Saturday, May 12, 2007

O Segredo de Minha Irmã

”Tem mais, Caçá...” Dizia Janaína, enquanto eu segurava os braços da poltrona e quase desmaiava.

Décima Segunda Parte

Foi quando me ocorreu que tudo o que fizemos em quadrilha nas noites de Santa Maria fora apenas desfaçatez de meu sangue. Eu era adotado, bicho do mato, tive ímpeto de fazer besteiras depois de testemunhar besteiras, porque também me ocorreu que, se aquela dona Úrsula não fosse mãe minha, o que diabos poderia me importar que a violentasse um Jurandir ou um Joelmo, ou qualquer outro oficial filho da puta. Ocorream-me coisas que nunca antes havia pensado ou imaginado, mas dos pensamentos assombrosos eu ainda poderia me livrar. Com aqueles olhos doces, aqueles ternos dedos dedilhando o ar, cuidando para que as vocalizadas ondas sonoras não se desmanchassem ou esfarrapassem, evitando que se tornassem agudos e me perfurassem. Ora essa, eram os sentimentos que secavam minha garganta, coçavam minhas narinas inundando meus olhos. Raiva, pela mentira. Agouro, pela verdade.

Quando João dos Rosários declarou-me fidelidade, declarei-lhe irmandade. Depois de muitas sinistras reuniões, esqueceram-se meus livros dando lugar às imagens mundanas de nossa cidade. Toda aquela paz e todo aquele conformismo não conseguiam esconder o sentimento da marginalidade, mero sintoma conseqüente do sofrimento da desperta população. Organizamos nossos botes, Vicentinho, Gonzalo, Paulão e Miguel, eu e João dos Sete Mortos. Agnaldo fez par com Boiól, e armamos um esquema interessante para os dois mais espertos da turma. Paulão, nosso guarda-costas. Gonzalo sacando a matemática de todas as nossas ações. Vicentinho e Miguel, nem preciso dizer, ocupavam-se nas menores utilidades. João dos Rosários perguntou se eu queria a cabeça de Joelmo, com quem ele tinha uma richa pessoal. Respondi que não seria necessário. Eu delineei os passos, tracei os planos e arrumei os horários.

Saíamos, como sempre, fartas horas noite a dentro. Cada qual teve seu plano, cada qual sua função. Foram cinco fases, e eu me lembro de como cada uma concebeu-se em minha mente, como cada qual fecundou-me os pensamentos e em que tão perfeita forma executou-se.

“Você está bem, Caça?” Eu não pude me conter... Abri o berro e comecei a chorar como criança, como chorava quando batia o dedo em martelo ou trupicava em pedregulho, como quando era apenas menino e Janaína me socorria. Ao que abri meu berro, ela se levantou da almofada e correu ao meu encontro. Abraçou-me, e eu não queria deixar-me abraçar. Afastei suas mãos e cobri meus olhos, mas ela persistiu, puxou meu rosto com as duas mãos e mandou que eu me virasse, que a encarasse, que entendesse que a verdade era agora necessária, que não me queria foragido, que queria que eu voltasse para casa porque a mãe adoecera.

“Ela não é a minha mãe!” Bravejei.

“Não, mas sempre foi. Não é, mas sempre esteve, não só contigo, mas comigo também. Eu sei que dói, eu sei, dói em mim também,” e ela chorava ao meu passo, mas firmemente, como quem sabe que seu choro é merecido e não precisa nem faria sentido que sucitasse embaraço, “mas agora quem precisa de ti é a mãe, que quer que você volte logo desse isolamento besta.”

E eu não sabia, não tinha o mesmo conhecimento quando me isolei, mas nenhum motivo, nenhuma informação me serviria de melhor desculpa para nunca, mas nunca mais voltar, mesmo que dona Úrsula morresse clamando por meu nome, pedindo minha fútil presença, que ela morresse logo para que eu nunca tivesse que voltar a ver-lhe a face enrugada.

2 comments:

Felippe Fiori said...

estou linkando seu blog ao meu, me perdôe por nao ler, mas estou sem tempo mesmo, trabalho + facul + namorada, já vio! =\ abração!

Anonymous said...

Fazendo gato e sapato com a técnica literária, hein malandro?
Esconde, revela um pouquinho, esconde de novo, promete... e vai cativando a atenção do leitor. Estou irremediavelmente preso. Vou acompanhar esta aventura até os quintos dos infernos (e sextos e sétimos, se houver). Seja o que o autor quiser.
Um abraço.