Thursday, September 04, 2008

O que acontece na América?

Falo, obviamente, da América do Norte, do apelido carinhoso dado aos Estados Unidos, que apenas recentemente começam a aprender onde a Argentina fica no mapa, e que não é uma capital brasileira.

As últimas duas semanas de convenções foram mais pesadas, ideologicamente, do que toda a estação preliminar. Além dos debates, polêmicas e tiros tortos, o furacão Gustav atrasou o primeiro dia da reunião republicana, e a tempestade tropical Hannah ameaçava a Flórida até desviar-se para o norte. Atrás dela, o furacão Ike cresce em intensidade e pode atingir meu estado na próxima Segunda-Feira com a fúria de categoria 4, a mais intensa na escala.

Furacões e política interligam-se como mãos a luvas. John Hagee, influente pastor evangélico que polemicamente endossou John McCain ao início de 2008, afirmara há três anos que o furacão Katrina, devastante ao estado de Louisiana, especialmente na cidade de New Orleans, foi um castigo divino. Poucos anos depois, Gustav atingiu Louisiana e Minnesota novamente, mas antes disso o furacão Fay, que já havia beijado meu quintal como tempestade tropical, deixou destruição e medo em seu rastro pelo norte da Flórida até morrer perto de Minnesota.

Se furacões são castigos divinos, esse Deus está zangado com as regiões mais conservadoras da nação. Eu, ateu, cético e agnóstico, jamais diria isso. O clima não se importa com as aberrações humanas. O clima nada sente, pensa ou enxerga.

Mas a analogia é inevitável. Como não-eleitor, minha análise tem a mesma importância que o peso de uma pulga a um quilo de arroz. Mesmo assim, por sentir-me eterno estrangeiro, alheio à essência de qualquer cultura inserida em contexto regional, às vezes procuro observar como quem aproxima a retina ao bico d’um miscroscópio, não só de fora, mas distante da realidade decorrente.

Pois, vejo que o partido Republicano mantém o contexto nacionalista que lhe conferiu popularidade mesmo depois da revolução social dos anos sessenta, nos Estados Unidos. Não se trata de mero patriotismo, saudar a pátria com atos dóceis e torcer pela mesma em qualquer evento competitivo, seja ele esportivo ou bélico. É peça insubstituível da psique nacional:

Para esses, ser estadunidense significa pertencer à maior potência internacional desde a Grã-Bretanha colonialista.

Republicanos ostentam a bandeira da superioridade com fé e pilares emocionais. Seus valores, especialmente descritos na noite de Quarta-Feira no palco da Convenção Republicana em St. Paul, Minnesota, no Xcel Center, partem estritamente da crença religiosa e dicotômica em que a “liberdade” existe quando servimos interesses dogmáticos, supersticiosos e imaginários.

Alguém como eu jamais seria presidente de lugar nenhum. Salvo talvez em Israel, para o bem da verdade, já que o número de ateus em meu país natal é considerável se comparado a outros pontos geográficos do planeta azul. Quantas sociedades elegeriam um presidente ateu ainda mantendo a autonomia de seu povo e a legitimidade das eleições?

Quem negaria que, o fato de Deus estar ao lado dos tradicionalistas republicanos até hoje, foi o que, provavelmente, mais os ajudou?

Segundo Meg Whitman, ex empresária da grande companhia E-Bay, que se retirou da liderança empresarial para assumir a campanha de John McCain, republicanos lutam por menos governo e mais poder econômico popular. Afirma que estadunidenses jamais chegarão à liberdade com o aumento tributário prometido por Barack Obama.

Novamente, republicanos clamam o tradicionalismo capitalista, a força dos mercados, confiança nas atitudes individuais à construção de vizinhanças, comunidades e, eventualmente, cidades inteiras.

George Bush, quando discursou via satélite pela nomeação de McCain na Terça-Feira, disse que o “Hanoi Hilton” (quando McCain foi prisioneiro de guerra) que abrigou o candidato conservador o preparou para qualquer desafio, incluindo o que o presidente chamou de “esquerda raivosa”.

Essa esquerda à qual Bush se refere é o partido Democrata e sua base cada vez maior por todos os estados. Raivosa porque, justamente, as vizinhanças, comunidades e cidades mais abastadas até funcionam em seu próprio núcleo, mas as menos abastadas não sobrevivem a fase da vizinhança.

Assim começa minha pessoal análise sobre a convenção em St. Paul. Em primeiro lugar, a aqui famigerada “Reaganomics”, economia de Ronald Reagan (*O capital lucrado pelos mais ricos escorre aos mais pobres, assim fazendo com que, quanto maior o lucro, mais capital sobre aos mais pobres), não pareceu funcionar em nenhuma nação capitalista. Ou seja, quanto mais ricos são os poucos primeiros por cento da nação, mais pobres são os outros por cento.

Isso não significa que quanto mais indústrias, mais companhias, mais serviços inseridos no mercado, não haja de fato mais empregos e benefícios, mas sim, o fato de que trinta a sessenta mil pessoas de uma população de 300 milhões de habitantes ostente quase a metade de toda fortuna nacional, prejudica de um modo ou outro os outros 98%. Quanto mais corrupta a sociedade, piores apuros assolam esses 98%.

A importância desse raciocínio simplista e um pouco óbvio é providenciar o equilibrio ao argumento conservador que favorece o mercado livre e o capitalismo condicional. Quando republicanos falam de corte de impostos, segundo pesquisas que levantei para saber de minhas próprias rendas mensais, o que omitem é que esses cortes apenas beneficiarão quem ganha o suficiente para isentar-se pelas brechas da constituição tributária.

Ou melhor, eu, que ganho menos de 30 mil dólares anuais, não pagarei sequer um centavo a menos em meu imposto de renda. Talvez alguns produtos sáiam razoavelmente mais baratos se seus tributos forem cortados, como a gasolina, mas nada que proporcionalmente se compare ao que pessoas já abastadas e estáveis financeiramente evitarão gastar com os cortes prometidos pelos republicanos. Isso se deve ao fato de que, com meus ganhos, pago apenas as taxas mínimas, que são iguais a todos, apenas variando em proporção ao salário.

Se minha renda incluísse lucros de companhias pequenas, médias ou multi-nacionais, sem contar em outras populares fundações econômicas baseadas na bolsa de valores, poderia escolher, em diversos casos, como e quanto pagaria ao IRS, economizando milhares de dólares sob uma administração conservadora.

A liberdade que Sarah Palin prometeu em seu discurso vice-presidencial na noite de Quarta-Feira jamais pertencerá à minha realidade, porque os duzentos dólares quinzenais que desembolso aos governos federal e estadual, serão sempre duzentos dólares enquanto meu salário não se tornar mais atraente.

Então, quando Rudy Giuliani, ex prefeito de Nova York, grita aos quatro ventos que há “boas mudanças e más mudanças”, o que omite é que a população local sofre com a ausência de mudanças concretas na filosofia estadunidense enquanto a mesma evoluiu e mudou muito nas últimas cinco décadas.

Qualquer mudança será bem vinda em princípio, e republicanos representam a tradição teísta que credulamente apóia o famoso “deus dará”, o mesmo raciocínio que, elevado à menor potência, produz pérolas como a afirmação do pastor John Hagee sobre furacões e a fúria divina.

Nesse meio tempo, pergunto-me sobre qual liberdade discursou Whitman, se republicanos são a favor de restrições individuais como a liberdade do matrimônio entre pessoas do mesmo sexo, o direito à opção do aborto, às mulheres, e a inclusão obrigatória do absurdo argumento teísta denominado “Design Inteligente” no currículo científico escolar.

São contra o dispêndio tributário, mas a favor de uma guerra multi-trilionária que até hoje não melhorou a segurança internacional. São contra restrições mercantis, mas a favor do Ato Patriota que, resumidamente, elimina direitos de privacidade ao indivíduo estadunidense, seja ele cidadão ou residente legal.

Republicanos clamam que democratas restringem a liberdade do mercado livre, e insentivam a libertinagem no comportamento social. Assim, o mercado deve ser cada vez mais livre, e a população cada vez mais restrita. Perdão, amigos republicanos de todos os credos e cores, mas para mim ocorre justamente o oposto: Libertinagem no mercado, e restrições individuais ameaçadoras.

Depois de oito anos de Bush, quatro anos de Bush Senior e outros oito anos de Reagan, a matemática não bate. O conservadorismo não só parece deixar de funcionar, mas a nação começa a abrir mais os olhos. No dia 4 de Novembro saberemos quão espertos estamos todos, e espero que sejamos, enfim, mais espertos do que George W. Bush.

RF

6 comments:

Cris said...

Oi, lindo..

Continuo lendo ( você ) e aprendendo ( para mim ).

Bj

Dani said...

Concordo com você: pior do que Bush impossível. Mas já dá para respirar aliviada só em ver a primeira eleição presidencial em 28anos sem os nomes "Bush e Clinton!"

Roy Frenkiel said...

Ou Dole, querida, ou Dole!

o refúgio said...

Juro que se você escrevesse haicais eu te leria e comentaria...Texto longo pra chuchu, menino! Tenho tempo pra isso não!
Beijos meus e da Lin Pi.

Roy Frenkiel said...

Poxa, Sandra, eu nao escrevo haicais, rs. Fica por isso mesmo, ne? As vezes da vontade de escrever outras coisas, mas acho tao inutil, que desisto, hehe. Nao que isso aqui seja muito util, ne? :P

bjx

RF

o refúgio said...

Roy, querido, VOCÊ é muito útil e agradável também, salvo quando fala mal de Warhol, rsrs. Ah gostei da sua foto com a cadela Pitt mas... cadê a Marijuana? rsrs...
Beijos.