Tuesday, July 15, 2008

Liberdade de Expressão (Longo, mas vale)


Não sei se sou eu o doente, alienado, retardado e incompetente, mas quando deu na capa do periódico The New Yorker a caricatura de Barack e Michelle Obama vestidos de terroristas muçulmanos, ele com o turbante e ela com o rifle às costas, enquanto queimava a bandeira dos Estados Unidos na lareira da Sala Oval da Casa Branca, pessoalmente não me ofendi, não chorei, e nem pedi água.

The New Yorker é uma das revistas opinativas mais respeitadas dos Estados Unidos e, como bem lembrou Jens nos comentários do último texto auto-masturbatório, uma das aquisições de Rupert Murdoch, dono do canal Fox News. Esse pequeno fato influencia seu conteúdo? Seria estúpido dizer que não, mas ao mesmo tempo penso que Murdoch também comprou outros bons jornais como The Wall Street Journal, e para quem sabe navegar pela mídia poucos há melhores do que esse, especialmente no quesito econômico.

A revista contém excelentes artigos, alguns contra Obama, outros contra McCain, outros a favor de ambos e assim por diante. Opiniões baseadas em perspectivas diferentes, sempre acompanhadas de substância. A verdade, como todos suspeitamos, é turva.

Por outro lado, as intenções do cartunista e dos editores que permitiram a publicação da capa parecem bastante interesseiras: Vender, vender e vender. Vender, primeiro, por ser The New Yorker, depois, vender por se tratar de uma capa controversa, e ainda mais, vender pela polêmica gerada ao acertar os nervos dos democratas e do campo de Obama.

Fazendo-se de tablóide, de certo modo, vendendo o peixe como marqueteiros sabem fazer, a revista conseguiu exatamente o que queria, e mobilizou a fúria de “liberais” de todo o país. Por que tamanha fúria, perguntam-se alguns leitores? Bem, o motivo principal é que, segundo pesquisas variadas, entre 10-20% dos eleitores acreditam (ou fazem questão de acreditar) que Barack Obama é muçulmano. Segundo “liberais” democratas, pois, esse cartún perpetua a falsa imagem do candidato, e põe em risco sua campanha presidencial.

Há apenas uma palavra por mim conhecida capaz de permitir-me expressar exatamente o que sinto a respeito dessa idéia: “Bullshit”. Merda de touro, merda, besteira, baboseira, bobagem, coisa ridícula do papai.

“Ah, menino, por que você insiste nesse ‘do-contra’?” Diriam alguns de meus favoritos interlocutores/as.

Segundo Marjorie, da campanha de Obama na Flórida, o cartún não é humorístico, mas sim cruel e ofensivo, e The New Yorker deve “pagar” pelo que fez. Outro campanhista, Greg “Muslw”, disse que, enquanto a caricatura holandesa de Maomé (com o Kuran em uma mão e uma bomba em outra) era humorístico porque “todos sabem que Maomé não era terrorista”. Nesse caso, clama, entre 10-20% dos eleitores acreditam – ou insistem em acreditar – que Obama é muçulmano.

A Marjorie e a todo o grupo lancei a idéia de que talvez eles devessem canalizar a preocupação em algo mais produtivo. Cada semana traz um assunto específico em pauta, e o desta Terça-Feira é a guerra no Iraque e Afeganistão. Perder segundos, minutos ou horas do dia para criticar um cartún, pois, ainda mais quando publicado por uma revista privada, não explicitamente apoiada ou financiada pelo campo de John McCain, me parece um desperdício de tempo. Ela respondeu, um tanto injuriada, que talvez minha reação fosse diferente caso o cartún se tratasse do Holocausto.

Segundo Greg, antes de mais nada, estou “completamente enganado”, algo que propositalmente deixei de escrever porque acredito, cada dia mais, que posso discordar de alguém, mas seria pretencioso demais dizer que esse alguém, salvo excessões óbvias, esteja completamente enganado/a. Porém, enganado está ele que todos sabem que Maomé não era terrorista. Eu, por exemplo, não sei e nem teria certeza de que não era. Se não me impressiono pejorativamente com os muçulmanos por conta do cartún holandês, há quem se impressione, e há quem acima de tudo concorde com o que a figura demonstra, literalmente.

A porcentagem de pessoas que acreditam que Obama seja muçulmano é praticamente a mesma de pessoas que não acreditam que o ser humano tenha pisado a lua. Entre esses 10-20% de eleitores crédulos, uma porcentagem, seja qual for, acredita que Obama é muçulmano e, ao mesmo tempo, frequentava a igreja de Jeremiah Wright, ou seja, mais uma inconsistência patrocinada pela fé.

O absurdo de que Obama seja não somente muçulmano, mas também terrorista, é muito maior do que a suspeita de que Maomé tenha sido terrorista. Nesse absurdo jaz o humor. Claro, talvez não o humor das gargalhadas, e talvez haja gente que ria tanto por acreditar no que vê (um absurdo) quanto por sentir que o cartún prejudicará ou simplesmente provocará “liberais” de toda a nação. Mas é humor, novamente.

A Margie, novamente, disse que piadas de judeus, caricaturas, sátiras e difamações humorísticas eu já estou careca de ver e ouvir. Do holocausto também, por incrível pareça. Quando a intenção é machucar, cabe a mim, Homo sapiens, perceber o humor ali contido e interpretá-lo, traduzi-lo, aceitá-lo como humor. Pois, o humor é a característica mais elevada do ser humano. É traiçoeiro, é cruel, é fulminante, esfaqueia o peito e as costas de quem nele se banha, mata, para poder reviver idéias bloqueadas por estigmas e “pré”-conceitos mal formados.

Pelo menos duas, de aproximadamente sete pessoas que responderam meu e-mail inicial, pedindo calma e concentração no que realmente importa, como a guerra no Iraque, concordaram comigo plenamente.

Não sou “liberal” porque gosto de política, ou porque tenho filosofias complexas elaboradas, mas sim porque acredito piamente na liberdade do indivíduo, incluído nesta a liberdade de expressão, vital à construção do ser e seu ambiente. Enquanto essa expressão não atiçar a violência ou o pânico imediato (alguém gritando “fogo!” para um grupo massivo de pessoas em um apertado espaço, por exemplo, assim causando um fatal alvoroço), nada pode ou deve haver errado nela, e pensar assim faz parte da ânsia pela liberdade.

Há um programa chamado “Lil’ Bush” (Pequeno Bush) pelo Comedy Channel, que também passa no Brasil, no qual Bush é sujeito de chacota, galhofa e humilhação enquanto ainda serve a Casa Branca. Se o conteúdo das piadas for verdadeiro ou explicitamente falso, nem todos sabem. Mas o programa existe, e as mesmas pessoas que criticam o cartún do The New Yorker urinam-se as calças de tanto rir de “Lil’ Bush”.

A lição do dia? Abe Lincoln certa vez disse que “para curar os males causados pela liberdade de expressão, mais liberdade de expressão”. Criticar The New Yorker pelo cartún é criticar o direito que a revista tem de dizer o que quer e como quer. Arcar com a opinião pública, certamente a revista deve, mas alguém zangar-se com isso talvez seja exatamente o que a revista queria. Apenas ganhou com isso, e nenhuma de suas imediatas perdas a tirará da boca do povo.

Mais eficiente seria fazer uma campanha de conscientização sobre as raízes de Obama. Então, quando houver controvérsias reais, o candidato seria questionado e confrontado. Nisso todos ganhamos, mesmo eleitores democratas. Porque, quem realmente riu da gozação mal se esconde do “outro lado da rua”. A piada caiu na conta dos democratas.

RF

PS: Há pouco tempo Luz de Luma foi censurado pelo Blogger porque trazia uma imagem de mulheres “top free”, descamisadas e de seios expostos. Foi censurada porque, segundo as leis do decoro político, a nudez é ofensiva. Há quem se ofenda, realmente, com a nudez. Apenas lembrando como a censura pode ser prejudicial ao cérebro da sociedade. Ah, Luma venceu o Blogger e conseguiu liberar seu sítio da censura predominante. Espero que todos nós tenhamos a mesma sorte. Abraxão!

5 comments:

Jens said...

Big Roy.
Que o Senhor esteja convosco.
***
Acho que os caras pretenderam, sim, atingir a campanha do Obama. Tudo bem, faz parte do "jogo democrático" (puxa, que expressão original). Aqui na campanha passada a Veja publicou uma charge com o Lula levando um pé na bunda. Coisas do jornalismo engajado. Só não dá pra esquecer que pau que bate em Chico também bate em Francisco.
No mais, viva a liberdade. E também a igualdade e a fraternidade. Avante, cidadãos!
***
Uma observação do Millôr: "o homem é o único animal que ri. E rindo mostra o animal que é."
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Sacanagem o que fizeram com a Luma. Fiadasputas!
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Abraço.
Marisinha manda um beijo nas breubas.

Roy Frenkiel said...

Discordo radicalmente da histeria que transtorna e move esses movimentos, Jens. Sinceramente, o Millor nao esta com a razao nessa. Tipo... Sinceramente, nao me cabe e nao me faz sentido isso.

Mas eh isso mesmo.

abraxao

RF

Roy Frenkiel said...

Ah, morri de rir com aquela charge :-)

Lola said...

Geralmente, as pessoas não gostam das coisas que as incomodam... Principalmente quando mostram verdades que elas não querem ver...
Acho o blog da Luma, ótimo! Que bom que está de volta!!!

Beijo.

Marcelo F. Carvalho said...

Esse cartum foi bem exposto pela mídia carioca (Globo e JB), mas ambas não entenderam o sentido (ou quiseram deturpá-lo mesmo). Não sei se a mídia de cá é estúpida, inocente ou também noticia o que não sabe noticiar...
Acho que a sigla (essa era a vertente, creio eu)induzia o leitor apressado, desavisado a acreditar que saira no N.Y. Times (o que, pros bandos de cá, faz uma enorme diferença).
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Abraço forte!