Thursday, January 28, 2010

Individualismo e Apatia


Ao contrário de sociedades mais coletivistas como sociedades latino-americanas, nos Estados Unidos a percepção cultural e comportamental é intrinsecamente individualista. Podemos traçar esses costumes até os métodos de colonização distintos entre as duas regiões. Enquanto a América Latina era colonizada pela Espanha, que baseava seus ritos “civilizatórios” na religião Cristã em sua mais arcaica interpretação, nos Estados Unidos a influência da Grã-Bretanha era Protestante. Enquanto a Igreja Católica ao topo da hierarquia social louvava a “massificação” de suas comunidades, proibindo a usura, desprezando o enriquecimento individual não pré-estabelecido por “virtudes” como a nobreza e a realeza, e fixando o posto de qualquer indivíduo em apenas uma estação social por toda a vida, os colonizadores dos Estados Unidos nada contra tinham o enriquecimento individual, a colher os frutos pessoais do trabalho individual, a “crescer na vida” e a destacar-se das massas.

A independência dos Estados Unidos deu-se por uma série de agregados à cultura local versus a identidade anglo-saxônica puritana dos colonizadores. Esses agregados vieram aos Estados Unidos por vontade, e preferiram estabelecer seu estado longe do Império Britânico. Os Yankees, em sua disputa contra a coroa inglesa, reivindicavam “impostos com representação justa”, e não o que ocorria à época. A independência da maioria dos países na América Latina deu-se violentamente, com a adesão de povos sem identidade estabelecida em suas regiões, rejeitando a colônia, por um lado, mas tornando-se uma mera extensão de seus impérios, por outro. Enquanto nos Estados Unidos indivíduos decidiram que permanecer nas colônias e torná-las independentes seria mais lucrativo e adequado, a América Latina nasceu de uma aglomeração forçada de diferentes culturas (índios, negros escravos e europeus; vê-se, nesse sentido, que comunidades de ex escravos nos Estados Unidos ainda são muito mais coletivistas pela necessidade de criar um espaço comunitário a pessoas cuja identidade não se assimilava à local).

Culturalmente, nos Estados Unidos, Inglaterra, Alemanha e alguns outros países a percepção da sociedade é individualista. Já em sociedades que já foram intensamente regidas por caudilhismo ou coronelismo ou populismo desde praticamente toda sua independência, o individualismo praticado na América do Norte é desconhecido, e todas as causas parecem ser estritamente sociais.

Claro que os motivos das denominações não se explicam com tanta facilidade. O que nos resta de concreto é apenas a consciência de que o povo estadunidense não está acostumado a pensar em termos de “povo”, mas sim individualmente. Independente da raíz do individualismo, é preciso entender como essa sociedade às vezes se perde quando ressurge a necessidade da união popular, já que a característica de seu nacionalismo exacerbado une todos os americanos sob uma única bandeira territorial.

O que quero dizer com este texto é que, se por um lado democratas e liberais concordam que existe uma necessidade iminente de se usar o coletivismo democrático para a melhora da vida de indivíduos, por outro a preocupação nos Estados Unidos é quase sempre direcionada aos mesmos, não ao coletivo, não à sociedade geral.

A política externa dos Estados Unidos ainda o eleva não só como hegemonia, mas como o país que melhor sabe por si e pelos demais o que é certo e o que é errado absolutamente. Ainda acreditam na inferioridade das demais nações, o que é totalmente compreensível à base de seu nacionalismo exacerbado (que outro país exacerbadamente nacionalista não pensa assim? Até mesmo no Brasil esse cenário já foi mais real nos tempos da ditadura). Nesse sentido, todos são americanos, superiores, filhos e filhas de um estado poderoso e infinito. Mesmo que essa afirmação esteja cada vez mais distante da realidade, o coletivo americano funciona para fora mais do que para dentro: É “povo” quando está em risco. É “pessoa” quando não há risco coletivo.

Com isso respondo, em poucas palavras, uma das questões postadas no tópico passado na caixa de comentários por Marcelo Carvalho. Como podem os estadunidenses serem tão apáticos quanto ao sistema de saúde vigente? A resposta, baseando-me no individualismo nos Estados Unidos, seria mais ou menos:

De fato, a maioria dos preocupados não tem seguro de saúde e não poderiam bancá-lo. Os demais até partilham de alguma preocupação, mas como possúem seguro de saúde sua reivindicação não é por um SUS, mas sim por uma melhoria nas leis que indireta e desculpadamente aumentam os preços de seus planos. Seja o fato de que não se pode comprar ou carregar seguros através das fronteiras estaduais, ou o fato de que muitas companhias rejeitam pessoas que apresentam condições prévias, ou até mesmo a cara de pau de muitas companhias fortes e consideradas competentes que simplesmente negam o financiamento em casos de emergências pelos mais banais motivos, seria quase impossível testemunhar uma mobilização geral de pessoas que já tem seguro privado em prol de pessoas que não o tem.

Há ainda mais um detalhe a ser considerado. O estado de Massachussets, por exemplo, que perdeu um senador democrata (Ted Kennedy) e o substituiu pelo republicano Scott Brown já tem um sistema de saúde muito parecido ao que Hillary Clinton queria implementar. Lá, a população é obrigada a ter seguro, seja ele privado ou estadual, e há um SUS que vinga estritamente dentro dos limites do estado. Logo, para Massachussets não existe a mesma necessidade que existe para o resto do país em se fazer uma profunda reforma nesse sistema social. Muito pelo contrário, cidadãos de Massachussets temiam, justamente, que Barack Obama aumentasse seus impostos (que já aumentaram justamente pela reforma estadual) ainda mais. Seus votos foram contados e a reforma universal corre risco.

O indivualismo gera a apatia social, do mesmo modo, no entanto, que o coletivismo gera a apatia individual.

RF

2 comments:

Barbara said...

POr que será que a América Católica precisará sempre de ridículos tiranos?" _ Caetano Veloso.
(Há mais de 500 anos né?)

Marcelo F. Carvalho said...

Roy, sempre lúcido!
Abraço forte!