Wednesday, March 26, 2008

O Brouhaha da Mídia

Nos Estados Unidos, onde a mídia parcial também é capitalista e acaba se pluralizando nas mãos de variadas corporações e interesses distintos, podemos perceber o “brouhaha”, a zona, a bagunça que cria com maior nitidez. Porque as vozes não cantam apenas um hino, podemos de soslaio fisgar o furtivo movimento dos especialistas propagandistas nacionais. Um atacando e desmascarando o outro, enquanto o povo vive o deleite do entretenimento inconsequente. Sim, aqui jornais são puro entretenimento.

Na semana passada, o país inteiro testemunhou o “brouhaha” que telejornais e impressos fizeram em torno do reverendo de Obama, cuja igreja já não frequenta há anos, mas a quem jamais renunciou. Quando o candidato se apressou a dar um discurso dos mais maduros e diretos das últimas três décadas, o racismo como tema crucial à população estadunidense começou a ser discutido em maior profundidade.

Mas nossa querida mídia não descansou por aí. Ainda hoje vejo âncoras mencionando o reverendo Wright com a mesma pergunta, já respondida na semana passada: Por que Obama não se levantou e abandonou a igreja enquanto o reverendo falava mal de seu país? Enquanto questionavam as atitudes de Obama na MSNBC, na CNN o pré-candidato presidencial dizia a Larry King que nunca tinha ouvido essas palavras da boca do reverendo, pois há anos não frequenta a igreja, e desde que ouviu os comentários, já contatou o reverendo e procurou guiá-lo a um caminho menos agressivo.

Nessa semana Hillary Clinton deu um discurso dizendo que se lembrava de sua aterrisagem na Bósnia enquanto o conflito de Kosovo manchava a história européia com o envolvimento de Bill Clinton. Disse que lembrava de uma suposta cerimônia de recepção cancelada, e que teve de se agachar no desfile pelo aeroporto para evitar balas de franco-atiradores.

Não demorou muito e Clinton logo se desculpou. O vídeo de sua chegada ao país foi divulgado à época e novamente mostrado por todos os canais. Seu relato não foi apenas exagerado, mas mentiroso. Lá está a primeira-dama, sendo recebida por uma comitiva festiva, abraçada e beijada por uma inocente menina. “Sou humana,” disse Clinton, “para espanto de alguns. Também erro, e depois de relatar esse incidente por 12 anos, cometi um erro dessa vez, minha memória não foi a correta.”

Contudo, sua mentira ganha mais espaço do que sua verdadeira história política, seus planos à Casa Branca, sua persistência em uma corrida que vem perdendo, e todos os assuntos importantes aos estadunidenses. O mesmo ocorre com o conto de Wright e Obama, não se trata do que mais nos importa como moradores e pagadores de impostos do país.

Quando Obama deu seu discurso sobre a raça, o ódio racial e as diferenças sociais, tratou do tema como copiosamente mencionado, não só aqui, com uma maturidade há muito inédita. Elevou o debate e levou pontapés e socos infantis pelo seu comentário em relação à sua avó branca: “Não posso renunciar (a Wright) como não posso renunciar à minha avó branca,” de quem ouviu comentários racistas sendo ele um negro em uma família mista. Esses ditos geraram ainda mais controvérsia do que o próprio Wright.

O âncora comum prefere discutir por que Obama não usa um broche com a bandeira dos Estados Unidos ao peito, procurando seu anti-patriotismo. A maioria adoraria saber a cor da cueca de Obama.

As especulações não se bastam, e o maior dos perigos ainda há de vir: A mídia ainda trará problemas aos democratas, ou aos republicanos, ou aos americanos, ou ao mundo todo se não começar a observar, reportar mais e causar menos.

Barack Obama e Hillary Clinton têm cada uma de suas palavras, cada atitude banal, cada arroto especulado pela mídia. Os verdadeiros assuntos são tratados sob a luz da divisa entre o que é um candidato e o que é outro. John McCain recebe menor atenção e, de tão acostumados ao mal-falar e as picuinhas dos democratas especuladas pelos jornalões e jornalzinhos e médios jornais populistas, eleitores dizem-se majoritariamente favoráveis a alguém que nem conhecem, que pouco ouviram falar, especialmente no palanque decidido dos republicanos, e indeciso de seus rivais.

Sempre fui da opinião que endossar candidatos não é o mesmo que endossar causas. As causas deveriam repercutir mais do que seu apoio a um candidato. Assim, para mim, pelo menos, soa mais iludido aquele que se diz “lulista” ou “malufista” roxo, do que o hippie que abraça a causa de um planeta mais limpo. Esse “brouhaha”, minha gente, é feito para vocês, e cada país tem o “brouhaha” que merece. O mesmo digo da profissão do jornalismo: Gostaria, como repórter, de jamais cair na tentação de fazer história, apenas reportá-la.

RF

PS: “Brouhaha” não precisa de tradução, e foi a palavra que escolhi dos cinco idiomas que conheço para classificar essa zona.

2 comments:

Tânia said...

Interessante como a má mídia não prima mais por somente informar, mas sim querer que tomemos partido.
Como profissional da área de marketing digo que não me atrai o rumo que a informação tomou...
Notícias são manipuladas, dstorcidas ou carregadas de "achismo"!
Não sou ingênia em querer parcialidade (eu mesma não consigo ser parcial quando estou brigando por algum lado; jogo do flamengo então esta palara não existe...é flamengo e ponto), mas descarada também já é exagero!

bjos Roy

Vais said...

Olá Roy,
'Sempre fui da opinião que endossar candidatos não é o mesmo que endossar causas.'
Isto que você escreveu é bem interessante, em alguns casos poderia, deveria e alguns conseguem, ser mais diferentes, pela trajetória de vida e luta de alguns que se elegem, governos menos contraditórios, menos rendidos, não é fácil, e penso que é aí que entra a força dos movimentos, e quando esta força é ignorada, eles vão pra rua, assim mesmo.
'As causas deveriam repercutir mais do que seu apoio a um candidato.'
Vejo que de certa forma é o que acontece, pois muitas mudanças ocorreram, ocorrem através de grandes pressionamentos vindos dos movimentos organizados que trabalharam, trabalham formação, e independente dos governos, não há volta e muita gente não está aguentando mais e elas estão indo pras ruas.
Escutei hoje no rádio sobre o lance com a Hillary, dizem que mentira tem perna curta, lembrei foi da música do Biquine Cavadão, Múmias,
'Errar não é humano
Depende de quem erra
Esperamos pela vida
Vivendo só de guerra...'
Até.