Nesta breve série exponho três perspectivas sobre o papel hegemônico dos EUA e as mudanças vigentes no cenário global. Obviamente, essas não seriam as únicas três perspectivas existentes, mas talvez sejam suficientes para desencadear um debate interessante entre os leitores do blog, ou entre estes e outros leitores de outras comunidades eletrônicas (ou não) e outros blogs.
O estudo de relações internacionais em sua área mais teórica conta com diferentes paradigmas que auxiliam na análise do tema em três níveis básicos: O global. O estadual (nível de análise que se baseia em países, estritamente). O individual (quando falamos de indivíduos aqui, tratamos especificamente de líderes de países).
As três perspectivas chegam de Charles F. Doran (Teoria do Ciclo de Poderes). Fareed Zakaria em artigo à revista Newsweek International, 2007. David Brooks em coluna do The New York Times, 2007.
Antes de falar do primeiro, contudo, é necessária uma breve introdução:
Para Doran, ainda vivo e acionado pelo professor Shlomi Dinar, seu pupilo em mestrado, o paradigma do Realismo (tecido originalmente por Thucydides, Nichollo Machiavelli, e por contemporâneos como Hans Morgenthau) é o que impera na compreensão de fenômenos em relações internacionais. No entanto, ao contrário de realistas mais natos, Doran arrisca a observar dois quesitos de modo diferente:
1 – Para realistas natos, o nível de análise é sempre global. Para Hans Morgenthau, a natureza humana (avarenta, agressiva etc) é a que impera no modelo anárquico do globo. Mas nada específico importa para o pensador alemão à não ser a natureza do sistema em si. Sendo ele anárquico, todos os países, independente de seus valores e máximas, sofrem da mesma insegurança que os demais.
Para Doran, o nível de análise usado pode abrangir estados e seus comportamentos individuais. Apesar de não chegar ao extremo de neo-liberais e construtivistas que afirmam que líderes modelam relações internacionais, Doran admite a possibilidade de que a decisão de certos países modele o cenário global, e não só o contrário.
2 – Para realistas natos, a guerra é inevitável na busca pelo poder. Todos estados atuam de um princípio de auto-interesse ou auto-ajuda (realpolitik), e justamente por isso, sempre que houver a possibilidade de ataque externo, a guerra preventiva pode ser acionada. Sempre que uma hegemonia decair, dando lugar a outras hegemonias, a guerra surge como meio principal de mudança.
Para Doran, a guerra é evitável, mesmo que instantes históricos de guerras evitadas sejam raros ou quase inexistentes. Justamente porque seu nível de análise abrange estados (e não só o globo como um sistema único e geral), estes não precisam necessariamente contra-balancear hegemonias, mas sim acomodar novas super-potências, o que, segundo ele, evitaria conflitos violentos.
Thursday, September 17, 2009
Hegemonias - Parte 1
Essas Palavras Vos Trazem
Charles F. Doran,
David Brooks,
Fareed Zakaria,
Realismo,
Roy Frenkiel,
The New York Times
Subscribe to:
Post Comments (Atom)
4 comments:
Roy, algumas dúvidas de quem (eu) não entende absolutamente nada de política e relações internacionais: as posições de Charles F. Doran me parecem mais "pacifistas", não é isso? Mas penso que a maioria dos líderes mundiais, em relação aos outros Estados, adota sempre posições dos chamados "realistas", não?
Um abraço.
Oi Roy.
Pessimista, acredito que em determinadas circunstâncias - como assegurar o domínio de reservas de petróleo, por exempo - a guerra é uma possibilidade sedutora para garantir o crescimento, a manutenção ou sobrevivência de uma nação ou império, como é o caso dos EUA. Não se faz história sem sangue. Por isto o Lula está comprando os caças francesas. Como diz a expressão latina, si vis pacem, para bellum. Se queres a paz, prepara-te para a guerra.
Um abraço.
Na verdade, Halem, suas perguntas sao extremamente pertinentes. Claro que ainda vou aprendendo e respondo apenas ao limite do meu conhecimento atual. Como espero sempre vingar em contato, espero algum dia tambem poder responder melhor.
Doran nao eh um pacifista, necessariamente. A questao de ser ou nao ser pacifista, as vezes, nem toca esses paradigmas do qual falo. Nao vou lista-los todos aqui, nem sequer os mais tradicionais, mas posso afirmar que, segundo outro academico, Fergusson, o "realismo" ou "neo-realismo", que, como diz o texto, tratam geral e estritamente do nivel de analise global (estados nao importam, muito menos os individuos, eh o globo, com seu sistema anarquico ou hierarquico que comanda as atitudes de ambos), sao mais conservadoras do que o idealismo (liberalismo e neo-liberalismo, mais especificamente, ou ate construstivismo, mas deixa quieto por enquanto).
Isso eh porque o idealista idealiza, certo? Como diria o filosofo realista David Hume, "o jeito que as coisas sao e o jeito que as coisas devem ser sao dois argumentos distintos". O idealista, logo, preve mudancas de uma natureza humana que, comportadamente, parece mais daninha do que benevola.
Mas o conservadorismo atual, Halem, nem sempre eh realista. Por exemplo, segundo Kenneth Waltz, o neo-realista que cunhou os termos de agrupamento (bandwagoning) ou balanceamento de poder (balance of power), a decisao de George W. Bush de ir a guerra do Iraque foi estupida. Primeiro, porque nao havia, realmente, nenhuma verdadeira pista de ataque iminente, entao descartemos a auto-defesa. Segundo, porque a guerra nao esta pagando por si. Os custos de, por exemplo, adentrar a regiao daquele modo, sao muito mais altos do que os beneficios ate agora extraidos. Pode haver mais beneficios no futuro, claro, e ate mesmo beneficios que radicais como Immanuel Kant ja apontaram (Kant cunhou a expressao: "Paz democratica", em que paises democraticos, em via de regra, nao entram em guerra uns com os outros). Mas o maior erro de Bush, segundo Waltz, foi pensar que os paises do Oriente Medio se agrupariam aos Estados Unidos ao ver sua demonstracao de poder e a maior exercao de sua hegemonia desde a guerra do Vietnam. Segundo Waltz, quando um pais se ve ameacado, a reacao natural nao eh a de se agrupar ao "opressor", mas sim balancear o poder do sistema contra o opressor. No caso de paises como a Siria, o Libano, o Egito etc, nao ha agrupamento, mas sim balanceamento de poder, amenizado infimamente com a saida de Bush e a chegada de Obama a Casa Branca.
Agora, seriam todos os lideres "realistas"? Acho que nao seria a forma correta de analise, mesmo superficial. Os "realistas" nao sao lideres. Claro que ha lideres intelectuais, que levaram seus proprios estudos adiante, e que tem uma nocao perfeita de todos os detalhes teoricos sobre relacoes internacionais (todos eh muito, mas vc entende). Dentre esses, Winston Churchill certamente se destaca. Em contraposicao a Neville Chamberlain, Churchill foi quem encarou a situacao da Alemanha nazista com melhores olhos, e seguiu uma vertente pura do realismo mais basico contra Hitler (que era a unica opcao, agora que observamos o passado). Agora, o que os "realistas" dizem eh justamente isso, os lideres nao importam tanto quando se trata do globo, eles simplesmente reagem ao movimento dos demais paises e seus jogos de poder (outra expressao cunhada por um realista, Robert Gilpin).
Mas quando voce le qualquer um desses realistas voce percebe que, salvo em algumas poucas circunstancias, nenhum deles QUER a guerra. Eles so ditam que a guerra eh inevitavel. Doran se destaca porque nao pensa assim. A guerra eh, possivelmente, evitavel, mas ainda assim, o que importa eh o movimento do ciclo de poderes. Mas sobre Doran ainda hoje a tardezinha.
Desculpe a longa resposta, pra variar,
abraxao
Jens,
camarada, pois eh isso que os realistas dizem, nao eh mesmo? Quer paz, prepare-se para guerra. Mas ha muitas outras teorias. Inclusive das que ditam que o que o Brasil esta fazendo com esses cacas pode dar mais trabalho do que lucro. Caso qualquer outro pais da America Latina sentir o peso da hegemonia brasileira (que eh a hegemonia maxima da America Latina atualmente), e quiser tambem se armar, uma corrida de armas pode acontecer na regiao. E isso so aumenta, nao diminui, qualquer iminencia de guerra. Em Ingles chamamos isso de "self-fulffiled prophecy".
Abraxao,
RF
Post a Comment