Monday, March 17, 2008

Monstros e Mariposas

Se a próxima primária democrata será realizada em apenas cinco semanas, o ambiente politico parece procurar batatas quentes para empolgar os ânimos de potenciais desinteressados eleitores agora mesmo. Explico-me e calmalá:

Muitos se questionam se o embate semi-civilizado entre Hillary Clinton e Barack Obama levará o partido Democrata à falência antes das eleições gerais de Novembro. Isso se deve ao prolongamento sofrível de uma campanha pré-presidencial democrata, enquanto John McCain pode dar seus pulinhos pela Europa e sossegar, tragando todo o dinheiro que chega ao seu círculo pelos simpatizantes republicanos.

Na semana passada, duas campanhistas democratas foram forçadas a retirar-se da campanha de Obama e Clinton respectivamente. Samantha Powers, em entrevista a um periódico escocês, chamou Clinton de “monstra” e depois tentou retirar o comentário estabelecendo que o mesmo fora dito “off the record” (entre apenas a jornalista e a entrevistada aos que não se familiarizam com o clichê estadunidense). O comentário foi algo como:

“Sabe, a Clinton é um monstro além de tudo,” etc.

Na semana seguinte a selecionada à vice presidência de Walter Mondale em 1984, Geraldine Ferraro, cometeu a gafe estratégica de dizer que Obama estava onde está por ser quem é (negro), e que tem muita sorte de sê-lo. O furor por parte de eleitores, especialmente o provocado por certos anais midiáticos, gerou a polêmica e o debate sobre o tema central* dessas eleições, a raça e o gênero dos candidatos, algo que ninguém, ora assim constatou-se, consegue tirar da mente.

Para quem acusa Ferraro sem direito a defesa, faça-o considerando antes o fato de que ela admitiu ter sido escolhida por Mondale por ser uma mulher, e que ela bem entende que as mulheres tem evoluído muito desde então, mas que naqueles tempos não foram os direitos iguais que a ataram ao cargo, mas sim uma estratégia popular.

O mesmo pode muito bem ocorrer com Barack Obama, o que quiçá se reflita sob uma luz pouco menos inocente e mais objetiva. Poderiam escolhê-lo por ser negro, e assim sacodir os conceitos da candidatura presidencial, como ocorre de tanto em tanto e acaba em "pizza", para todos os fins.

Dessa vez, porém, uma mulher concorre à nomeação do mesmo partido. Tanto o gênero desafiado e lançado politicamente em 1984 com Ferraro, quanto a raça lançada com Al Sharpton e Jesse Jackson há mais de três décadas, culminam em uma campanha delicada, onde qualquer frase, qualquer referência pode ser acatada como racismo ou sexismo.

Samantha Powers foi indelicada e inexperiente, até um pouco inocente demais para a política. Talvez há jornalistas que respeitem o sujeito e trabalhem com sua inocência, mas a maioria estabelece antes da conversa iniciar que a entrevista não pode ser em “off”, e que cada expressão pode ser gravada desde que não mudada e de contexto fielmente reproduzido. Claro que se, no meio da conversa, surgir um assunto cujo entrevistados sintam-se obrigados a pedir um “off the record”, pode haver um reestabelecimento e uma excessão ao caso, mas isso precisa ser confirmado antes do dito ser dito. Powers foi a maior indelicada, e afastá-la mostrou-se até produtivo para Obama, tanto quanto foi prejudicial sua gafe.

Ferraro, por outro lado, ao afastar-se elevou os ânimos de ambos campos e acabou abrindo a porta para maiores críticas republicanas. Como não era subsidiada por seu trabalho, a escolha de sair da campanha por maiores pressões sofresse foi sua, e a imagem de Clinton perdeu por dois lados, enquanto Obama pode ser apenas acusado de oportunista, o que mal lhe cabe e desilude de qualquer maneira. A senadora de NY perdeu por ter se distanciado dos comentários de Ferraro, mas também pelos próprios. Ferraro jamais pediu desculpas, e julga o tratamento abominável para com seus ditos e trabalho.

Há muitos que a acusem de racismo. Eu não diria que Ferraro é racista, mas sem dúvida alguma foi insensível, o que não deixa de lhe render a mesma personalidade que permite outros formadores de opinião dizerem o que quiserem. Foi honesta, trouxe uma opinião válida à mesa de debates, que poderia ser contestada como fez o jornalista José Inácio Werneck no Direto da Redação do dia 12 desse mês:

“Barack Obama, filho de um estudante universitário queniano - que depois abandonou sua amada branca e morreu em um desastre automobilístico em sua terra natal - foi criado, sem muitos recursos, em parte por sua mãe e seu padrasto indonésio e em parte por seus avós maternos.

Apesar desse início pouco promissor, formou-se em Ciências Políticas pela Universidade de Columbia, colou grau de Doutor em Direito, magna cum laude, pela Universidade de Harvard, foi o único negro eleito presidente na história da Harvard Law Review, foi professor de Direito Constitucional na Universidade de Chicago, senador estadual em Illinois, senador federal pelo estado de Illinois, selecionado, por sua eloqüência, para fazer o discurso principal (key-note speech) na Convenção Nacional do Partido Democrático, em 2004, que escolheu a chapa John Kerry/John Edwards para concorrer à Presidência da República. Lidera no momento as primárias democráticas para a eleição presidencial de 2008, em votos populares, em número de estados e em número de delegados.

Um impressionante currículo, dirão todos. Ou quase todos.”

(José Inácio Werneck, Direto da Redação, 12/03/2008).

No entanto, dando espaço aos comentários “realistas” de Ferraro e a resposta bem articulada de Werneck, ainda devo conferir uma certa justiça à atribuição de mal gosto. Eleitores são então explorados como manequins de cores e sexos diferentes para chegar ao mesmo fim interesseiro?

Tendo a, infelizmente, conceber esta possibilidade mais do que outras. O fato é que qualquer ataque de ambos campos é, equilibradamente, levado ao lado do preconceito. Não há muitos temas mais sensíveis e relevantes aos cidadãos dos Estados-Unidos. Desde terrorismo e imigrantes ilegais, a imigrantes legais e segregação racial, a sensibilidade jorra de fraturas expostas*.

Clinton e Obama não se degladiaram ainda como republicanos e democratas fazem nas eleições gerais, ou quando surge a menor oportunidade. Mesmo assim, sua disputa pode ferir eleitores de todo o país em uma separação ainda maior de bases ao invés da união que Obama profere e Clinton compreende dever procurar.

Nesse meio-tempo, McCain, que tem muito a responder por seu partido e por suas intenções, ganha tempo e espaço para reforçar sua base e levantar fundos à campanha geral, se é que esta não acabar financiada por fundos federais (assunto que não discuto aqui por ter sua vida própria). Todos queremos acreditar que o melhor ainda está por vir. Duro seria pensar que vem o pior em seu lugar.

RF

1 comment:

Jens said...

- Monstra!
- Negrão!
Depois dizem que os gringos são diferentes de nós. Bobagem. No fim o que decide as eleições são os sentimentos mais primários das massas ignaras. (É, hoje não tô muito bom dos cornos).
Um abraço.