Monday, May 19, 2008

Por que perdeu?



Para quem vive nos Estados Unidos, a inclinação ideológica vê-se claramente ameaçada pela condição atual. Em alarde puramente justificável, a economia apanha dos preços do barril de petróleo enquanto o governo quase contempla usar de sua reserva nacional para, em manobra política, manipular o mercado temporariamente. Apanha da crise imobiliária que bateu mais um recorde de apossamentos de propriedades cujas hipotecas não podem ser pagas, e apanha também do preço e da escassez de certos alimentos considerados vitais ao desenvolvimento estadunidense, como o arroz ou o milho, agora também usado na produção do ethanol. Apanha pelo desemprego, e apanha pelo futuro do seguro da previdência. A população apanha sem saúde, e sem capacidade de comprá-la.

Em realidade, o partido republicano, ainda vivo, já não é mais o mesmo. Um movimento escancarado parece mudar a vida de estadunidenses, como se o país finalmente passasse a perceber seus pontos fracos nascidos das derrotas sociais dos últimos anos, e ao mesmo tempo não soubesse o que mudar, ou como. Familiar? Sim, e muito, não só ao Brasil, nem apenas a Israel, mas ao mundo todo.

Aliás, é quase impossível não recriar nestas páginas o questionamento filosófico, moralista e metafísico que constitui toda a humanidade no século XXI. Não é um século mais violento, mais racista, e nem um século mais pobre do que os demais. Tampouco foi o século XX, e portanto, culpar a mídia, a televisão e o cinema por modelar as mentes comercializadas do mundo moderno seria inútil e desenexado. É do pensamento humano, de sua estrutura ideológica, de seu comportamento que nascem os fantasmas eternos dos nossos enfrentamentos corriqueiros.

Logo, é cem por cento genuíno questionar a lógica esquerdista, como faz parte de nossa natureza não aceitar a filosofia direitista incondicionalmente. Também faz parte aderir a um grupo, procurar alguma identificação que nos constitúa e, talvez, muito do talvez, nos dê algum sentido guiado em vida. A maior questão é, qual desses dois faz mais sentido no mundo de hoje? Pois, pelo acúmulo de derrotas, pela geração desiludida filha dos desiludidos, a primeira opção tem mais pés. Está em voga duvidar, mesmo que da dúvida nasça a perfídia de não termos mais respostas fáceis, prontas, para nossos questionamentos mundanos.

P. perguntou (nos comentários do texto anterior) por que Clinton perdeu, e perde, em tantos estados a enfim culminar em sua “desqualificação à nomeação democrata”. Pois, P., há várias justificativas, mas verificar a realidade em todos os seus ângulos requer contatos que nós não temos, que eu não tenho, com a base eleitoral de Barack Obama, com os independentes, e, finalmente, com a própria base de Clinton.

Porém, posso oferecer alguns pensamentos ligados ao que o texto se dedica, a postura ideológica do presente. Logo, cito aqui dois dos principais motivos de sua derrota:

1 – A senadora por NY não é uma representante neutra do sexo feminino. No caso, Condoleeza Rice seria muito mais propícia para armar essa jogada, já que é apenas conhecida por mérito próprio. Hillary que, como citei no texto passado também é Rodham, é principalmente Clinton, todavia. Ou seja, é esposa de alguém que já foi, ex-primeira-dama, ligada à história presidencial das últimas duas décadas. Pense, por exemplo, na moça que disse que poderá votar pela primeira vez, desde que chegou à idade permitida, por alguém que não seja nem Bush nem Clinton. Esse anti-tradicionalismo virou moda, e isso é, em si, muito bom para o país, que procura realmente algo novo depois de anos de conformismo ideológico.

2 – Clinton decidiu cedo demais que sua vitória era inevitável, e que ela seria a melhor candidata ao partido democrata. Não que ela esteja errada, necessariamente, já que sua experiência contra republicanos e sua fama como primeira-dama lhe dão uma certa espinha dorsal que Obama, por ser mais jovem, mais inexperiente e de menos contatos internos, não possui. No entanto, Clinton não contava com a busca do povo por algo completamente diferente, uma busca que não se expressou nas eleições de 2004 e muito menos em 2000. Justamente quando pensava ter o apoio de toda a população, e quando pensava que o povo acataria sem maiores problemas a mesma estratégia gladiadora das outras eleições, foi surpreendida com a tradução do grito outrora exclusivamente Mexicano, o “Sim, se pode!” Quando atacou seu rival, foi crucificada. Quando inventou memórias inexistentes sobre a Bósnia, acusaram-na de querer fazer de tudo para conquistar a presidência. Mais do que isso, quando decidiu que os votos de Michigan e da Flórida repentinamente contavam mesmo depois de ter concordado com as regras prévias de seu partido, perdeu a confiança de muitos, incluindo eu, que pelo menos tinham fé em suas boas intenções.

No mais, P., Antonio Tozzi oferece outros motivos no Direto da Redação, dizendo que Clinton perdeu porque a mídia esteve ao lado de Barack Obama, e ele pode ter razão, então leia seu texto e contemple mais uma possibilidade.

O ponto central e indiscutível é que estamos em um período especial, que antecede uma onda astronômica que pode trazer boas ou más águas, ambas em intensas proporções. Na era do terrorismo mundial, onde grupos inconformados e marginais procuram ganhar cada vez mais espaço no modo em que conduzimos nossa política, a hipocrisia dos soberanos é desmascarada com maior facilidade por nossas novas tecnologias.

O que será, é ainda cedo para determinar. Esperanças altíssimas da vinda de um Messias eu não tenho a menor. Grandes positivismos, tampouco divulgo. Mas é indiscutível o impacto de Obama em um país cuja antipatia e indiferença vem crescendo de modo fatal e voraz há décadas. Algo mudará, isso é garantido. O que mudará, ninguém ainda sabe.

RF

2 comments:

Tânia said...

do jeito que as coisas andam vão arranjar algum escândalo para o Messias, pode apostar...Vão desencavar a históra com Maria Madalena, vão verificar as reunões com os apóstolos...
Enfim...
Começo a pensar que o mundo esta mudando, e não creio que seja para melhor!!!

Ps.: Sempre acreditei mais na Madeleine quena Hilary com seu pseudo carisma.

bjos

Jens said...

PQP! Ainda nos anos 60 os negros eram linchados e enforcados sumariamente nas cidades do Sul dos EUA (as frutas estranhas choradas por Billie Holliday). Martim levou um balaço por desafiar o racismo. Os caras levavam pau por querer estudar. Menos de 50 anos depois (uma titica em termos históricos) um negro tem chances reais de chegar a presidência dos EUA. Um negro chamado Barack OBAMA (nada de Smith, Peterson ou qualquer outro nome que remeta à herança maldita escravidão). De novo, PQP! Olha a dimensão da mudança, porra! O Império quer mudar para não sucumbir. Se Obama vencer, os próximos anos serão fascinantes. Ou vai ou racha! Deus Salve a América.
Bom estar vivo pra ver.
Como disse, Galileu: e no entanto se move.
Um abraço.