Thursday, May 24, 2007

O Segredo de Minha Irmã

No entanto, logo concluí que o efeito era mesmo desejado, e que a confusão fazia parte, a inicial e primitiva, da digestão pensamental. A mensagem estava dada, e já estavam os soldados e jagunços lado a lado procurando os infratores, mas todos sabíamos que, se quiséssemos causar o impacto necessário, tínhamos obrigação de continuar espalhando a palavra, poluindo a cidade de nossas idéias revoltadas. “Vocês são mesmo como o gado, povoado, povão, povo de Santa Maria, e eu não serei pastor, porque cansei de ver-nos pastar. É hora de se levantar. “Ye are many, they are few...”

Décima Terceira Parte

O Segundo Plano – Boiól e Agnaldo

Esse foi o mais brilhante dos planos já fabricados por uma mente humana, e não foi a minha, infelizmente. Aliás, foi de certo indivíduo que sequer dava-se o trabalho de pensar mais do que devia. A idéia em si escorreu-lhe das orelhas e vazou à boca, acho que nem da garganta foi. Quando a regorjitou, estava prontinha para servir-nos todos.

Pois, Boiól sabia muito de pouca coisa, e entra essas, sabia muito de maconha. Não de nomes científicos e efeitos colaterais, mas sabia como crescia, como germinava, como fecundava a terra. Depois, sabia seus cheiros e cores, sabia da Índia e do Pakistão bem como da Holanda e Suécia. Conhecia papéis e sprays variados, era um dos poucos brasileiros subscritos ao High Times do Tio Sam, uma magazine repleta de novidades, concursos e piadinhas infames ou movimentos políticos, entrevistas com os famosos, tudo associado à dita cuja da Maria Juana. Sabia fazer uns bolinhos de chocolate que só comendo para acreditar. Estarias conversando com teu amigo, dizendo das delícias do bolinho achocolatado, mas como não fazia a mente e, repentina e repentinamente, cairias na mais profunda chapação. Cairias não, não recomendo, não recomendo, ou melhor, recomendo tanto quanto o Ministério da Saúde recomenda os cigarros, com a diferença de uma pitada a mais ou duas de convicção.

Se pudesse fazer bolinhos, concluiu Boiól completamente sem querer, poderia fazer qualquer outra coisa. Uma delas, pois se não foi o que lhe ocorreu, seria a de fazer refresco, quibe, coxinhas e empadinhas amarijuanadas – do latim, petiscus doidus - a vender por preço pechinchado até demais, sacrifício claro o financeiro de Boiól, mas foi isso, juro, o que lhe ocorreu sem a minha ajuda. Encontrar quem os vendesse, fácil, Marcinho e Pira, filhão e sobrinho pródigos. Encontrar quem confiasse não seria tarefa das mais fáceis aos pés do córrego de Santa Maria, caso houvesse quem desconfiasse. Doces e salgados baratinhos, pechinchados, ora essa, prejuízo claro para o dono, estava louco, e ele quem era, que ninguém sabia dizer, e acabaram achando que fossem os meninos.

Não deu outra, e nessa eu me prostro, porque nem eu, nem Agnaldo, que ajudava Boiól a cozinhar e até chegou a incrementar dos seus macetes, tivemos grandes coisas a fazer que não observar. A cidade recebia os cartúns diários, os jagunços seguiam despistados e cativamos pelo menos sete cães – dois Filas, um Doberman e quatro Rottweilers – guardiães; ninguém compreendia como faziam-se os desenhos, e nosso grande chapa Eusébio ainda afiliou-se (longa historia, e resumindo, sequestramos Ferraes por algumas noites e alguns outros dias, e dissemos que ele só poderia sair do cativeiro caso se afiliasse, mas nunca pedimos juras e nem desconfiávamos que o nobre ficasse preso até não mesmo que falsamente esboçasse que se afiliava) ao nosso grupo mascarado, dando queixa do roubo de sua máquina impressora antes dos panfletos cômicos começarem a ressurgir das trevas, assim que ninguém sabia nada de nada, apenas nós. Mesmo assim, o que veio, veio inesperado.

Após mais de doze horas da saída de Marcinho e Pira com os doces e salgados à barraquinha fofa que ambos montaram unindo forças, a cidade simplesmente entrou em transe. Está certo, o que se percebeu foi por deixar de perceber-se. Explico-me: ninguém saiu às ruas. A meninada começou a vender os marijuanados às dez da manhã, e às dez da noite não havia marmanjo jogando truco, bêbados nos bares, taxistas e, atentos, dois ônibus deixaram de circular. Um deles percorrendo sem passageiros, há quem diga, avistou-se seguindo a rota extinta, que levava à estrada que levava à fazenda de Jurandir. Nunca mais avistou-se, no entanto. Nessa noite, estávamos nós apenas, a sós, os marginais às márgens de Santa Maria. Na manhã seguinte os panfletos, que já faziam-se semi nostálgicos, causaram o efeito conseguinte. Ninguém parecia entender exatamente o que se passou, ou o que se passava, mas todos confessavam-se que ontem as cores brilharam mais forte, os gostos degustaram-se com maior requinte, os cheiros foram melhor capturados pelos olfatos, e a cabeça, pois... A cabeça pensou... Como muitos sentissem o mesmo, e todos quase o mesmo, quedaram ainda mais pasmos e conceberam a hipótese de ser a Mão Divina a que os tocava concomitantemente.

Por isso pedi a João que renovasse alguns quadrinhos. Fez uma Mão Divina dando tapas às faces de gente conhecida e desconhecida, alguns rostos, dizia Rosário, sonhados pelo artista em noites de solidão. A outra Mão Divina, porque, dizia Rosário, e não me crucifiquem por suas palavras, “Deus não pode ser maneta,” apontava o solo, cheio de esterco e pedaços de cadáveres irreconhecíveis. O Roscharch para mim, tem outro sentido, mas quem sabe o que se passava em suas mentes? Não fizeram fila, grande dilema, a comprar mais doces e salgados, porque ocuparam-se pensando, até que não pudessem mais pensar em coisas novas e se vissem desanimados, cansados, com uma fome lancinante, e aí sim, no dia pós o dia, vieram comprar mais salgados e doces. Depois de três dias pedi a Boiól que diminuísse sua dosagem. Depois de uma semana, pedi que a suspendesse, mas Marcinho e Pira continuaram vendendo salgados, dessa vez com menor prejuízo ao verdadeiro empresário. O efeito marijuanado já dera o que tinha de dar, e não queríamos que, de pensamento em pensamento, alguém conectasse os salgados à chapação. Como todos os maconheiros da cidade faziam parte de nosso grupo, o segredo não precisava ser rompido
Ao seguinte plano e adiante.

1 comment:

Jens said...

Petiscus doidus? GENIAL!!!
(Manda uma fornada aqui pra casa).