Thursday, August 07, 2008

Olimpíadas em um País Totalitário

Oswaldo Montenegro brilhantemente expressou uma condição humana que, além de nossas histerias e complexos ligados ao orgulho e à defesa de nossa auto-imagem, dá mais cor e sentido ao estabelecimento de ideologias equilibradas entre a razão e os sentimentos humanos, em sua canção Metade.

Pois, jurei a quem me perguntou que não escreveria sobre as Olimpíadas, mas conversando ontem com minha Lilith (que não é figmento de minha imaginação, mas uma linda mulher por quem me apaixonei e com quem quero passar o resto de minha vida), entrei em uma deliciosa polêmica sobre a qual penso importante relatar em um blogue que fala sobre política.

Assim sendo, quanto à sede das Olimpíadas de 2008 há em mim duas metades.


Primeira metade de mim: A favor

Complicado acordar às 5 horas da matina e ligar o computador para acompanhar a reprodução dos resultados dos jogos de futebol ao vivo, já que aqui nos Estados Unidos não passam nenhum jogo que a Seleção local não participe, e ainda assim reclamar da sede dos jogos olímpicos. Ou reclamo e “boicoto”, ou deixo de reclamar. Portanto não reclamei, para não cair em contradição com meu comportamento.

Mas além do egoísmo infantil de querer participar como espectador desses próximos 17 dias, justamente pela polêmica que Lilith levantou em minha mente, há argumentos legítimos a defender o direito da China de sediar os jogos mesmo sendo um país totalitário e abusivo dos direitos humanos de seus cidadãos.

Na verdade, mais do que um argumento, mas a base é a mesma, portanto os pontos são anexados em um só raciocínio.

Em princípio, Berlin sediou os jogos olímpicos de 1936, sob ameaças de boicote dos Estados Unidos e Grã-Bretanha, que enfim jamais ocorreu. Ao contrário, negros venceram arianos em disputas deportivas, destruindo a lógica da superioridade ariana.

Há também a pouco conhecida história de Margaret Bergmann Lambert, a atleta judia que Adolff Hitler usou para provar que sua administração não discriminava entre as etnias. Somente três anos depois a verdadeira guerra começou, e Frank D. Roosevelt (ou pior, Winston Churchill) demorou a agir até a última das pressões de judeus em sua administração.

Lilith levantou a questão de que talvez as Olimpíadas tivessem contribuído para o prestígio de Hitler. Negar esta possibilidade seria difícil, mas também existe a evidência de que o ditador nazista humilhou-se com a vitória de negros, e que seu país abriu-se aos olhos do mundo.

Imaginem se a Alemanha conseguisse cair às sombras da história ocidental? Talvez a Rússia tivesse vencido, de todos os modos, mas além da vitória duvidável, demoraria tempo demais para surtir efeito, já que a reação tardia de todas as forças aliadas não evitou a morte de milhões de pessoas inocentes.

Mais adiante, há uma frase que aprendi apenas vivendo nos Estados Unidos, que me abriu um novo horizonte sobre a realidade do planeta, e serve até mesmo para os esquerdistas que piamente acreditam na força do comunismo, incluindo o chinês, como se fosse melhor do que o capitalismo praticado (o que, para mim, simboliza uma das maiores ilusões da humanidade): “Holier-than-thou” significa “mais santo do que você.”

No geral, conservadores atacam liberais com esta expressão, como Al Gore, o sujo reclamando do imundo quando clama que estadunidenses desperdiçam energia e ele desperdiça mais energia do que qualquer americano. Mas o mesmo pode se dizer de conservadores, moralistas pudicos que clamam não só saber mais, mas dizem ter a palavra divina ao seu lado. Capitalistas atacam comunistas como se o capitalismo, na prática, fosse tão diferente em termos da centralização do poder, e vice-versa. Muda apenas o nome do poderoso, mas continuamente o que se sabe é que poucos controlam muitos, praticamente, se não em todos os países do mundo.

Portanto, nenhuma nação pode realmente interferir na política interna das demais, salvo, ao meu ver exclusivo, em casos de genocídio, como em Darfur, Rwanda, e Zimbabwe, por exemplo. Nenhuma nação é tão mais correta do que as demais. O governo brasileiro não tem cacife de criticar o governo estadunidense, e nem mesmo vice-versa. Os direitos humanos são transgredidos tanto lá quanto cá, quanto na China, em níveis diferentes, mas resultados similares, diferentes opressões, mas ainda opressões.

Ainda a favor, pesa o fato de que o Comitê Olímpico Internacional não é uma entidade governamental, e sim deportiva. Há apenas uma oportunidade a cada quatro anos de juntar quase todos os países do mundo em um evento pacifista, e mesmo que as implicações sejam geralmente comerciais, atletas e torcedores esperam para o momento da disputa, e esse entretenimento emociona, inspira, muda vidas (Halém Souza, está vendo qual é o verdadeiro papel do esporte e sua importância, ao meu ver?).

Será que excluir a China contribuiria para a causa da liberdade social tão exigida (inclusive por países que não respeitam a liberdade social em algum ou outro nível)?

Pensem e me respondam: Você se preocuparia com o Tibete em 2008 se não fossem as Olimpíadas? Você ouviria comentários como o do narrador futebolístico da SportTV dizendo: “Na China, eles dão sumiço nos chineses”? Você veria faixas dependuradas de postes em praça pública em Beijing dizendo: “Libertem o Tibete”, se não fosse a transmissão que testemunhamos? Saberia como a censura procede na China sem os copiosos comentários do mundo virtualmente globalizado? Aposto que não.


A Outra Metade de Mim: Contra

Contudo, Lilith tem razão quando diz que uma das “armas” democráticas do mundo deveria – ou poderia – ser a possibilidade da candidatura a sediar Olimpíadas ou Copas Mundiais. Se o país quiser se candidatar, deve demonstrar soluções para os problemas sociais que enfrenta seu povo. No mínimo, a China poderia ter sido pressionada para abdicar da censura durante esses 17 dias.

Afinal, para o maior país comunista do planeta, sediar os jogos é uma benção que apenas merece-se pela abertura de seu mercado, mas que cria ainda mais oportunidades a nível mundial. Seria de seu interesse negociar e comprometer-se do que não deseja abrir mão, e poderia ser o que os impediria de sediar os jogos.

Lilith se revolta e me diz: “Roy, você é o maior revoltado, mas nesse sentido eu me revolto mais,” e ela tem toda a razão. Talvez aprendi a ser melhor cínico nos últimos anos de moradia nos Estados Unidos. Vejo que há certas coisas que não mudam por pressão internacional, e o apoio externo para mudanças internas quase nunca surtiu o efeito desejado. Um grande exemplo disso é Israel e o Oriente Médio, com constantes intervenções estadunidenses e européias. Outro grande exemplo é o Iraque e a postura dos Estados Unidos nesta absurda guerra.

O básico pensamento de Lilith é correto: A China não merece ser o centro das atenções mundiais, porque é péssimo exemplo em seu super-controle social. Assim, o Rio de Janeiro (opinião intrinsecamente de Lilith) não o merece tampouco. Caso algum estado mereça sediar as Olimpíadas ou os Jogos, não é o Rio de Janeiro. Por que não o Rio Grande do Norte? Do Sul? Minas Gerais? Mato Grosso? Goiás? Bahia? Estados que, segundo Lilith, se beneficiariam muito mais com a vantajosa repercussão.

Portanto, dizer que sou a favor dessa sede não seria a total verdade. Assistirei a todos os jogos que puder, seguramente, e há uma lógica por trás dessa decisão, mas mesmo assim, é realmente duro entregar flores a quem assassina indiscriminadamente, a quem censura e a quem corrompe.

Esse é o caminho do mundo, e nós com ele. Tudo tem suas metades.

RF

9 comments:

Anonymous said...

Obrigada pelas menções às minhas angústias, amor. O famoso caminho do meio, que tem lugar entre os provérbios chineses, é, certamente um lugar mais justo e tranquilo. Pena que eles próprios o ignorem tantas vezes.
De minha parte - e da minha cidade - além de me ressentir de jamais um evento dessas proporções ter deixado em Belo Horizonte tantos espaços públicos para a prática esportiva, guardo, sim, tremenda inveja das maravilhas arquitetônicas que enfeitam essa olimpíada circense. O Ninho de Pássaro e o Parque Aquático de Pequim bem podiam estar em algum lugar entre a Lagoa da Pampulha e o Parque das Mangabeiras. Assim, passados os jogos, tenho certeza de que nós, mineiros - como outros tantos de outras tantas grandes cidades brasileiras menos paparicadas que Rio e Sampa - saberíamos aproveitar esses equipamentos para o bem. Sobretudo a população de baixa renda, que nem praia tem pra ir por aqui.
Beijo!

Unknown said...

Roy , belissimo texto. Vou frequentar seu blog sempre , vc escreve muito bem. Bom , vc viu meu comentario no orkut. Vou boicotar e vou falar mal do governo o quanto puder. Eh aquela teoria do exercito de um homem soh. Abracos.

Unknown said...

Foi o Dridas quem comentou acima. Fui.

Roy Frenkiel said...

Cometi duas enormes gafes nesse texto. Tres, se contar ter escrito Goiania em vez de Goias, mas isso foi falta de atencao.

1 - Antes de consertar, escrevi como se Dwight Eisenhower (o general das forcas armadas a Segunda Guerra Mundial dos EUA) fosse o presidente, colocando-o com Churchill e dizendo que o general cedeu a pressao de judeus de "sua" administracao.

2 - Saxonicos realmente nao seria a descricao de arianos, entao tambem arrumei.

Espero que tenham tolerancia com o apressadinho que vos enche o saco.

abraxao

RF

Anonymous said...

Sempre teremos paciência contigo, lindo.

beijos duplos de bom fim de semana.

Saída de Saramandaia.

Prof Toni said...

Roy, se a condição para sediar um evento do porte de uma Olimpíada ou Copa do Mundo de Futebol fosse a plenitude do atendimento aos anseios do povo, pelo menos de justiça e dignidade, somente Finlândia, Islândia, Suécia, Dinamarca, Noruega, Lichtestein e sabe-se lá quais outros...
Mesmo os países da Europa Ocidental aparentam os graves problemas com os imigrantes, EUA nem se fala, América do Sul, África e Ásia (talvez com exceção do Japãp...) então...

Roy Frenkiel said...

Concordo contigo plenamente, e acho que pelo menos em um evento da humanidade, as diferencas devem, necessariamente, ficar de lado. Abraxao!

RF

Jens said...

Salve, salve, camarada Roy.
O Professor Toni foi direto ao ponto: atire a primeira pedra qum não tem culpa no cartório dos direitos humanos. Na verdade, as críticas à China fazem parte do grande jogo hipócrita da política mundial - "eu digo que condeno tua política de direitos humanos, você faz beicinho e no final da noite vamos tomar um drinque juntos..."
No mais, como diria John Wayne, the Duck: "malditos amarelos!"
***
Beijão pra ti e pra Lilith, esta santa que te atura. (Marisinha está se mordendo de ciúme).

Anonymous said...

Beijão, Jens! Um pra você, um pra Marisinha... pra fazer o meio-de-campo, né? Hahahaha!
Concordo com o professor e com você... Mas que traz à tona nossos mais ambíguos sentimentos... traz, né? Fazer o quê?
Beijo pra vc também, amor!
rssss