Thursday, October 01, 2009

Existirmos, ao que se destina?

Aparentemente, a praia do blog sem nexo ficou um pouco deserta desde que abandonei a casa por alguns meses, e talvez, desde que comecei a escrever sobre relações internacionais. Para aqueles que leram e não entendem porque assumi o novo tema, a resposta é simples: Passei a estudar a bicha da relação academicamente, e me interessa muito.

Ontem, em conversa com Sansão Adíos, em São Paulo, passei a suspeitar que o texto sobre Brasil e Honduras, se lido, não seria bem recebido pelos brasileiros. A resposta de Sansão, o doutor glutão, foi curta e grossa: “Aqui no Brasil todos tem a opinião contrária à tua, doido, procura tua turma que essa aqui não quer simpatia.”

Sabatinando, mas desandando, li o editorial d’O Estado de São Paulo e tomei um grande susto. O título: A Única Saída para o Brasil.

Por que o susto, pergunta-me o interessado de minha imaginação?

Há um mês estudo a situação atual de Honduras em duas aulas. Orgulhosamente, um de meus professores, o mestre Shlomi Dinar, foi pupilo de Charles F. Doran e aluno de Kenneth Waltz. É o equivalente a ter aulas sobre campanha política com algum aluno de Barack Obama ou estudar filosofia com o discípulo de Jean Paul Sartre. Sei que ele sabe, efetivamente, quase tanto quanto eu no que diz respeito à previsibilidade da dinâmica internacional, mas sabe muito sobre o que já foi, e tem uma excelente e profunda bagagem para discutir relações internacionais e ensinar a lógica de um debate sobre o assunto. Em outra aula, concentro-me especificamente em relações internacionais na América Latina.

Duas semanas atrás escrevi, em resposta a um debate virtual, que o Brasil era a extensão dos Estados Unidos na América Latina. Nesta semana, a revista Times, em coluna de Tim Padgett e Andrew Downie, diz basicamente o mesmo:

“In recent years the South American powerhouse has been recognized as the first real counterweight to the U.S. in the western hemisphere — and that means, at least in the minds of other countries in the Americas, taking a larger and more proactive part in helping solve New World political dysfunction like Honduras'.” (Times – 30 de Setembro de 2009).

“Em anos recentes, o poderoso país Sul-Americano tem sido reconhecido como o primeiro contra-peso real aos Estados Unidos no hemisfério ocidental – e isso significa, pelo menos nas mentes de outros países nas Américas, que devam assumir uma postura mais proativa na ajuda da resolução de disfunções na ordem do Novo Mundo, como é o caso em Honduras.”

Li praticamente tudo o que pude em relação ao conflito. Declarações de políticos locais, como a Consul Geral de Honduras no RJ, Gioconda Perla (leia na íntegra no blog de Marcelo Carvalho, Resumo da Chuva), são simplesmente a regra... Sem exceções. Nenhum lider mundial reconhece o governo de Roberto Micheletti. Nenhum membro da Organização de Estados Americanos ou da Organização das Nações Unidas considera o governo legítimo, e portanto, conforme mencionado em matéria d'A Folha de São Paulo do dia 30 de Setembro, não se pode chamá-lo de de facto. De fato, ninguém, até o editorial do Estadão, considera o governo de Micheletti como governo interino. Todos oficialmente repudiam e o consideram um governo rebelde, ditatorial e violento.

É isso mesmo... Entre ministros e embaixadores, presidentes e embaixadores, jornalistas políticos e analistas de relações internacionais, o primeiro (e, até agora, único) a reconhecer a legitimidade de Micheletti foi o editorial do Estadão. Ironicamente, sei que é o jornal mais “digno” do Brasil, e sei que é um dos mais vendidos para formadores de opinião.

Para mim, ler esse editorial seria como ler um jornal criticando os Estados Unidos e a União Soviética por não reconhecerem a legitimidade de Adolf Hitler e seu governo Nazista. A crítica contra o Brasil é ferrenha. Para o autor do editorial, ou autores, o Brasil, para variar, não consegue fazer nada descente e só se mete em fria. Além disso, como Manuel Zelaya pretendia, supostamente, permanecer no poder como esquerdista além de seu mandato, é claro que a oposição ideológica chegaria na conclusão de que o inimigo do comunista é amigo nosso.

O editorial afirma que Lula e Celso Amorim estão perdidos. Ainda, afirma que o controle da situação é de Zelaya, que voltou ao país clandestinamente depois de uma deposição... Militar? Ou seja, o Estadão, além de ser o único a reconhecer a legitimidade do governo de Micheletti, é o único a idealizar o coup como deposição legítima... E, para agravar a situação, afirma que a volta de Zelaya ao seu país foi “clandestina”, ou seja, ilegítima.

Não termina por aqui. O único trecho de uma fonte direta é de um acessor do governo de Micheletti. Seriamente, não há, sequer, a indicação da contrariedade. Há a realidade, da boca de um serviçal do ditador.

Enquanto a fúria internacional apenas cresce e as liberdades hondurenhas apenas diminuem, o Estadão está do lado do agressor.

Mas quem dera fosse isso o pior. Afinal, o próprio O Globo já havia publicado a opinião do liberal Noam Chomsky a favor da posição brasileira (se bem que, pela escolha do “opinador”, não sei se isso não se resumiria a mais uma crítica fardada de reportagem). O problema é que o próprio brasileiro, com alguma naturalidade, não consegue enxergar o Brasil no cenário global. É como se o Brasil fosse só para dentro, jamais para fora, e quem de fora está nada sabe sobre o movimento do Brasil.

O problema é que países nada mais são do que a soma de personalidades de seus habitantes. Como o conceito de “nação” é construído, quem o constrói, e as propriedades que toma, são humanos/as. Logo, afirmar que ninguém conhece o Brasil além do brasileiro é similar a afirmar que ninguém nos conhece mais do que nós, uma falácia psicológica, já que, geralmente, alguém que nos analisa minuciosamente provavelmente enxerga movimentos que nós, de dentro para fora, não enxergamos.

Isso basicamente significa que o Brasil existe para fora, mas que no Brasil, por sequer considerarem isso uma hipótese séria (e eu entendo que não considerem, pois realmente a postura internacional do país ganhou potência com FHC e, hoje em dia, com Lula, uma história de menos de 15 anos em construção), não enxerga isso.

Logo, perguntou Sansão, o doutor garanhão, qual é a importância de Honduras para que o Brasil ganhe com essa intromissão?

Resposta no próximo texto, mas essa eu gostaria muito que vocês, leitoras e leitores, respondessem por mim.

RF

3 comments:

Jens said...

Roy:
A grande imprensa brasileira é de direita e tradicionalmente golpista. Apoiou o golpe de 64, apoiou o golpe contra Chavez, apoiou o golpe de FHC quando comprou a reeleição, apoiou o golpe contra Allende...
Portanto, a posição em relação ao golpe em Honduras não surpreende. Neste caso, há ainda um elemento adicional que estimula o ódio dos golpistas: é o protagonismo assumido pelo governo Lula em defesa da democracia em contraposição a posição servil do governo de FHC. Os cães não se conformam, por isto estão latindo furiosamente. Mas a caravana passa.

Um abraço.

Roy Frenkiel said...

Grande! Diria que de direita, sim; golpistas segue de uma ideologia que TEM que ser a certa. Porque, se voce for ver bem, nao apoiaram o golpe DE Chavez, ne?

Grato pela presenca, Jens,eh essencial pra mim :-)

Abraxao,

RF

euza said...

Ah, não saberiacomentar como o Jens, nem discorrer sobre o tema como vc. Sou uma intrometida que briga sim pelo vizinho injustiçado ou pela vizinha maltratada. Independente de ser eu uma grande entendida em direitos humanos. E que se dane aqueles que pensam o contrário!
Tendeu, né? rs...
(putz, defender um golpe de estado é foda, hein?)
Bom mesmo é te ler e o debate que vc provoca. Um jeito de crescer onde sou sempre pequena.
Beijo, viu?
PS. do que mesmo vc quer copia?