Monday, September 29, 2008
O Primeiro Debate
A semana culminou no debate moderado por Jim Lehrer, o primeiro de três presidenciais, e esparramou-se ao final de semana, enquanto representantes do senado (e congresso) discutiam o futuro econômico da nação. John McCain, como todos sabem, recusou-se a participar no debate até que o Senado (errata: senadores e congressistas) chegasse(m) a um acordo, o que não ocorreu Sexta-Feira. McCain apresentou-se mesmo assim.
O fato do senador pelo Arizona ter se negado a participar do debate e, ao mesmo tempo, ver-se forçado a comparecer, ao meu ver afetou o cenário da discussão mais do que se comenta.
Barack Obama desfilou ao pódio e cumprimentou seu rival calorosamente, enquanto o rival já introduzia o comportamento enfatizado ao decorrer das duas horas. A partir da primeira pergunta, a mais sensível e delicada (“Como vocês se posicionam em relação ao resgate federal de Wall Street?”) da noite, sem a menor dúvida, o palco tornou-se campo de batalha.
Antes dos comentários, análises e discussões pessoais, anotei alguns detalhes enquanto assistia ao debate corrente.
1 – O primeiro ataque veio do senador republicano a Barack Obama, e tratou-se do que chamamos de “Barril de Porco” ou “Dobradinhas de Papel” (ambos traduzidos de acordo com minha capacidade, não conheço termos mais adequados no Português). Uma provisão caraterizada como “porco” resume-se a notas de interesses especiais a gastos em projetos não aprovados ou regulados explicitamente, costuradas a leis já reguladas e aprovadas por ambas as Casas, criadas por senadores e representantes do congresso, instigadas muitas vezes por lobistas em intenções menos do que puras.
O que importa é que o “porco” mais coincide com a tendência democrata de criar projetos sociais e culturais, e ultimamente, muitos deles desimportantes e corruptos. McCain atacou o uso de 932 milhões de dólares demandados por Obama ao interesse do estado de Illinois, e disse que em seu governo, quaisquer pedidos de “porco” seriam vetados, e McCain promete tornar os nomes de quem os pediu, públicos.
Desse ataque, apesar de ter explicado e justificado o contraste entre sua administração e a corrupção que engoliu Washington nos últimos oito anos, (a soma de “porco” triplicou nos últimos anos e ano passado terminou na casa dos 18 bilhões de dólares), Obama jamais vingou.
O tema do “porco” é frequentemente usado por McCain, mas quando precisou delinear seu próprio plano, indicou praticamente o que Obama indicava, com algumas sólidas diferenças. A primeira, foi enfático ao afirmar que seu governo economizaria em todas as áreas menos importantes, o que claramente significa que cortará em projetos sociais e em todos os gastos que não se resumam a “defesa”.
McCain pretende economizar, cortar gastos, cortar impostos essenciais enquanto a nação enfrenta guerra em duas frontes, e aumentar o investimento bélico, o que pode ser perigoso, tanto quanto popular com o eleitor indeciso. As pesquisas seguem conferindo que a segurança da nação deixou de ser seu inimigo inconsciente número um, e a guerra no Iraque é ainda uma das mais impopulares que os Estados Unidos já se involveu.
Mesmo assim, para bravejadores profissionais, e toda a nação tem dos seus, um clássico conservador prometendo menos gastos, menos projetos sociais, menos projetos culturais e a exclusividade de nossos impostos, basicamente, à “defesa” da nação que, depois de George W. Bush tornou-se “preventiva”, são conceitos atraentes.
2 – Antes de debaterem diretamente as relações exteriores de cada potencial administração, os candidatos discutiram a transição urgente que o país deve passar para cortar sua dependência do petróleo estrangeiro.
Tanto para Obama quanto para McCain, alternativas incluindo usinas nucleares fazem-se essenciais para conquistar a transição. Porém, Obama se opõe aos métodos atualmente conhecidos para o transporte e o depósito de urânio e outros materiais radioativos, oposição liberal clássica, que se diga de passagem. McCain atacou seu rival pela oposição, mas pelo lado do democrata as alternativas chegam através de estímulos governamentais, o desenvolvimento de energia solar, ou obtida pelo vento, e usinas nucleares também, desde que se encaixem nos padrões liberais ambientalistas.
Antes da frase que, para mim, definiu o debate, McCain disse que Obama tem o recorde mais liberal do Senado, e que é “muito difícil tentar alcançar o outro lado quando se está tão distante à esquerda”. Porém, Obama disse oito vezes que concordava parcialmente com McCain, incluindo no que diz respeito a usinas nucleares, e logo concordou com McCain em alguns pontos antes de afirmar que o debate e a candidatura respectiva de cada político baseava-se em valores.
“Tudo é uma questão de valores,” disse Obama, tirando palavras de minha boca.
3 – Surpreendentemente, Obama teve seu melhor momento e único verdadeiro revide a McCain quando discutiram relações externas. O senador pelo Arizona enfatizou a “arrogância” de Obama em não admitir que a escalada de tropas ao Iraque no ano passado aumentou a segurança das tropas e diminuiu a instabilidade na região. Chegou até a compará-lo a George W. Bush, o que extraiu de seu oponente genuínas gargalhadas.
Em um ponto, todavia, Obama disse que se surpreendia com a memória de McCain.
“John, você parece se esquecer que a guerra não começou o ano passado, mas em 2003.” respondeu Obama, “Você disse que a estávamos em perigo pelas armas de destruição em massa e estava errado, você disse que seriamos recebidos como libertadores e estava errado, você disse que Shiitas e Sunitas não tinham história de conflitos entre si, e você estava errado.”
O propósito do argumento era estabelecer quem tinha melhor juízo. Caso fosse quem tinha maior presença comandante, McCain venceu claramente.
A diferença, novamente, reflete-se nos valores, tanto da nação quanto de indivíduos. Se sua preocupação é ter um presidente forte, bravo e guerreiro, sua escolha é John McCain. O republicano jurou cortar, novamente, auxílio a demais países clamando que “esses países não gostam de nós, e esse dinheiro cái nas mãos de terroristas”. Obama argumenta que, caso gastássemos mais em auxílio e menos em armamentos, faríamos melhores amigos.
Ao fim da noite, para mim o vencedor foi Obama, para qualquer republicano o vencedor foi McCain e, arrisco dizer que o indeciso resultou em duas principais vertentes. Ou admite o empate entre os senadores, ou dá a Obama uma limitada margem de vitória.
Afirmo isto porque McCain conduziu-se, seja por estratégia ou por questões pessoais, sem olhar seu adversário uma única vez. Para mim e para os poucos com os quais conversei sobre o tema, McCain estava claramente nervoso, não como quem anseia e teme cometer gafes antes de uma apresentação pública, mas como um soldado quando adentra o campo de batalha. É como se precisasse tornar Obama em um arqui-inimigo, um “Charlie” (apelido dado aos vietnamitas nos anos sessenta), para poder vencê-lo. E, como fazemos quando sentimos desconforto pessoal contra alguém, sequer levantou seus olhos a direcioná-los a Obama uma única vez.
Há quem diga, como minha Lilith, que a conduta foi estratégica, procurando conquistar, quiçá, a base dos bravejadores acima mencionada. Discordo de que tenha sido estratégia, mas mesmo se fosse, acredito que não tenha apenas deixado de funcionar, mas prejudicou enormemente sua campanha.
Segundo o Instituto Gallup de pesquisas, pela primeira vez desde o início das campanhas presidenciais, Obama chega à marca dos 50% e vence McCain por 50-42%.
RF
PS: Jens, não me leve a mal. Penso muito mais assustador o fato de que tão poucos entendam o que ocorre com a economia do que a própria crise em si. Posso sim dizer que enquanto o dólar cái, o real sobe, e enquanto os Estados Unidos entram em uma crise, o Brasil parece finalmente começar a resolver as suas antigas. Claro que a crise afetará a todos, mas o governo já aprovou o resgate de Wall Street, e o mercado mundial, pelo que entendo, não depende mais tanto do Tio Sam quanto dependia há cinco décadas.
O Senado já aprovou a nova lei bipartidária (errei feio nesse detalhe, vejam o proximo texto), com parágrafos específicos ditados com o objetivo de garantir que o governo e os contribuintes recebam o dinheiro de volta. Basicamente, o governo comprará grande parte das propriedades impagadas a mais de 50% de desconto, o que permitirá um potencial lucro futuro, quando as forças mercantis se estabilizem.
No mais, já deves ter ouvido: Quando bancos emprestam mais do que têm, todas as empresas que deles dependem deixam de ceder créditos, indivíduos não conseguem refinanciamentos hipotecários, comprar carros ou movimentar seus negócios. Ainda assim, não consigo confiar na lei.
Ouviste, Loba? Há seres humanos mais e menos honestos, nenhum perfeito, mas a a honestidade implica que o ser humano reaja contra seus próprios interesses. Isso é sequer viável a um político do século XXI? Você decide.
RF
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1 comment:
Sei não Roy, a crise continua aí, firme e forte. O pacote não foi aprovado e o mercado mundial igualmente está sentindo os solavancos da economia americana. Acho que vem uma tempestade por aí. De merda.
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McCain diz que vai cortar os gastos sociais e ampliar os investimentos bélicos. Definitivamente, não faz parte do meu show. Mas acho legal o cara dizer isto com todos as letras, assumir claramente a sua posição. Assim, o eleitor sabem em quem e no quê está votando. É diferente do que acontece aqui, onde os lobos se vestem em pele de cordeiro e mentem, mentem e mentem. Estelionatários eleitorais, todos eles.
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Barrigada - Duas semanas atrás a Veja estampou na capa uma ilustração do Tio Sam segurando um maço de dinheiro e a manchete: Eu Salvei Você. Além de louvar as "mentes brilhantes" dos jogadores de Wall Street, o panfleto minimizou a crise, que já estaria solucionada. Nesta semana, Carta Capital recolocou as coisas no seu devido lugar. Estampou a mesma ilustração e tascou a manchete: Ele Não Salva Ninguém.
Apesar de tudo, a gente se diverte.
Um abraço.
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