Quem assistiu o filme “Obrigado por Fumar” (“Thank you For Smoking”, Jason Reitman, 2005) pode ter ouvido e compreendido a palavra “Spin”. Para quem não captou, a palavra significa “giro”, “virada”, “volta”, ou em termos expressivos torna-se o ato de revirar “a verdade” usando fatos verídicos, uma arte que políticos, advogados, lobistas e especialmente jornalistas dominam.
Nessas eleições de 2008, a quantidade de “spins” que encontramos nos noticiários, tanto da parte de políticos e seus assessores de imprensa quanto da parte de jornalistas e demais especialistas, é realmente assustadora. Mesmo assim, parte da mídia dos Estados Unidos entra em conflito consigo mesma, ou seja, canais contra canais, jornais contra jornais e, em se tratando de política, políticos contra políticos.
Entre esses, parte dos telejornais e radialistas está perdendo sua influência, e muitos querem acreditar que isso beneficia o povo. Meu “spin” particular é tentar esclarecer exatamente o que isso significa no contexto eleitoral, assim dando ao leitor brasileiro uma idéia do que ocorre na política e jornalismo dos Estados Unidos.
Fox News
Para Keith Olbermann, âncora do programa “Countdown” da MSNBC, a Fox News é chamada de “Fixed News” (Notícias Fabricadas) ou “Fox Noise” (Barulho da Fox).
Pela primeira vez desde a candidatura de George W. Bush, a Fox News perde sua influência conservadora perante telespectadores cada vez mais escassos.
Além da recusa dos candidatos democratas a participar em um debate transmitido pela Fox, como bem lembrado no Diário Gauche, a emissora sempre foi – e segue sendo – contrária à nomeação de John McCain, e o segundo maior odiado pelo canal seria Mike Huckabee. Ou seja, os dois políticos que jamais poderiam conquistar a nomeação, de acordo com a Fox de Murdoch, são os únicos que permanecem na corrida.
A emissora é acusada de manipular os resultados das eleições do ano 2000, a famosa Bush v. (Al) Gore, mas esse é apenas um dos inúmeros erros propositais e acidentais que o canal divulga diariamente. Um dos mais recentes foi a afirmação casual de que Barack Obama teria sido educado em uma “madrasa”, ou seminário muçulmano, tendo também crescido como muçulmano, conhecido como Barack Hussein, tão somente, pelos ultra-conservadores. O erro mais recente foi o título eletrônico de John McCain enquanto discursava para uma base mais conservadora de seu partido na esperança de atrair eleitores mais conservadores. Nesse título, McCain foi denominado de “D-AZ”., ou seja, Democrata do Arizona.
Rush Limbaugh, Sean Hannity, Bill O’Reilly, Lars Larson, Glenn Beck & muitos outros
Quando a Fox, especialmente o âncora Bill O’Reilly, entrevista algum democrata ou opositor idealista, a entrevista transforma-se em um massacre. O entrevistado recebe pouco tempo para reagir, e as opiniões de três contra um geralmente abafam qualquer chance à formulação e expressão do ponto de vista contrário.
Nesse mesmo modelo, Dan Abrams, também âncora da MSNBC, debateu com dois de seus companheiros contra o antes influente Lars Larson sobre a credibilidade de todos os programas conservadores que não conseguiram evitar a nomeação de suas últimas opções à nomeação.
Larson diz que seus ouvintes não são seres robóticos, e que muitos já sabiam em quem votariam antes sequer de ligar o rádio e encontrar a frequência de seus programas. Nesse mesmo modelo de três-contra-um, no entanto, Larson conseguiu se expressar e formular o argumento que ele e seus colegas jamais permitiriam a um democrata.
Abrams contra-argumentou que a influência de O’Reilly, Glenn Beck (da emissora Headline News), e mais especificamente a influência de Rush Limbaugh, o radialista ultra-conservador dos ultra-conservadores, já foi maior. Atualmente, apesar da constante campanha contra John McCain e Mike Huckabee, são esses os únicos dois candidatos à nomeação presidencial. Ron Paul jamais teve a menor chance, mas tampouco seria a primeira escolha dos republicanos pró-guerra, muito pelo contrário.
Larson disse que os resultados não refletem a vontade do partido republicano, e sim a participação de eleitores independentes e republicanos moderados. Nesse caso, Larson tem toda a razão. McCain jamais conquistou sua base, pelos motivos que ainda delinearei adiante. Não foi particularmente bem nos distritos e estados cuja participação nas urnas era direito exclusivo de afiliados republicanos.
O fato é que a credibilidade da Fox News decaiu como nunca, seus constantes erros e sua tática terrorista em suas entrevistas e fabricações noticiárias estão lentamente empurrando o canal à marginalidade, e os radialistas Rush Limbaugh, Lars Larson, Sean Hannity, Melanie Morgan, Laura Ingraham, Bill Cunningham, Mike Gallagher e muitos outros não conseguiram influenciar a opinião pública com seus “spins”. Não conseguiram apelar a mais do que a mesma base republicana que já concorda com os assuntos debatidos antes mesmo, fazendo um “spin” das palavras de Larson, de ligarem o rádio.
“O New York Times” e a Mídia Democrata
Larson também afirmou que o endossamento do New York Times a John McCain atraiu a opinião pública a seu favor. Porém, leitores republicanos não estão inclinados a concordar com o editorial “d’O New York Times”, e sim, são conhecidos como seus maiores rivais.
Mesmo assim, a influência de um dos mais importantes jornais do planeta é aparente. Sendo a escolha mais democrática entre os pré-candidatos mais populares, McCain acabou perdendo ainda maior credibilidade de sua base.
O senador pelo Arizona, todavia, disse que muitos conservadores o endossavam, e que “O New York Times” não importava em grande escala. Estava errado, aparentemente, e talvez seja melhor que realmente passe a tentar apelar a uma base democrática, a verdadeira influência em seu partido.
Por que ultra-conservadores odeiam John McCain?
Porque McCain foi o único senador a votar contra o corte de impostos da administração bushista. É um dos principais formuladores da legislação que favoreceria a estadia de imigrantes ilegais no país, contanto que as fronteiras fossem antes fortalecidas. Mesmo sendo pró-guerra, e ainda tendo dito que o exército dos Estados Unidos poderia permanecer no Iraque por “100 anos”, McCain é considerado liberal por ser contrário à base de Guantanamo e a rede de detenções do “Ato Patriota” de Bush, e por ser contrário à tortura de prisioneiros terroristas, talvez até mesmo por ter sido fisicamente um, denominado terrorista pelos inimigos viatnamitas.
Há conservadores que já admitiram: Caso McCain seja nomeado, farei campanha por Hillary Clinton.
Logo, só posso concluir meu “spin” dizendo que:
1 – O argumento conservador vem desaparecendo, apesar de que todos os candidatos republicanos o sejam. Isso não siginifca que o conservadorismo está acabando, mas que está mudando. Apesar de ainda haver grande discórdia em assuntos cruciais como o direito ao aborto ou o casamento entre pessoas do mesmo sexo, ambos acarretando problemas sociais mais graves, a base ultra-conservadora parece-se cada vez mais a um bulldog latindo incoerentemente.
2 – As chances dos republicanos nessas eleições são ínfimas. Nenhum de seus candidatos era a primeira verdadeira escolha do partido. Vale Lembrar que Mitt Romney, que desistiu ontem da corrida à nomeação, era odiado por sua riqueza, e criticado por ter governado em Massachussets com uma campanha moderada, e ter mudado inúmeras vezes sua posição em dilemas republicanos cruciais.
3 – Independentes e simpatizantes não afiliados têm maior papel nessas eleições. Talvez seja a comunicação e sua tecnologia, ou talvez seja a educação – que não vem dando os melhores resultados – mas a verdade é que Lars Larson tem razão, seus ouvintes, ou não-ouvintes, não são seres robotizados.
4 – É um tesão cobrir essa eleição, justamente por isso.
RF
PS: Eu “endosso” Barack Obama.
Friday, February 08, 2008
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5 comments:
Roy, a grande imprensa vem perdendo credibilidade em todo o mundo, né mesmo? E fico imaginando o que isso não significa em termos de prejuízo financeiro para esses megaconglomerados de mídia norte-americanos. Se bem que não é nada que abale a fortuna desses caras...
Acho que seria interessante você fazer um apanhado do que estão escrevendo os principais blogs políticos dos EUA (fiquei sabendo que são milhares).
E tomara que a sua avaliação esteja correta e que a "base ultra-conservadora pareça-se cada vez mais a um bulldog latindo incoerentemente". Um abraço.
Putaquiupariu, excelente Roy. Excelente.
Legal ver que a imprensa, aí, manipula, sacaneia, mas recebe o troco de outros órgãos da mesma imprensa. Aqui, em Brazuca Country, o que vigora é o partido único, na grande imprensa. São todos canalhas, com a exceção da Carta Capital do Mino Carta e blogs de caras bambas como o Luis Nassif (aconselho vivamente a leitura do Dossiê Veja, que ele está publicando). Nos EUA é diferente: pau que dá em Chico também bate em Francisco, em rede nacional. E o eleitorado não é trouxa. Aqui também não é. Caso fosse, Alckmin, o candidato dos barões da mídia, teria ganho a última eleição. Certo, o metalúrgico, na nossa opinião "esclarecida", não era uma opção tão melhor assim. Mas qual seria a alternativa, fazer uma revolução? (É fácil, quando os outros é que têm que lutar. O povo pobre sabe o que é melhor para si, dentro das circunstâncias que lhe são apresentadas).
Coxuda, a tua cobertura.
A propósito, tem um livro tri-antigo do Mailer (esqueci o nome) quando ele cobriu as primárias de Chicago e de uma outra cidade. Reportagem literária no estilo do Norman, sempre nas barricadas, tomando posição. Li nos anos 70 e lembro que é do caralho. Procura aí nos sebos de Miami. Acho que vais gostar e é interessante para o teu momento profissional e existencial.
Um abraço.
Pessoais,
Halem - Justamente pelo que o Jens conclui do texto, eu tinha ate agora apenas me baseado na imprensa escrita e televisionada pelas grandes empresas. Porque existe esse confronto explicito, a "verdade" e melhor favorecida em uma analise igualmente parcial a ambos lados. Mas sua ideia e brilhante, e eu realmente nao tinha pensado nisso. Pesquisarei e lerei o que encontrar. Reporto em tempo.
Jens, obrigado pelas boas palavras! Procurarei a literatura de Mailer, sem duvida alguma.
abraxao
RF
Toda esta dança eleitoral torna-se por demais exaustiva. É muito detalhe difícil de ser acompanhado.
Cadinho RoCo
Cadinho, muitas vezes nem eu entendo, 'oce ta bem acompanhado! Abrax,
RF
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