A crise hondurenha mostra cada vez mais dentes em fúria. Desde a deposição do presidente Manuel Zelaya, Honduras volta a enfrentar um novo capítulo sangrento em sua história, e mais um capítulo sangrento da história Latino-Americana escreve-se nas paredes da embaixada brasileira.
Para os depositores, a ameaça de tornarem-se foragidos. Para a população, a desesperança de tornar-se súdita de um governo foragido. Caso sejam (e provavelmente deveriam ser) condenados por transgredir direitos humanos em seu país, agirão exatamente de acordo com o que diziam temer ao depor Zelaya. A justificativa do semi coup d’etat foi clara: Medo de que Zelaya consiga emendar a constituição hondurenha a favor de sua reeleição e permanência no poder.
Não que os medos dos opositores não seja real. Hugo Chavez, controversamente, logrou permanecer no poder através de emendas similares. Zelaya nega, obviamente, que tivesse essa intenção, mas a suspeita de seus opositores pode ser, em si, explicada. O que não é inexplicável, mas tampouco lógico, foi a deposição abrupta e apressada do presidente, que conseguiu retornar ao país depois de encontrar refúgio na Costa Rica.
Independente de qualquer formação política, a história Latino-Americana de ditaduras militares (tanto de direita quanto de esquerda) e de democracia ou escassa ou conturbada na região não é melhorada nem reformada pela crise atual. Com a emergência de países de orientação anti-capitalista/socialista como a Venezuela e a Bolívia, o território comprimido pode muito bem se tornar um barril de pólvora de pavio curto. Some-se a isso a revolta de opositores do governo de Zelaya e uma deposição militar, e temos uma receita quase infalível a uma bomba atômico-orgânica.
Portanto, a posição que Brasil assumiu nesse conflito serve de exemplo à condução hegemônica de suas relações intra-continentais. Muitos criticam o presidente dos Estados Unidos, Barack Obama, por abster-se de uma posição mais rigorosa. Poderiamos, quiçá, justificar essa ausência na liderança de algumas maneiras. Uma delas, talvez a mais nebulosa, seria a relutância do presidente em assumir qualquer espécie de partido com um governo potencialmente esquerdista, como o de Zelaya. Outra, porque no momento a crise econômica mundial e a inter-dependência acirrada no mercado global; duas guerras nas quais os EUA estão presentes e afundados no Oriente Médio; problemas domésticos, incluindo a reforma no sistema de saúde do país; são todos fatores que impedem um envolvimento maior com países menos importantes no cenário global como Honduras.
Mas, finalmente, como diria Charles F. Doran, o sistema unipolar-multi-polar permite que o Brasil funcione como extensão dos Estados Unidos na América Latina. Segundo especialistas em relações internacionais, esta é a função da terra tupiniquim, estando ela pronta ou não para assumi-la. E esteve. Pronta, digo. Assumiu majestosamente sua função hegemônica a partir do momento que permitiu e concordou em abrigar Manuel Zelaya em sua embaixada em Honduras. Podemos argumentar que o Brasil nunca pensou arriscar-se com a empreitada. Afinal, o repúdio internacional já parecia obviamente delineado contra o agressor à democracia, no caso a oposição de Zelaya. Nesse mesmo tom, porém, argumento que justamente por não querer contrariar o movimento internacional, o Ministério de Relações Exteriores da administração de Luiz Inácio Lula da Silva encaixa-se, cada vez, no jogo dos maiores.
O papel da pressão brasileira ao Conselho de Segurança da ONU, agora presidido pelos Estados Unidos, foi e está sendo ainda fundamental no desenvolvimento das negociações. Roberto Micheletti e sua administração temporária podem realmente ser considerados transgressores, e fica claro que isso não seria positivo para a população hondurenha, ao mesmo tempo que a postura totalitária de sua administração precisa ser enfrentada e resolvida. Em poucas palavras, a possibilidade de uma guerra existe, mas a maior possibilidade, infelizmente, é que Honduras caia em um período incerto de ditadura militar. Brasil, nesse sentido, conseguiu atrasar o processo, ajudar a expor a gravidade do problema (tendo sua embaixada cercada e a eletricidade temporariamente cortada ajudaram muito), e contribuir para que as negociações possam ocorrer com o tempo e espaço necessários. A popularidade de Lula não prejudicou nem um pouco.
Já membros da Organização dos Estados Americanos (OEA) podem tomar a situação de modo um pouco mais pessoal. Com a presença rotativa de México e Costa-Rica, únicos países no Conselho com os quais Honduras mantém relações diplomáticas, o Conselho ainda pode ter menores interesses em “atacar” Honduras com sanções e restrições a Micheletti e seu governo. Já a OEA, com maiores conflitos de interesse dentro da instituição, pode demandar essas sanções, e no intuito de resolver a crise, piorá-la.
Apesar da escuridão agora enfrentada e da incerteza de um potencial sucesso brasileiro nas negociações, o Brasil e o governo Lula marcam muitos pontos no ciclo de super-potências e dão mais um passo adiante na conquista dos direitos de jogar com os maiores. A importância e relevância de instituições será discutida no próximo texto, mas por hora, fica aqui minha opinião registrada: O Brasil está de parabéns.
RF
Friday, September 25, 2009
Ponto para o Brasil
Essas Palavras Vos Trazem
Barack Obama,
Brasil,
Charles F. Doran Estados Unidos,
Conselho de Seguranca,
Costa-Rica,
Luiz Inacio Lula da Silva,
Manuel Zelaya,
Mexico,
OEA,
ONU,
Roberto Micheletti,
Roy Frenkiel
Subscribe to:
Post Comments (Atom)
2 comments:
Oi Roy.
Também me junto às congratulações ao governo brasileiro na crise hondurenha. Todo e qualquer golpe de estado deve ser severamente repudiado, principalmente na América Latina, onde a direita está sempre disposta a usar a força militar para mudar as regras do jogo. Tanto é assim que aqui na terra dos tupinambás, a grande imprensa e seus áulicos estão fervorosamente do lado de Micheletti, como haviam sido a favor dos gorilas que tentaram derrubar Chaves. Ampliar o mandato, só para a turma deles - como fez, sob aplausos, o meliante Alvaro Uribe, na Colômbia, e, da mesma forma, FHC, quando comprou (in cash) a reeleição. São democratas de ocasião e golpistas desde sempre.
Um abraço.
Jens, to contigo e nao abro, mas tradicionalmente na America Latina, tanto da esquerda quanto da direita, os golpes sao quase a regra e a tradicao.
Por isso eu digo, deixemos a ideologia pendurada por hora.
Abraxao,
RF
Post a Comment