Tuesday, September 23, 2008

De Crise em Crise

Na semana do debate presidencial entre os candidatos John McCain e Barack Obama, a crise econômica imprescindível há décadas nos Estados Unidos dita novamente o tom das campanhas. Mas há um novo problema velho, constatado por analistas recentemente e divulgado com foco crescente desde os eventos da semana passada.

Obama conquistou a liderança depois de quase duas semanas, enquanto McCain encontra força em estados essenciais como a Flórida, e vence em camadas republicanas clássicas, como homens brancos e cubanos. O senador pelo Illinois deveria estabelecer a base de mulheres brancas, mas a escolha de Sarah Palin mostra-se indiscutivelmente eficiente nesse sentido. E há uma porcentagem em estados essenciais como Ohio, Virginia e Michigan que permanece indecisa, apesar de registrada. Essa é a porcentagem dos potenciais racistas nacionais.

Andrew Sullivan, comentarista e autor da coluna The Daily Dish no jornal The Atlantic.com, diz que o candidato democrata deve vencer por sete pontos percentuais nas pesquisas para confiar em seus resultados. Como o próprio libertário afirma, talvez a questão do racismo tenha sido racionalizada e elaborada como algo distinto, mas infelizmente existe um consenso entre essa camada de que um homem negro na Casa Branca seria demais para o psicológico da nação.

Para John McCain, a economia sôfrega causa maior problema do que o combate ao terrorismo forjado pela administração de George W. Bush.

Pelo que entendo, a falência econômica do país é diretamente ligada à irresponsabilidade tanto de bancos, seguradoras, e companhias de investimento e financiamento, quanto de seus clientes, que muitas vezes assumiram dívidas colossais sem os meios concretos de pagá-las. As companhias em questão ofereceram uma série de regulações nebulosas, e a outorgação de créditos excessivos a indivíduos e empresas pequenas, que esperavam uma melhor projeção futura tanto no crescimento (vulgo “bolha”) do mercado imobiliário quanto de injeções consumistas.

Aqui poderia tecer minhas próprias teorias conspiratórias. Economistas e empresários sabiam da possibilidade desse estouro há pelo menos dois anos. Já ao início do ano passado, minha mãe como milhares de outras pessoas ao redor do país perdiam suas casas depois de as haverem comprado em hipotecas maleáveis, esperando que em seis a doze meses os valores de suas propriedades aumentassem tanto quanto vinham aumentando até então, o que permitiria aos credores o refinanciamento e, logo, o corte do custo hipotecário mensal.

Para empregados de empresas como a Merrill Lynch, a Lehman Brothers, o Washington Mutual, a AIG, a crise causou demissões e inseguranças massivas. Para empresários, o resgate governamental pode garantir a permanência do capital repartido entre os responsáveis centrais da crise, enquanto o cidadão comum paga a conta da dívida absurda que a administração de Bush deixou às futuras gerações.

Tanto Barack Obama quanto John McCain concordam com o resgate, assumindo, como muitos economistas, que a ação do que considero “socialismo para os ricos” é a menos pior das alternativas. O Secretário do Tesouro, Henry M. Paulson, pede 700 bilhões de dólares agora debatidos no Congresso, mas os pede sem restrições, para que possa por um lado exercer a independência capitalista, e por outro, beneficiar-se da mais pura ideologia esquerdista.

Como escrevi em uma coluna opinativa ao jornal estudantil The Falcon Times, ninguém veio ao meu resgate. Consumidores irresponsáveis (infelizmente, como houve em minha própria família) realmente não deveriam causar tanto desequilibrio no mercado, e talvez a própria irresponsabilidade lhes sirva de lição. Não se trata, afinal de contas, de pessoas que viviam às márgens da pobreza, ou que não tinham condições de alugar apartamentos de acordo com suas necessidades (como em minha família), mas sim de pessoas que queriam conquistar o “sonho americano” de possuir a casa própria.

Nada de errado com o sonho, mas talvez a mídia, o governo e as entidades ativistas não governamentais devessem acentuar que alugar apartamentos pode não ser a melhor alternativa, mas é a melhor alternativa para determinados patamares econômicos, e nisso tampouco há nada de errado. Ou seja, caso a cultura dos Estados Unidos não enfatizasse tanto que quem não tem propriedade não tem voz, e caso isso fosse menos contundente, de fato as pessoas se conformariam em alugar propriedades em vez de sujar o nome na praça.

Favoreço, incondicionalmente, que todos os cidadãos tenham seguro de saúde, mesmo que fumem, bebam ou gastem seu salário com outras prioridades. Favoreço também que o governo tenha condições de providenciar a quem não tem moradia, trabalho, e alimentação básica, mas isso faz mais sentido em países como o Brasil. Nos Estados Unidos, contudo, o mais importante é realmente a saúde, com mais de 15% da população nas mãos de contas hospitalares insólitas, e outra porcentagem menos exata de pessoas asseguradas, mas cujas companhias não oferecem a cobertura necessária para problemas mais graves.

Sou radicalmente contrário, contudo, a salvar pessoas que assumiram dívidas na compra de suas casas e não puderam, eventualmente, arcar com as despesas. Mais contrário ainda ao resgate governamental das empresas que faliram. “A falência também é prevista no modelo do capitalismo moderno,” disse um colunista.

Obama deveria vencer estas eleições que, finalmente, resumem-se à central questão do refortalecimento econômico de uma nação que seguiu à risca a filosofia do mercado aberto por oito anos, e destruiu, praticamente, a cultura de créditos fáceis nos Estados Unidos. Deveria vencer enquanto a administração Bush tem conexões explícitas com as mesmas companhias petrolíferas que hoje acumulam lucros recordes enquanto a população sofre com a média triplicada dos preços da gasolina, com as construtoras que reconstróem o Iraque e providenciam infra-estrutura às tropas estadunidenses, e certamente agora favorece o socialismo aos ricos que testemunhamos após eventos da semana passada.

Talvez, os 7% descritos por Andrew Sullivan sejam mais importantes do que imaginamos. Por hora, Obama vence McCain por 48-44% de acordo com o Gallup.

RF

3 comments:

Dani said...

Roy,
Perfeita a sua colocação. Concordo em gênero, número e grau com você. Some-se a isto tudo ainda os pseudo-especuladores que se meteram em jogo de gente grande sem ter cacife e agora despejam imóveis e mais imóveis no mercado mais que saturado.
Assim como você, penso que neste momento a questão fundamental para o americano médio é saúde. Muitos até têm plano de saúde, mas a cobertura é insuficiente e pouco abrangente. Será que vai ser desta vez que eles vão olhar o problema de frente?
Parabéns pela lucidez.

Anonymous said...

“A falência também é prevista no modelo do capitalismo moderno".

Roy, saindo um pouco do assunto "eleição" acho que essa frase resume bem o que penso dessa crise econômica americana. Quer dizer que ganhar todo mundo pode (mas poucos conseguem!) e na hora da perda de alguns, no jogo especulativo, todos devem pagar? Que capitalismo é esse?

Bela análise sua.

Um abraço.

Jens said...

Hi Roy.
Brilhante análise. O "socialismo dos ricos" na pátria do capitalismo é a ironia suprema. Já por aqui isto não é novidade: basta as coisas não darem certo para que os bravos capitalistas tupiniquins recorreram às têtas sempre fartas e gentis da nação (o cacófato, no caso, é proposital).
Um abraço.