Monday, July 30, 2007

O Segredo de Minha Irmã

“Enteder o quê?” Levantei-me de uma só vez afastando seu corpo e suas mãos estendidas da proximidade de minhas coxas. “Você? Íntima de Jurandir?”


Vigesima-Quarta Parte


“Caçá... Jurandir não é quem você pensa. Não é o demônio que você pintou. Nunca foi...”

A barafunda fazia-me cadela. Janaína passara pela soleira, pelo arco-da-velha como minha heroína, proporcionadora inata de prazeres extra-fraternos, sensuais, plenos. Quando procurei enamorar-me, quando tive tempo, procurava alguém de suas feições, alguém de suas intenções e qualidades. Procurava semelhança até mesmo nos defeitos. Agora, minha irmã adotada defendia o Porco que taxava o que não lhe pertencia, que predominava com seus produtos na hora de negociar com a prefeitura, que lucrava com seus associados e Joelmo, donos de construtoras, na hora de construir inutilidades governamentais, que unía-se ao corrupto prefeito para ditar o que deveria decretar... Que reprimia a marginalidade, mas não fazia menos feio. Defendedendo a Jurandir... Defendendo o porco que violentou minha mãe postiça...

“Jurandir é teu pai...” Engasgou-se Janaína. Não tinha certeza, ainda, do cataclismo que ronronava pérfido em meu íntimo ao, lentamente, digerir estas palavras. Logo, passei a ter toda a certeza do mundo. Conto que morri por alguns segundos. Conto que tardei a ressuscitar.

É ouro dos tolos, ou outro desvalido, e é quem eu sou. Naquele momento ainda não sabia disso, mas comecei a suspeitar por vãos motivos. Pensei nos tempos vividos, nos tempos esquecidos relembrados, e em tudo o que me valia de mais sacro. Janaína me contava algo que não se bastava em si. E eram as consequências vindouras as que mangavam-se de mim. Bem provável que não houvesse inimigo a Jurandir maior do que eu. Era um escárnio da vida? Digamos assim, a que melhor se entenda meu dilema em lemas filosofais: o que me doeu mais, qual foi meu maior combustível: testemunhar o estupro da mãe Úrsula, ou o penoso fato de eu me importar?

É ouro dos tolos... Sofri a dor de uma inspiração rebelde, e inspirei a rebeldia. Fácil com um povo tão pequeno, tão aconchegado e acostumado. Costume que, como o sangue da fertilidade, faz-se escorrer pernas abaixo a manchar a Terra com a palma das sôfregas mãos da lavoura materialista. Costume que conforma, mas que traz consigo logo um inconformismo insustentável à consciência misericordiosa. Nesse inconformismo encontrei-me e encontrei-me nos outros. Falando bonito: Escolas... Hospitais.. Não aos abusos... Não ao feudalismo... Não à vitimização dos que não são responsáveis... Justo em cidade pequena? Está certo, compreendo, que na miséria de um vasto mundo um Sarney torça suas vítimas. Certo, ainda, que na chaminé urbana de São Paulo possa viver um Maluf, roubando e fazendo-se. Mas, logo aqui? Em uma cidade abandonada, em nome de uma santa que nunca foi virgem, apagada dos mapas de nosso estado, às orlas de um córrego pacato, inaudivel? Dane-se... Porque para mim o que valeu foi a dor da impotência, de ser moleque, de não ter peitado o safado na hora de seu motim indecente. A provocação apenas serviu-me em propósito único: vingar-me de Jurandir, mas bem acompanhado. Isso porque sou covarde, e ninguém há de negá-lo. Coragem foi a que criei com os desenhos de João dos Rosários, com as habilidades furtivas de meus incólumes comparsas, porque atrás deles, usando de suas sombras e de sua simplicidade, com a ajuda da boa Maria de Boiól, atrás deles eu criei crista.

Criei peito... Na hora de chorar, mais coragem precisei do que em qualquer outro dia de minha vida. Janaína tratou-me sempre tão bem, sem excetuar aquele momento tão frágil. Soube não dizer nada mais do que pude suportar, e soube compreender que sua vinda sustou por si uma avalanche de memórias trancafiadas nas costas do cérebro. Enquanto enxugava minhas lágrimas, Janaína pedia que eu me acalmasse, que contaria tudo se eu quisesse saber. Apenas se quisesse saber...

Foi exata e auspiciosa a pergunta que me ocorreu. Lógica, alguns dizem. Para mim, pois, a foi.

“E quem é minha mãe?”

2 comments:

Jens said...

Quem? Quem? QUEM?

Again and Again said...

pelamordedeus, continua logo, eu tenho uma suspeita...
plisssssssssss, naum enrola.
bjs
Ophélia