Monday, October 13, 2008

Aquele ali, e a Zebra

Se alguém assistiu o último debate presidencial nos Estados Unidos deve ter percebido que John McCain, ao responder uma das perguntas de Tom Brokaw, referiu-se a Barack Obama como “aquele ali”. “Aquele ali” pode até parecer um termo leviano, mas até mesmo eu, branquelo, percebi não racismo nas palavras de McCain, mas nos ouvidos de muita gente.

Puff Diddy (nota: Acho sempre engraçado quando assisto jogos entre a Canarinho e outros times, porque enquanto na Canarinho temos o Kaká, o Dudu, o técnico Dunga etc., em outros time há o John, o Scott, o Juan Román etc. Os apelidos são realmente de matar, mas esse apelido, “Puff Diddy”, é para mim o mais ridículo de todos) produziu um vídeo para seu blogue que criou um pequeno movimento entre os democratas com o lema “eu voto naquele ali”. O rapper caçoou de McCain dizendo “velhinho, nós estamos em 2008, não em 1958!” “Aquele ali” é uma clássica referência racista.

Ao fim da semana passada, em uma assembléia republicana, uma senhora levantou-se e disse a McCain: “Nós temos de enfatizar que Obama é árabe. Não podemos votar em um árabe.” O candidato respondeu: “Obama não é árabe, e tem todas as qualificações humanas para ser um bom presidente.” Seu rival democrata agradeceu horas depois.

Esse foi o fim das campanhas negativas de McCain. À semana passada, Obama chegou a ficar 11 pontos percentuais adiante de McCain. No início da semana estava a sete pontos em vantagem, e hoje, oito dias depois, a pesquisa voltou aos sete pontos. O senador pelo Illinois desistiu da estratégia “Karl Rove”, talvez especificamente depois de ter de defender seu rival para que seus ataques não se tornassem escalada xenofóbica, ou talvez apenas pelo resultado escandaloso das pesquisas, que não o favorecem nem depois dos debates, nem depois do debate de Sarah Palin e Joe Biden, e nem mesmo com os ataques negativos, que já surtiram mais efeito.

O fato é que agora McCain passou a ser a “zebra” da disputa, e sua afirmação como candidato passa a ser similar à de Obama, quando teve de contar aos eleitores de onde vinha, e que era honroso e talentoso o suficiente para merecer seus votos.

Faltam três semanas. O debate desta Quarta-Feira será o último. Se o candidato republicano pensa que a mídia “já o descartou” como reclama, está enganado. Os sete pontos são justos e curtos para que o efeito racista seja realmente eliminado na data das eleições. As campanhas negativas devem diminuir, em vez de aumentar.

Contudo, “aquele outro” é, para todos os efeitos, o “um” da vez. O “outro”, “aquele ali”, desde praticamente o início das preliminares, e logo das campanhas às eleições gerais, é John McCain.

Volto ao comentário da Santa quando da nomeação oficial de Barack Obama à candidatura oficial pelo partido Democrata. Santa disse que a mídia, e logo eu, classificávamos a nomeação como histórica “mesmo antes de ter acontecido”. Senti a mordida, e logo vi o texto antagônico em seu blogue, como se Obama e Lula fossem quase a mesma gente.

Pois, o “histórico” referia-se à nomeação, mas acho que a mordida referia-se à candidatura presidencial. Meu histórico baseou-se na realidade, e a mordida baseou-se em uma rígida opinião (falsa). Essa rigidez precisa amolecer urgentemente.

Faltando apenas três semanas para as eleições gerais, depois de um ano de comentários, mas mais importante, de aprendizado, de leituras, de engajamento, de questões respondidas, outras ainda não compreendidas, e muitas, muitas, mas muitas mesmo, discussões políticas, algumas civilizadas, outras violentas; depois de um ano de política estadunidense, posso afirmar de boca cheia que Obama não precisa vencer, nem precisaria, para que sua candidatura fosse considerada histórica.

Mesmo que Obama não mereça a presidência (para mim, merece mais do que McCain), mesmo que não seja uma figura exemplar de honestidade e santidade, mesmo que tenha menos virtudes do que sua eloquência, a história está feita, escrita e assinada. Melhor, não é mérito de Obama, mas do povo americano.

Sei que em minha platéia haverá cinicos pensando o demônio daqui. Estupidez, perdão. Repito: estupidez, e assunto encerrado. O que não é estúpido é que há trinta, quarenta, cinquenta anos atrás as pessoas ainda tinham o direito de dizer que odiavam negros sem a menor repercussão social. Podiam dizer que “negro bom é negro morto” e ainda vingar dentro do politicamente correto. Pretos escolados eram contados com dedos de uma mão. Apesar de muitos auto-ditadas, eram ainda tidos marginais. As escolas ainda praticavam a política de Jim Crow, segregadoras, e no sul do país era tão comum quanto caçar, linchar um negro andarilho solitário.

Hoje, aquele que foi soldado, herói nacional pelos seus valores mais arcaicos, aquele que não só é branco, mas “de boa família”, propietário de 13 casas, 11 carros, e uma esposa herdeira de milhões de dólares limpos, senador há duas décadas e quase meia, ex-prisioneiro de guerra, é realmente a “zebra” dessa corrida. Se McCain vencer será mais surpreendente do que a vitória de George W. Bush sobre um outro caucasiano WASP, Al Gore, e do que a vitória de Bush Junior sobre outro herói militar, John Kerry.

Hoje, o negro, filho de imigrante e mãe solteira, cuja avó branca ainda admitiu ter medo de negros, é o principal candidato desta disputa. Terão de falsificar muito, impedir muitos votos e mentir muito nas pesquisas para que McCain as apague, ou algo como o que ocorreu com Hillary Clinton em New Hampshire deverá suceder novamente (as pesquisas, na média, erraram, historicamente, em raríssimas ocasiões).

McCain ainda pode muito bem vencer. Faz pleno sentido, e espero que os democratas o entendam com a profundidade necessária. Mesmo assim, estas eleições foram, desde o início, fadadas a pertencer “àquele ali”.

O país tem seus defeitos, e sua população tem dos seus, mas isso é inédito na civilização ocidental, aquela que Mahatma Ghandi ainda disse ser “uma boa idéia”.

RF

2 comments:

Jens said...

Hi, Roy.
Agora é tomar cuidado com os cavaleiros da Klan. Não acredito que os wasps irão se conformar tão facilmente.
Um abraço.

Anonymous said...

Lendo o post anterior, este e concordando com vc, Obama tem que vencer, apesar e por conta do racismo!
Beijo, fofinho!