"Fala, Janaína... Sem mais mistérios.” A apurei.
Vigésima-Sétima Parte
“Bem... Ele disse que João assassinara o pai dele. A sangue frio, enquanto dormia ao lado da esposa, sua mãe, na mesma casa em que viviam seus filhos, que ouviram o estampido único e correram para o quarto dos pais, a desencontrar todo aquele sangue fresco, vermelho vívido, ainda quente, ainda inodoro, no rosto do soldado aposentado do distrito federal. Diz que sabia das implicâncias com João, das injustiças de sua vida, mas que ele nada tinha a ver com isso. Disse também, por fim, que conhecia João dos Rosários pela nuca estourada, diante de ti e de Jurandir, em sua casa, em sua fazenda, e que recém chegava a nos vigiar. Quando perguntei se ele nos mataria, sorriu. Disse que mataria a Jurandir antes de matar qualquer outra pessoa. Depois, ficou calado. Esperou o telefonema que logo veio, bem antes das cinco da tarde, e se foi. Na despedida, contou que seu nome era Armando Franco. Dei-lhe um beijo, e disse adeus. Nunca mais o vi.”
“E por que caralhos o beijo?”
“Lava essa boca antes de falar assim comigo, moleque! Assim você conversa com os seus amigos, não com uma mulher e muito menos comigo. Xingar perto de uma mulher, Caçá, só com convite, ou se ela xingar primeiro. Mas é o que foi, o que aconteceu. Na melhor das verdades, Caçá, naquele dia o Jurandir podia ser morto e ainda linchado às mãos de três cidades desse nosso grande estado, que ninguém diria nada. Até Joelmo havia se escondido, prevendo o desastre que estava a cair sobre as mãos dos desentendidos, dos estúpidos que ainda se achavam em nosso poder. Joelmo sumiu, Caçá, sem dar pistas, todos os seus capangas com ele, e a família... A família, Caçá, pensaria que qualquer ser humano de sangue quente preocuria-se primeiro pela família, mas não Joelmo, que nem ao seu gêmeo deu atenção. Pobre da mulher e das crianças, ficaram para trás. Enquanto isso, não é que convenceu ao tonto do mano a esperar por ti naquela sua casa abandonada e resolver a parada? Jurandir cavou Armando do fundo dos infernos, de Itajubá, Caçá... Desesperado, sabendo que o fim do mundo estava por vir, achou o bicho, pagou bem, e ajudou a resolver uma richa antiga, que nada tinha contigo. O sangue de Rosários nunca foi teu a pagar ou lavar. Agora, o Jurandir fez veneno... Não sei de onde ele aprendeu a negociar como negociou, mas negociou bem, não foi? Você pensa que eu não sei... Quem não sabia era você...”
Apesar da estapafúrdia, e apesar da barafunda mental, sem idiossincrasias desnecessárias de minha parte, e pelo comportamento imaculado de Janaína, saber que João não foi morto por minha sede de vingança íntima me fez muito bem. Melhor do que o pior sentido àquela tarde estranha, que fazia-se noite paulatinamente. Saber que fui enganado, ou que Jurandir enganou-se quando contratou um homem com mais envergadura do que nós dois, ou ter conhecimento da sagacidade do Porco em convencer-me a assinar um contrato que me protegia por ter de seu mesmo sangue correndo às minhas veias, nem tanto mal me causou. O pior era o futuro. Aberto, misterioso, uma eterna charada e agora, como nunca, impiedoso.
Os olhos escuros de Janaína mandavam em mim. Confesso que grande parte da minha calma relativa, dáva-se gratamente aos meus sentimentos por ela, agora mais ambiguos do que nunca. De certo modo, aprendi ao longo dos tempos que ela sempre foi minha mais original Jocasta, e eu tive a graça de não precisar arrancar-me a visão, tive o inverso, a fortuna de enxergar mais adiante. Minha necessidade à vingança já desminlingüia com a morte de João e com o negócio assinado com Jurandir. Tinha uma última pergunta. Uma última dúvida, todavia, a aclarar.
“Janaína... E chamo ainda de Janaína, se me permite, devo demorar a me acostumar, realmente, com seu novo título... Você conhece meus motivos, os verdadeiros? O motivo do meu ódio, o que causou essa loucura toda, o que provou a minha cegueira, a minha inocência?”
Sentava-me outra vez à beirada da cadeira bamba, e ela aproximou-se e recostou a frágil cabeça sobre minhas coxas, movimento terno, que acalmou um tanto de minhas angústias. Eu permiti sem mover um só músculo voluntário.
Wednesday, August 15, 2007
Subscribe to:
Post Comments (Atom)
1 comment:
Estamos aí, de olho no lance.
Post a Comment