Wednesday, November 04, 2009

Conceitos e Ideias 1 – Pós-Positivismo e Feminismo

A área do Construtivismo propagada em grande parte por Alexander Wendt visa o cenário mundial como resultado de conclusões individuais, cognitivas, subjetivas e maleáveis. A estrutura vigente é rígida e não poderia deixar de ser rígida em pernoite, é certo, mas convencionalmente deixaria de ser o que é a partir do momento que o coletivo social a reconhecesse como algo diferente.

Já a área do pós-positivismo, de onde ressurge o feminismo, clama que o observador, no caso a sociedade mantendo um conceito ou ideia convencionais, não pode realizar uma análise objetiva do externo, já que constitui o externo em princípio. Nós somos o externo também, ou melhor, é impossível reconhecer o externo sem saber quem o enxerga, seus motivos, sua psique, seus desejos, sua história etc.

De certo modo uma teoria existencialista, o pós-positivismo como paradigma oferece a noção de que nós somos o que pensamos ser. Logo, é impossível “explicar” o mundo, mas é possível buscar “entendê-lo” introspectivamente. Para a feminista-existencialista Simone de Beauvoir, “a mulher não nasce mulher, torna-se mulher” caso assim escolher. Ou seja, a consciência cria a realidade e a recicla externamente.

Para Francis Fukuyama, autor d’O Fim da História, teoria que, segundo fontes próximas o próprio já parece descartar em parte - clamando pelo fim das guerras mundiais à medida que a União Soviética deixou de representar a bipolaridade mundial oficialmente - a mulher faria um papel muito melhor caso governasse o mundo ainda patriarcal. Em seu artigo Porque as Mulheres Não Podem Dominar o Mundo, Fukuyama constroi o argumento de que as mulheres são biologicamente mais pacíficas e naturalmente harmoniosas. Usou estatísticas variadas para a base de sua tese, como a porcentagem massiva de mulheres opostas a guerras e decisões governamentais violentas, com maiores números afiliados a partidos pacifistas, incluindo o partido democrata, e com menor tendência a crimes violentos ou brigas de rua.

No entanto, justamente por serem mulheres natural e biologicamente, não poderiam enfrentar os problemas atuais com sua graça e pacifismo femininos, e sim como o faria Margaret Thatcher, que nada de graciosa ou meiga tinha em seu semblante.

Contudo, Fukuyama, construtor de teorias geralmente liberais, não representa vertentes feministas. Em realidade, o teoricista contradiz o segmento feminista que se baseia na construção ideológica e cognitiva da mulher quando fala que a mulher é biologicamente algo ou outro. Para a base que mais opõe seu argumento, a mulher, ou o homem, ou o negro ou o judeu ou o muçulmano não são biologicamente nada fixo a partir do momento que o ser humano é um animal de construções cognitivas. A mulher escolhe o que quer ser, quando quer ser e como quer se comportar.

Para tantos românticos a mulher é biologicamente mais carinhosa, cuidadosa e protetora. Possui seios, dizem, logo nasceu para amamentar. Entretando o que ignoram é que o atribuído pode acabar saindo pela culatra.

O caso, por exemplo, da estudante linchada moralmente pelo uso da minissaia na UNIBAN ilustra como a construção de conceitos específicos gera ideias específicas em relação à essência do objeto da atribuição, no caso um ser humano, uma mulher, uma estudante. Usar minissaia, afinal, não condiz ao lugar da mulher na sociedade, que, para deixar de ser “puta” precisa se vestir de certo modo, e não de errado modo, e conduzir-se de certo modo, e não seu oposto maligno. E, não distante disso, Fukuyama declara que a mulher precisa assumir atributos biologicamente masculinos (agressividade, impulsos violentos, força física e bruta etc) para governar o mundo atual. Para ele, a inclusão da mulher no cenário internacional já se dá, paulatinamente, no denominado “mundo livre”, mas enquanto houver pessoas como Mobutu ou Hussein, o mundo seguirá precisando de homens (ou mulheres masculinas) no trono do poder.

No cenário de relações internacionais, basicamente, o feminismo procura oferecer maior balanço e poder na consideração da mulher em todos os aspectos relacionais na sociedade, tanto em suas funções domésticas quanto internacionais. Além disso, entre refugiados, mulheres e crianças constitúem a maior parte, gerando nichos de prostituição/prostituição infantil e ploriferação de doenças venéreas. Enquanto homens são usados para trabalhos forçados ou servem o exército local, assassinados caso encontrados pela oposição em conflitos violentos, mulheres são estupradas como arma psicológica, inclusive proferida por mulheres na África dos anos ’90.

Ainda mais importante do que isso, todos os paradigmas antes do feminismo foram tecidos por homens, baseados na perspectiva masculina e frequentemente patriarcal, desconsiderando, em grande parte, o mero papel da mulher em todas as suas relações sociais. Que isso afete a mulher dentro de seu país, seu estado e sua cidade, já sabemos. Mas além disso, a mulher, além de sê-la, ainda carrega etnia, status social e tipo físico, apesar de fazer parte normal e funcional de qualquer etnia, status social e tipo físico. Talvez seja mesmo impossível, e até absurdo, não “desconstruir” todos os demais paradigmas a fins de reconstrui-los sem a parcialidade masculina.

[No próximo texto continuaremos a debater conceitos enquanto trarei exemplos sobre segmentos variados da sociedade, como veganos e ambientalistas, portanto postem suas questões e opiniões aqui. Discorda de Fukuyama? Discorda de mim? Reclame nos comentários e aqueça o debate].

RF

7 comments:

Jens said...

Oi Roy.
Acho que, independente de sexo, para exercer o poder é necessário, entre outras coisas, determinação, pragmatismo, habilidade política e capacidade de ser inflexível em determinadas situações. Como preconizou o Che, endurecer sem perder a ternura. Há mulheres que possuem estas características, assim como há homens que não as possuem. Os exemplos próximos que me ocorrem são a Dilma e o Suplicy, respectivamente. Há mulheres que podem ser tão duronas como Rick e homens que podem ser tão doces Ilse (estou falando do par romântico de Casablanca, naturalmente).
Quanto ao Fukuyama, seus profecias sobre o fim da história não se concretizaram. Os discípulos de Alá estão aí para provar.

Um abraço.

Jens said...

corrigindo: tão doces como Ilse.

Roy Frenkiel said...

Perfeito, Jens! Sim, pelo que entendo (Fukuyama fazia discursos regularmente aos alunos de minha faculdade, mas mudou-se a outro estado recentemente), o proprio ja nao mais concorda "consigo" dos velhos tempos.

Entao, basicamente, todos esses atributos nao tem nada a ver com sexo, pelo que entendo de sua opiniao. Concordo plenamente. O "endurecer sin perder la ternura" era bem propagado ja dos idos de 1934 pelo "bom" Roosevelt, com seus bons tratos a America Latina, mas sem deixar de carregar o cacetete com a mao escondida, certo? O que sera de nos, amigo Jens?

abrax

RF

Unknown said...

Roy,
Concordo em parte com Fukuyama quando ele refere as caracteristicas basicas e talvez mas aparentes nas mulheres.
Simone de Beauvoir, a meu ver, segue uma linha mais radical quanto ao feminismo. Nasci mulher e me formei, me tornei uma pessoa em busca de mim mesma, enquanto mulher, mas trazendo comigo todas as minhas experiencias enquanto ser humano e com todas as peculiaridades femininas e nem identifico a linha divisoria entre ser e vir a ser enquanto genero.
Jens disse que para exercer o poder eh necessario que haja atributos que nao estao interligados com o feminino e masculino e sim com o sistema patriarcal que eh vigente e que contraria o feminismo /feministas justamente quando se pensa que se tem um avanco lento e democratico, ha um retrocesso quase barbaro que parece apontar justamente o que se busca negar.
No caso da estudante da UNIBAN percebe-se claramente esse retrocesso e a maquiagem se desmancha. Os discursos e o falso liberalismo soh vem mascarar o medo de enfrentar o diferente, mesmo quando ha o incentivo para isto. Acredito que os retrocessos sao validos quando ha uma total perda do controle. Mas perda de controle moral, quando patologico necessita ser tratado. Mas como tratar a coletividade?

Roy Frenkiel said...

Ola, Andrea! Primeiramente, grato pela leitura, eh sempre bom ver alguem novo e comentando desafios.

1 - Entao voce acredita que ha caracteristicas comportamentais exclusivamente feminina? Quais seriam?

2 - O existencialismo parte do principio que jamais se eh algo sem a construcao psicologica, tanto interna quanto externa, baseada no ambiente em que a pessoa esta inserida. A mulher, portanto, eh apenas "mulher" quando decide se-la, e no caso a referencia a "mulher" tambem eh subjetiva, visto que a sociedade e os individuos decidem o significado concreto de palavras abstratas. Nesse sentido concordo que ela seja radical, mas Fukuyama tambem eh quando afirma que a mulher eh algo fixo, a principio, nao acha?

3 - Acho que o que Jens (e algumas feministas) disse eh que esses atributos nao sao ligados ao sexo, e sim ao individuo. Segundo Alexander Wendt por exemplo, nao eh necessario que sejam atributos especificos para problemas especificos, respectivamente, mas sim uma definicao clara e subjetiva, igualmente, sobre quais atributos sao os certos e quais sao os errados em uma determinada sociedade para tal ou outro papel. Entao nao sei se entendi bem o comentario, mas pelo que entendi, quem diz que atributos masculinos sao necessarios eh Fukuyama, enquanto que me parece que Jens defende o oposto.

4 - Excelente observacao, ou ao menos eu acho e concordo em relacao a estudante da UNITALIBAN. Quanto a pergunta, eh valida e merece aprofundamento.

bjx

RF

Luma Rosa said...

Se analisarmos pela essência natural de cada ser humano, diria que não há diferenças, mas pelo meio em que o ser humano vive e suas influências, mudará conforme o conceito estabelecido. Somos a soma de nossas vivências + a interação com o meio, por isso tanta diferenças entre, não diria homens e mulheres, mas de sociedade para sociedade. Beijus,

Roy Frenkiel said...

Luma, esse eh, de fato, o ponto que mais me atrai, portanto discordo de Fukuyama.

bjx

RF