Tuesday, September 02, 2008

Tempestade Republicana

“Considerado histórico pela mídia,... Mesmo antes de acontecer... Pode?” (Comentário extraído do texto anterior, de Santa).

Em primeiro lugar, também sinto saudades. Visito seu blog frequentemente, mas comento menos. Mesmo assim, estou sempre por lá, pode acreditar.

Se bem entendo, você comenta que a mídia considera histórica a eleição de Barack Obama antes de que ele tenha sido eleito. No caso do post anterior, contudo, o elemento histórico foi a nomeação de Obama, um afro-descendente, pela primeira vez na história do ocidente, representando um dos dois principais partidos da nação.

A mídia exagera muito, especialmente nas matitas pereiras que mais atráem eleitores, conforme veremos a seguir.


Sarah Palin

Por que John McCain, prestes a tornar-se o nomeado à candidatura presidencial republicana mais velho da história, escolheu a candidata mais nova e menos experiente a assumir sua vice-presidência?

Em dias de leituras e programas midiáticos focados em Sarah Palin e nos furacões Gustav e Hannah, creio que cheguei à pessoal conclusão de seu objetivo nessa campanha. Nem tanto dos furacões, mas sim da jovem governadora do Alaska.

É mãe de cinco filhos, inclusive a última e mais recente geração, uma menina cuja síndrome genética era conhecida por Palin antes de dar à luz. Governa o Alaska há 18 meses, e antes disso foi prefeita de uma cidade do mesmo estado, de sete mil habitantes. Posiciona-se como conservadora social e esperta em reforma energética, ao menos seguindo conceitos republicanos.

O irônico é que a mídia, quando fala em Palin, fala em uma “maverick”, o que traduzir-se-ia como uma “ás”, uma política capaz de reformar. Com essa bandeira reformista, potencialmente carrega os votos evengélicos, entre os mais conservadores.

Afinal, vende-se como anti-aborto, membra da Associação Nacional de Rifles, caçadora nata e motorista de uma caminhonete enfeitada de adesivos com tiradas interiorinas clássicas, como: “Vegetariano: Antiga palavra indígena para ‘péssimo caçador’”.

A relativa novata apóia a reforma, mas insiste que esta se trata meramente em devolver aos Estados Unidos suas raízes sócio-conservadoras. Afinal, quando diz que “mudou as regras” de seu estado, quer dizer que o tornou mais conservador, mais restrito, menos individualmente livre.

O mesmo jogo eufemista ocorre quando citam seu feminismo. De acordo com jornalistas que dedicaram os últimos quatro dias para descobrir quem é Sarah Palin, a mesma não se auto-denomina feminista. Ou seja, o adjetivo foi totalmente pintado pela mídia. Sobre isto, eis o interessante aprendizado:

Há alguns meses assistia o programa de Bill Maher na HBO e sua conversa com Matt Taibbi, repórter descolado da revista Rolling Stones, a falar sobre as primárias. Em suas conversas com Taibbi, Maher sempre atribui uma missão ao jovem jornalista, e nesse caso foi a cobertura do discurso de um dos postulantes democratas ao fim de uma preliminar. No saguão do centro escolhido para o discurso do candidato democrata (no caso, creio que se tratava de Hillary Clinton) enquanto ocorria a contagem oficial dos votos, Taibbi filmava direto do conhecido “spin room”.

O “spin room” ocorre nas ante-salas das convenções, enquanto políticos e seus assessores sáem de suas conferências privadas em direção à multidão midiática. Frases são então minuciosamente selecionadas em disparos sonoros ecoando pelas quatro paredes das ante-salas. Jornalistas, naturalmente pescando frases, as adotam e usam em suas reportagens.

O processo não é dos mais fáceis, e Taibbi tem a tendência juvenil de simplificar o que descreve ao ponto do ridículo, mas muitas vezes, com certa eficiência, assessores conseguem “vender” suas posições sobre determinado evento sem grandes dificuldades. Ao fisgar a frase emitida pelo assessor a esmo, determinado profissional acaba levando o contexto de seu artigo ao conteúdo professado pelo sócio do clube-do-bolinha. É mais uma fascinante função da imprensa em suas diversidades.

Pois, igualmente, Palin foi classificada como feminista porque “é uma mulher que gosta de armas, é uma lider política de confiança, luta por seus valores tão ferozmente quanto qualquer homem”. Não há, no entanto, nenhuma evidência de que sua filosofia e seu moralismo sejam, de fato, feministas, exceto pelo fato de que feministas exigiram e ainda exigem o tratamento igual entre os sexos, e Palin conquistou sua igualdade como governadora, e agora como vice-presidente do candidato republicano.

John McCain a escolheu sobre Joe Lieberman, amigo experiente e conhecedor das estratégias democratas, sobre os postulantes Mitt Romney e Mike Huckabee, e sobre outras considerações, inclusive duas mulheres, mais experientes e renomadas. Se tanto republicanos quanto democratas viram-se satisfeitos pela escolha de Joe Biden à vice-presidência de Barack Obama, no caso de Sarah Palin a decisão é dividida. Essa divisão pode ser justamente o motivo de sua escolha.

Enquanto Biden foi a escolha segura em uma candidatura inexperiente, Palin foi a escolha arriscada em uma candidatura de lema tradicionalista. Republicanos, em grande parte, gabam-se da governadora porque o campo de McCain providenciou aos Estados Unidos a chance de mudar sua história independente de quem for eleito em Novembro. Além disso, por ser uma jovem conservadora e mãe de cinco filhos, incluindo uma infante que requer atenções especiais, representa o futuro do partido.

Já democratas criticaram McCain e seu juízo por trazer à Casa Branca alguém ainda menos experiente do que Obama. Inclusive, o argumento de que Obama seja inexperiente demais à Casa Branca mudou. Agora, ambos trazem inexperiência e “frescôr” ao bilhete, mas republicanos argumentam que em seu bilhete as funções se apresentam na ordem certa. Mesmo assim, considerando a idade de McCain, ao nomear alguém que apenas administrou uma cidade pequena e um estado com mais montanhas do que pessoas, faz de Palin um alvo certo.

No dia 2 de Outubro, Joe Biden e Sarah Palin engajarão-se no primeiro debate vice-presidencial dessas eleições. Biden traz consigo o respeito governamental em política externa, e Palin a intenção reformista, agora voltada à reforma energética. Ao contrário de McCain, a governadora apóia escavações nas reservas ecológicas do Alaska, e argumenta que seria esta a principal solução para o crescente preço do petróleo.

Para debater com Biden, Palin terá de se cuidar para não cometer nenhuma gafe. Recentemente, demonstrou que esta não será tarefa das mais fáceis. Explicando seu posicionamento a respeito de escavações nas reservas de seu estado, Palin disse:

“Essa guerra no Oriente-Médio, por petróleo, tornar-se-ia inútil se tivessemos melhores reservas.”

Por outro lado, justamente por não ser de Washington, e por ser mulher, o campo de McCain apostou na polêmica escolha para contra-balancear o efeito “celebridade” de Barack Obama. Que não haja o menor engano: Essas eleições estão quase no bolso do candidato democrata. O humor nacional não está para conservadorismo, muito menos social, com regras que restringem a liberdade incondicional do ser humano em uma nação que se julga livre.

Quiçá seja essa a maior mudança histórica testemunhada pelas gerações atuais. Há vinte anos, eleger um democrata era uma façanha astronômica, que culminou na liderança majoritária dos republicanos, de Reagan a George H. W. Bush a George W. Bush. Apenas Jimmy Carter, de péssima aprovação pública, e Bill Clinton, de razoável aprovação pública, conseguiram romper o sistema conservador.

Mas isso vem mudando nos Estados Unidos, cada vez mais liberal ou independente. Libertários, que intensificaram a base nos últimos dez anos, mantém a crença no mercado-livre e globalização, mas repudiam qualquer espécie de restrições individuais. A mídia é pesadamente liberal, e para cada blog conservador há de dois a cinco outros blogs democratas. Mesmo no governo de Bush, o casamento entre homossexuais e o direito à escolha feminina foram trazidos de volta à pauta diária com algumas conquistas liberais, e posições como a de John McCain, pró reforma imigratória, seriam raras sob a jurisdição conservadora não fosse o crescimento de grupos liberais.

Portanto, essas podem ser as primeiras eleições a ditar o novo rumo dos Estados Unidos. Para McCain, tentar atrair o voto feminino independente ao incluir uma jovem e sorridente governadora ao seu bilhete, é também a única forma que encontrou para sugerir que sua administração também simpatiza com o humor liberal da nação.

Porém, mesmo funcionando, não é uma tentativa honesta, ao meu ver. Se algo ocorrer à saúde de McCain, a sósia da atriz Tina Fey será a nova presidente dos Estados Unidos, mais inexperiente do que Barack Obama, e mais conservadora do que George W. Bush. Aliás, mais inexperiente, também, do que o atual presidente.

Apenas para não me prolongar mais do que já feito, novamente, argumento que ser mulher e reinventar a história presidencial meramente por isso, não é o suficiente para garantir o bom governo. O mesmo digo de Obama: Ser negro, assim reiventando a história presidencial dos Estados Unidos, não lhe garante o mérito do bom governo. Portanto, julgando suas ideologias, confesso que Palin me assusta mais do que Bush. Já Obama traz muitas dúvidas em sua candidatura pelas constantes mudanças de opinião sobre determinados assuntos.

Como disse um dos delegados democratas em Denver, Obama até precisa firmar sua posição liberal, mas também precisa, e principalmente, ser eleito. Sobre Palin, outro delegado democrata confirmou que a governadora tinha muita experiência em política externa, já que governa o Alaska, estado tão próximo à Rússia.

Por causa do furacão Gustav, a convenção republicana diluiu os eventos programados para a Segunda-Feira. Discursaram apenas Laura Bush ao lado de Cindy McCain, enquanto Bush e Cheney dedicavam-se ao desastre natural iminente, que poderia ter sido pior para New Orleans. Hoje à noite, Bush pode aparecer via satélite para falar de John McCain.

Segundo o Gallup, a semana começa com 49-43% a Barack Obama sobre John McCain.

RF







5 comments:

Dani said...

Adorei seu blog. Agora vou acompanhar as eleições americanas por aqui também. Bom ver análise inteligente em português também. Chega de copy&paste e Babelfish!

Lola said...

Olá, Roy...

Estou acompanhando por aqui para saber no que dará...
Obama oferece boas coisas, mas algumas delas me preocupam. Sou brasileira e um pouco "egoísta", o que é nosso, é nosso, se precisar,tente pedir e daremos ajuda, agora, tomar aos poucos o que não lhe pertence e se achar no direito de fazer isso. Com isso não concordo, nem aqui, nem em nenhum lugar. Veja minha próxima postagem sobre a Floresta Amazônica, também estou querendo colocar uma certa resposta aos EUA sobre de quem deve ser Essa floresta.
Beijo.

Marcelo F. Carvalho said...

Roy, tenho acompanhado os notícias daí com bastante atenção (os rumos daí refletem aqui...), mas você consegue, como pouquíssimos, escrever temas complexos de forma leve, palatável para mim.
Ótima análise num texto idem.
__________________
Abraço forte!

Tânia said...

Esta história dos vices ainda darão pano para manga, confesso que estou no aguardo para os debates...Amobs entre os candidatos a porteiro e o debate dos vices...

Roy Frenkiel said...

Dani, seja bem vinda. Gostei do seu blog tambem. De onde vc eh nos Estados Unidos? Es daqui, nao, se nao me engano?

Lola, eu nao entendi muito bem qual a posicao de Obama que contraria os interesses brasileiros fora de usar o etanol do Brasil, algo que McCain quer e Obama se nega a fazer. Estou meio por fora disso. Pode me explicar em detalhes?

Marcelo, obrigado. Acho meio exagerado, rs, novamente, sou bloguista, nao jornalista. Nao faco a pesquisa de campo que cabe ao bom profissional. Mesmo assim, se agrado, fico muito contente.

Tambem aguardo os debates, Tania.

abrax e bjx a todos e todas,

RF