, Raúl, assume o “phoder” cubano. Evo Morales, mastigador de coca indígena, assumiu o “phoder” na Bolívia. Ahmadinejad, o anti-sionista acerebrado, também ressurgiu das trevas do extinto Xá Iraniano. Discursou, inclusive, com todo seu “phoder” em uma universidade estadunidense. Acreditem, no Irã não há homossexuais.

E estes, os excluídos, ganharam mais voz do que sempre tiveram. Após oito anos de tensa escuridão nublada, conseguiram expandir seus direitos a mais estados. Apesar da pequeniníssima mente dos homofóbicos em suas teorias também neo-nazistas, ser gay hoje em dia é “cool”, e pobre de quem ainda não entendeu isso.

Como, por exemplo, os torcedores do São Paulo FC que não homenageiam o jogador Richarlyson quando entra em campo. Afinal, já carregam o estigma vulgar de “bambis”, e jamais tolerariam que um dos seus (um de seus melhores) assumisse a obscura sexualidade. Assim nos damos conta de que mesmo que mude muito, pouco muda. Em que clube jogará Richarlyson sem sofrer o mesmo preconceito? Aguardo respostas.

Sei que não houve ordem, nem critério em minha retrospectiva. Tampouco queda espaço para brincar de rebuscar a má memória, ou ler as retrospectivas dos outros para saber o que escrever. O que sobra é a confiança de que o paradoxo temporal e espacial relembra sua existência a cada ano que passa, a cada conto, cada nascimento, a cada vida nova e morte velha. Zaratustra em Nietzsche em eternos (e ternos) retornos, mas o que retorna é sempre outro, novo, re-tecido. Aqui, ao fim da primeira década do segundo milênio moderno, encontramos até água na Lua. As revoltas re-voltam. As minorias ganham ar de maiorias. A democracia começa a funcionar melhor, o que é pior para muitos. O que mais importa é que temos à nossa frente mais um ano, ano novo, vida nova, cheiro novo, tempos novos, cheios de novidades que ainda estão por inovar, e cheios de revoluções que ainda chegam a revolucionar. Da meia noite ao dia primeiro despertaremos na próxima década. Mas esta retrospectiva usual somente daqui a dez anos… Dez anos, entenderam? Dez anos…

Feliz ano novo!

RF



2 comments:

Luma Rosa said...

Ano novo? Que fosse tudo novo! Virassémos a página ou a luz se apagasse. E tudo continua eternamente igual ou parecendo igual porque as 'mudanças' imperceptíveis no momento, levarão anos para serem sentidas!! Que as luzinhas do natal acendam dentro de você e que seu ano novo, seja a promessa de paz, amor e prosperidade!! Feliz Yule!! Beijus,

Jens said...

Oi Roy.
Antes de mais nada, me permita a aprovação onomatopéica: clap! clap! clap!
Num artigo desenvolto na forma e no conteúdo - enganosamente despretensioso - conseguistes traçar um painel do que foi a última década ao destacar os mais relevantes acontecimentos políticos, econômicos e culturais. Texto agradável de ler, independente da concordância ou não com as tuas opiniões. Como todo bom texto jornalístico, transmite fatos e idéias com clareza e simplicidade. O leitor comum, pouco afeito às técnicas da profissão, não apenas compreende como fica com a impressão - se gosta de escrever - que poderia produzir algo semelhante. Parece fácil, mas não é. Só os profissionais talentosos sabem como é áspero o caminho que leva à simplicidade da escrita.
Parabéns, você está na trilha certa.
Um abraço. Feliz Natal (mesmo que você não comemore a data) e Feliz Ano Novo.
Em 2010, vamos continuar erguendo a viga para cima. Nem sempre as mudanças se destinam a assegurar que tudo continue como está, como acreditava o Principe di Salina.

Arriba!