Tuesday, February 23, 2010

O Grande Satanás contra os Mullahs Doidos

O título do texto é o mesmo de um ensaio de William O. Beeman falando sobre as principais características das relações “diplomáticas” entre o Irã e os Estados Unidos. Ao contrário do que muitos imagina, desligados do histórico rico existente entre os dois estados-nações, o relacionamento sempre foi vivo e necessário para ambas as partes. De acordo com o paradigma realista de Charles F. Doran, a “teoria da estabilidade hegemônica”, o papel dos Estados Unidos como hegemonia, de certo modo, dita o papel do Irã como anti-Imperialista. Similar ao contato implícito em agressões e comunicações acalantadas entre Israel e seus vizinhos da Faixa de Gaza e Cisjordânia, o diálogo existe mesmo desapercebido a olho nu.

Contudo, Beeman faz um interessante traçado entre as respectivas percepções dos Estados Unidos e do Irã e em seu estudo, que inclui uma análise fascinante sobre o diálogo internacional embasado no sistema de diálogos individuais e pessoais, conclui que não apenas Mahmoud Ahmadinejad caracteriza a super-potência pejorativamente, mas o oposto também ocorre na mesma frequência. Resumidamente, para o Irã, Estados Unidos é o Grande Satanás e para os Estados Unidos, Irã é um país de “Mullahs Doidos”.

A desconfiança norte-americana será provavelmente melhor compreendida pelos leitores locais, acostumados à retórica da política estadunidense. No madrugar da década de 50, o governo do país com sua instituição da Agência Central de Inteligência (CIA) contribuiu algo à derrubada de Mohhammad Mussadiq, primeiro ministro do shah que se alinhava "perigosamente" à mentalidade comunista. Mussadiq assumiu o cargo quando decidiu nacionalizar o petróleo iraniano, assim desafiando acordos com a Grã-Bretanha. A CIA agiu pelo pressentimento estadunidense de que o grupo comunista emergente no Oriente infiltrasse a monarquia iraniana, assim contribuindo a algum retorno de estabilidade ao sistema governamental monárquico do país Persa, que substituia a Dinastia de Qajar em 1925 com Reza Khan a assumir o poder. O sistema do shah prevaleceu até a Revolução Iraniana de 1978-79, quando Reza Pahlavi foi destituído com a ajuda de guerreiros islâmicos conhecidos como mujahedeen (que formam o atual grupo terrorista pan-islâmico Al Qaeda), e Ayatollah Khomeini assumiu a liderança.

Apesar de déspota, o sistema do shah garantiu algum desenvolvimento secular no Irã, que via um lider leal aos Estados Unidos em Pahlavi. Em seu próprio ritmo e de acordo com a sensibilidade cultural da região, o último shah modernizou seu governo até o coup d’etat dos fundamentalistas islâmicos, ocorrido em grande parte em base na secularização que assolava o imaginário religioso da população majoritariamente shiita. O governo norte-americano, em sua percepção falha de culturas alheias, e em sua total falta de sensibilidade às necessidades gerais de cidadãos estrangeiros, “traduziu” a reação de Khomeini como imprópria ao Irã e caracterizou seu governo como extremista e radical, fechando assim todos os possíveis diálogos existentes (que prosseguiram apenas indiretamente).

Khomeini, de fato, procurava balançar seu poder contra o poder dos Estados Unidos. De fato, para a classe média iraniana sua reforma foi tida como extremista e anti-evolutiva. No entanto, para grande parte da população, a instituição de um sistema islâmico governamental não necessariamente “caiu mal”. Nesse sentido o governo totalitário iraniano ganha legitimidade doméstica quando se opõe aos Estados Unidos. Conforme explica Beeman, quando Ahmadinejad chama os Estados Unidos de O Grande Satanás, não dialoga com os Estados Unidos, e sim com seus constituintes, que apoiam o desafio e que entendem através dessa metáfora específica (já que ligada à própria religião) o que Ahmadinejad quer dizer. Do mesmo modo, a falta de diálogo do governo estadunidense com o governo iraniano (em si uma espécie de comunicação baseada na não-comunicação) não é, necessariamente, uma provocação de governo a governo, e sim um apelo a constituintes conservadores dentro dos Estados Unidos que não querem seu governo ligado a fiéis religiosos de outra religião com outras bases éticas.

Beeman explica que, ao contrário da interlocução direta nos Estados Unidos, onde oficiais do governo e outros diplomatas chamam-se pelos nomes próprios sem prostrar-se e sem indiretas nem titubeios, iranianos conversam discretamente, com certo excesso de boas maneiras, curvando-se verbalmente e auto-inferiorizando-se perante o próximo. Logo, é comum que a interrupção do processo comunicativo ocorra da própria falta de compreensão do sistema comunicativo de cada um dos interlocutores. Além disso, iranianos no geral não tem nenhuma richa com a população estadunidense, e sim com seu governo, do mesmo modo que conscientemente rechaçaram o shah em sua própria casa, assim entendendo perfeitamente a diferença entre o ódio pessoal e o ódio direcionado ao regime vigente. Outra surpresa a muitos estadunidenses é que iranianos não são, nem bem se relacionam com, árabes, mas isso é tema para outros textos.

Há problemas reais e severos a se resolver no Oriente Médio, e como hegemonia (ainda), o papel dos Estados Unidos e sua influência às Nações Unidas e à comunidade internacional pode ser de fato essencial para a resolução de algumas crises. Talvez a questão é que não são todas as crises que podem ser resolvidas com o etno-centrismo americano e, sendo assim, o governo estadunidense precisaria saber onde faz bem sendo chamado, e onde apenas faz mal. Enquanto os diálogos estiverem fechados entre o Irã e os Estados Unidos por crises que a política externa dos Estados Unidos não pode resolver, haverá mesmo o que temer em um potencial conflito nuclear, ou conflitos preeminentes entre Israel (que tem muito mais a temer da falta de comunicação entre seu próprio estado-nação e o iraniano) ou Estados Unidos contra o Irã.

Talvez o primeiro passo para a paz seja simples e até mesmo um tanto quanto pueril: Párem de se xingar, meninos. Meninos: quietos! Quando um fala o outro cala e vice-versa. Pois, às vezes o mais simples é o mais complicado.

RF

4 comments:

Jens said...

Hummm, talvez umas palmadas nas respectivas bundas coloquem um fim neste diálogo na surdos. Pensando bem, dada a teimosia dos interlocutores, talvez seja melhor recorrer à velha palmatória ou à profilática vara de marmelo (dizem que dói, mas resolve!).

Abraço, Roy.

Roy Frenkiel said...

Seria uma otima ideia: Imagine a cena do reto dos meninos recostados sobre a firme postura de suas coxas calejadas, Jens, e palmatoria na mao mais viril... Ui!

Forte abrax,

RF

Roy Frenkiel said...

A quem interessar, corrigi o paragrafo que fala sobre a derrubada de Mossadiq como primeiro ministro do shah, uma errata essencial na construcao da historia iraniana, erro cometido por pura desatencao e incompetencia momentanea de vosso autor.

Grato pela paciencia.

Beti Timm said...

Obrigada por tua visita no Rosa e pelas palavras carinhosas.

Certo dia havia decidido que me dedicaria tão somente a minha arte. Mas num outro certo dia percebi que isso aqui me torna viva e presente tanto qto minha arte, e que blogues e pessoas como vc fazem falta para ela ser completa. Portanto aqui estou e comentei o teu post anterior para dar o ínicio na minha volta com grande estilo.

Beijos carinhosos