Monday, May 28, 2007

O Segredo de Minha Irmã

O efeito marijuanado já dera o que tinha de dar, e não queríamos que, de pensamento em pensamento, alguém conectasse os salgados à chapação. Como todos os maconheiros da cidade faziam parte de nosso grupo, o segredo não precisava ser rompido
Ao seguinte plano e adiante.


Décima-Quarta Parte

O Terceiro Plano – Vicentinho e Gonzalo

Gonzalo não perdeu tempo, sentiu a necessidade de explicar a quem não entendia, ou seja, todos menos Boiól e eu, e Boiól entendia meio sem entender, o motivo dos petiscus doidus. Primeiro, disse que quando ainda sub-bacharel, experimentara a droga e descobrira o segredo do mundo. Depois de algumas horas, seguia-se seu conto, entendeu que nem fazia sentido esse segredo sonhado, mas que fazia sentido pensá-lo, levava a algum lugar. Talvez todos tenhamos a capacidade de compreender os segredos do universo, e talvez nem precisemos ler os mesmos livros ou falar o mesmo idioma. Talvez tudo isso exista, desligado, dentro de nós, e talvez, as drogas alucinógenas sirvam como um escape da repressão pessoal que não nos permite entrar em contato com o que jaz perpetuamente desligado em nossos âmagos. Com a morte de alguns neurônios, o caminho talvez fique mais limpo, mais claro. O problema é perder-se entre a ilusão da realidade e a realidade, explicava Gonzalo. Disse que o melhor seria mesmo apenas dar o toque, e deixar que as mentes tocadas, como filhotes de tartarugas marinhas, seguissem a jornada sozinhas. Afinal, precisavam estar lúcidas. Os malandros de Santa Maria, se por milagre de Maria, cujo conto quiçá revele, quiçá nunca mais o mencione, ou se por pura lógica humana, seguiram as palavras de Gonzalo e fecharam o bico. Não contavam às mães e aos pais, aos primos, irmãs e irmãos ignorantes dos efeitos do psicotrópico, que o que sentiam não era a Mão Divina nem porra nenhuma, e sim os efeitos do psicotrópico. Nisso ficamos por isso, e o quão cedo, melhor.

Juntou-se a Vicentinho a perambular pela cidade em busca de novos marginais. Sempre achava novos marginais. O terceiro plano não foi plano, mas uma verdadeira organização militar. Convocando os poucos doidos lúcidos de nossa naçãozinha, conseguiram atrair a atenção de muitos mais. Vicentinho bravejava empolgado, gostava de entender as coisas, e entendia o que fazia enquanto fazia, ao longo do percurso. Pois, Gonzalo revelou-se mais esperto do que pudéssemos todos imaginar, um líder entre mil. Lograva ensinar o que eu não conseguia. Senti que nessa convocação, nesse alistamento voluntário das variadas almas perdidas de Santa Maria, não poderia meter-me.

A princípio, pensei que houvesse desses moleques, desses jogadores de truco, desses bêbados tímidos, fechados ao mundo do crime, mas abertos ao mundo da desgraça, que se alistassem primeiro. Ledo engano. Primeiro, vieram alguns jagunços. Jaçunços sim, qual é o problema? Pensas que nossa polícia não tem alma? Talvez tenham alma nossos jagunços. Alguns, não muitos, mas mais de cinco e menos de dez. Vieram primeiro, quadrados caretas, com perdão pela redundância. O fato é que vinham pessoas que jamais em vida pública assumiriam marginalidade. O fato é que as margens de Santa Maria apertávam-se cada vez mais. Ora se o fato não fosse, mas era, que as pessoas e os marginais se confundiam pelas ruas, pelas estradas, nas cadeias, nos dois bancos, nos restaurantes, nas quitandas, nas barracas, nos casebres, pelas noites, pelas madrugadas, pelas manhãs e pelas tardes, por todos os dias, esbarravam-se uns nos outros como conhecessem um ao outro, como soubessem que se nada tivessem em comum, tinham a marginalidade.

Aparecia um exército glorioso... Quem não entendesse, quem ainda mantivesse os olhos cegos, continuava cego. Houve inocentes suspeitando tempestades e sim, houve crédulos pressentindo o fim do mundo, mas eram quase nenhuns, e finalmente vieram todos aos nossos braços. Quem não sabia, não sabia. Quem sabia, era um de nós, uma de nós, muitos e muitas de nós. Em duas semanas, a população de trezentas e poucas famílias da cidadela abrigava mais de trezentos marginais. Tudo ao bravejar coerente do empolgado Vicentinho, e a ordem do General Gonzalo. “Avanti!” Não gritava, falava com firmeza, uma firmeza quase insustentável. Seduzia com idéias jogadas ao ar, induzia ao saudosismo da epidemia de marijuanados, o que fosse necessário, sem provocar traumas ou choques, dando tapas divinos sem divindade desecrada. Todos paulatinamente compreendiam o que se conversavam, todos hesitavam profundamente antes de opinar, todos duvidavam de suas próprias idéias e, por isso mesmo, se não que algum desalmado me prove o contrário, tinham as idéias mais claras.

Uníam-se todos pelas sombras das árvores a esconder-nos do brilho da lua às tardes dos meios de Julho, inverno sem chuva, outro milagre de Maria, a quem quase prometi jamais mencionar. Uníamo-nos todos.

2 comments:

Santa said...

Acho que perdi alguma coisa...rss

Bjs

Jens said...

E a mana? O segredo? Terá o escriba perdido o controle sobre as ações de seus personagens? Estará ele consumindo sem perceber os tais petiscos doidos?