Friday, November 27, 2009

Ideologias e o Século 21 – Parte 2


Por outro lado, tanto positivistas (como Alexander Wendt, que ainda acreditam em conceitos coletivos e no papel do lider individual, mas não necessariamente na construção social que parte de indivíduos comuns) quanto pós-positivistas (que se concentram na conceitualização individual, clamando que, sem ela, não há como aproximar-se de nenhuma realidade universal), compreendem que é substancialmente impossível livrar-se de ideologias. Não que a construção de valores seja necessariamente ligada à escolha entre o socialismo e o capitalismo, ou entre a democracia, teocracia ou autocracia. Explico:

A fé é um sentimento. Aquém de razões, lógica ou raciocínios calculistas, a fé (tanto a religiosa como o “passo de fé” de Soren Kierkegaard) é a aceitação de uma realidade que transcende o concreto e o observável, sendo aqui a palavra chave “aceitação”. Pode se ter fé em deuses, energias espirituais ou movimentos sociais. Pode se ter fé em coisas simples, como “hoje não choverá, portanto não levarei comigo um guarda-chuva”, como podemos acreditar piamente na vinda de um Messias e no “fim dos tempos”. Acreditar, logo, é natural e inerente ao ser humano. Se você pensa melhor educar seus filhos sem dar palmadas, você age através da fé, para a fé e com fé no processo. É bem possível que você desista dessa educação se perceber que ela não dá os mesmos resultados, o que deixaria de ser meramente um processo sentimental passando a ser, mesmo que parcialmente, racional. Mesmo assim, sem a fé nenhuma decisão seria tomada à não ser que soubessemos, sempre, o que nos aguarda no futuro obscuro.

A ideologia é, nesse sentido, um conceito aceito/assumido por indivíduos como a forma “correta” de atuação/percepção no/do mundo real. Conforme a pergunta de Jens nos comentários, o “certo” e o “errado” são, quase sempre, subjetivos. Mesmo assim a ética estuda a conceitualização individual e universal dessas duas palavrinhas importantes. Para absolutistas como Immanuel Kant, não há papo: O certo e o errado existem. Tudo que for certo em um caso, é certo em todos os casos, e tudo que for errado, errado será em todas as situações. Para utilitaristas como John S. Mill e outros, o certo e o errado dependem do sofrimento/regojizo das pessoas envolvidas, de todas as pessoas envolvidas, e não há uma única fórmula para definir o que é certo ou errado por si. Simone de Beauvoir vai além, e diz que o certo e o errado dependem apenas do indivíduo e de suas escolhas imediatas, não podendo ser definido externamente (salvo regras e convenções sociais para tornar a convivência humana meramente viável, é claro), e mesmo quando a pessoa escolhe, não significa que fez a escolha certa e que não precisará lidar com as consequências a vida toda.

Pois, não há um acordo real entre nenhuma dessas facções, e apesar de que as regras e convenções sociais são, em grande parte, úteis à sociedade, há muitas leis reprimentes, exclusivistas ou puramente idiotas circulando por aí, uma imperfeição que ainda gera mais custos do que benefícios em alguns casos, e que parece não ser facilmente remediável.

Concluindo, não há uma definição universal do que é certo e o que é errado. Para os realistas, o pragmatismo é o que mais importa, mas nem tudo pode ser medido com números e estatísticas, mesmo porque, em alguns casos (como a decisão de usar bombas nucleares para acabar com a Segunda Guerra Mundial clamando previnir “futuras” mortes, i.e., mortes que ainda não ocorreram e podem não ocorrer, em troca de mortes seguras que certamente ocorreram) os dados apresentados ou presentes são simplesmente incompletos. Logo, a ideologia como um conceito que transcende fronteiras, unindo e separando pessoas em ordens distintas das que definem os limites de um país, é parte inerente do ser humano.

A questão, então, não seria “se queremos ideologias para viver”, e sim, “como viver bem apesar de nossas ideologias”.

RF

4 comments:

Jens said...

Artigo estimulante, camarada Roy. Confesso que entre Kant, John Stuart Mill e dona Simone faço um jogo triplo. Dependendo das circunstâncias, concordo com este, aquele ou aquela - material para a gente pensar durante uma vida.
No mais, permanece em aberto a questão levantada por ti “como viver bem apesar de nossas ideologias”?
Não sei a resposta. A julgar pelos conflitos que abalam nosso mundo, o restante da humanidade também não.

Um abraço.

Roy Frenkiel said...

Grande Jens, vale a pena pensar. O que nos falta atualmente eh justamente essa ganancia filosofica, tanto que os ultimos filosofos criticos da etica foram Beauvoir e, em poucos pontos, ativistas como Ghandi e Luther King. Mesmo assim, minha ideologia eh viver em um mundo onde as pessoas nao tenham preguica de pensar e nao tenham medo de debater aberta e profundamente.

Utopia, nao eh mesmo?

abraxao,

RF

Lola said...

UAUUUUUUUUUUUUUUUUUUUUUUUUUUU!!! GENTE... ATÉ QUE ENFIM!!! POSITIVISMO... CONSTRUTIVISMO... E, PRINCIPALMENTE, IDEALISMO.
NUNCA JULGUEI SUA INTELIGÊNCIA, MAS, NUNCA PENSEI QUE LERIA ASSUNTOS COMO OS DAS SUAS 3 ÚLTIMAS POSTAGENS EM UM BLOG. ESTÁ AQUI A PROVA VIVA DE QUE PODEM EXISTIR BLOGS COM CONTEÚDO!

VOCÊ ESTÁ DE PARABÉNS! SUA MANEIRA DE LEVANTAR RELEVÂNCIAS E COLOCAR TUDO SOBRE UMA ÓTICA PARA "DISCUSSÃO",É ÓTIMA!

SAUDADES, MENINO!

Dani said...

Gostei muito da reflexão, Roy. Preciso voltar aos livros e colocar meu cérebro pra funcionar...ando praticamente no auto-pilot.
Gostei também da sua visita lá no blog. Tudo bem com você?