Monday, May 07, 2007

Longa Resposta ao Jens

Jens disse

Roy:

Não acredito que os conflitos no Oriente Médio venham a ser solucionados algum dia. É muito ódio, um ódio milenar.
Falando sério: não consigo entender de onde vem essa bronca com os judeus - e não só da parte dos palestinos, o anti-semitismo é um sentimento espalhado pelo globo terrestre, em diferentes intensidades. De onde vem essa raiva essa não-aceitação do outro? Podias fazer um post abordando a questão.
Um abraço.


Acabei de acordar, digamos. Mesmo que meu galo cante às quatro, quando me levanto e encontro formigas escalando a batente da porta do banheiro, eu por mim ainda não me despertei. Não sei como amanheceu Israel, Jens, assim que falarei em termos gerais, como mais valho.

Sei apenas que Nicolas Sarkozy venceu e a França se tornou da tarde para a noite um país mais conservador. Penso que nós dois sabemos que esse detalhe não nos interessa muito particular, apenas geralmente, e portanto voltamos às generalizações. No caso, da tendência da raça humana, como uma das inúmeras espécies animais, de se aglomerar em pequenas mazelas (ou tribos, ou vilas, ou cidades) e formar culturas específicas, e através da fundação de seus pensamentos e da perseguição de seus valores, criarem as chamadas sociedades. Essa é uma tendência geral, aglomerar-se, distinguir-se e assim recriar um mundo de idéias e conceitos expressados nas leis e na conduta popular, espelhados nos canais de comunicação (o que se diz é tão importante quanto o modo que é dito) e na opinião pública. Fatalmente, é essencial a separação para que haja distinção, e nessa separação criam-se as fronteiras e as guerras, mesmo que sua existência não seja vã. Até há pouco tempo, não se podia imaginar o que hoje se vê diariamente por consequência direta da globalização. Antes da explosão global – que ainda cozinha e deve estourar com maior intensidade no futuro – as segregações eram necessárias por muitos motivos dados e pensados, dos quais apenas citarei dois de minha própria reflexão imediata:

1 – Não se conhecia o outro.

2 – Não se podia lidar integralmente com o próprio, como exigir-se-ia que lidassem com o outro?

Assim nasceram milhares, milhões de sociedades que, como bactérias, ou melhor, como cardumes de peixes, como segmentos símios, como meras baratas, entre conflitos sangrentos, comerciais e políticos, explodiram no que hoje em dia chamamos de mundo. Veja que não evito a palavra “civilização” ao acaso. Antes de abordar sua pergunta, Jens, é importante que percebamos como esse “mundo” se criou e como se recria a cada dia que eu, tu, ele, nós, vos e eles aceitamos nossa auto-programação a aceitar diariamente a mesma realidade. Você e eu sabemos que não se trata de ver gnomos ou fadas, e que se meu senhor é Jesus ou se minha deusa é Afrodite de nada diferenciará o que quereriamos mudar se realmente pretendemos um mundo melhor aos nossos decendentes. O que nós queremos mudar não é a aglomeração ou separação, e sim a justiça. A justiça social, conforme é dita…

Pois bem, Jens, os judeus sofreram por todos os lados as perseguições mais torpes do planeta por serem judeus. Quando uma pessoa em uma festa começa a fazer birra e sai brigado com todos os demais convidados, automaticamente sabemos quem precisa se desculpar. Essa é a lógica intuitiva imediata, mas é também imediatamente ignorante, do mesmo modo que a opinião das massas tende a ser a mais imbecíl. Afinal, caso soubéssemos que os judeus causaram tanto mal quanto, por exemplo, os cristãos ferrenhos que seguiam as vontades da monarquia espanhola e portuguesa à época das inquisições, ou os cavaleiros das cruzadas, ou os caçadores de bruxas na América do Norte, ou os alemães nazistas, ou os antigos egípcios (dos quais os hebreus foram escravos, e a roda do destino vira e revira), colonizadores europeus, ou índios Maias, sudaneses ou os angolanos ou os afrikanners ou chineses comunistas; caso soubéssemos que o judeu, como convidado especial dessa festa de representantes diversos da espécie humana, causou “pior” mal à humanidade do que apenas um desses mencionados, até concordaria contigo, caro Jens.

O fato é que entre aglomerações e separações, os povos semitas abordaram – por lei, algo que vem mudando com a própria globalização – uma atitude similar: não se comprometem em negócios; não se casam; não fazem favores a não judeus/semitas (árabes também são assim). Já ocorreram alguns casos específicos de negligência e preconceito entre judeus europeus e judeus mediterrâneos (o melhor sangue é o europeu, Jens, fale a verdade), mas foi uma verdadeira excessão se comparada à minha particular experiência parentesca e tradicional com os judeus de minha vida e a história que conheço da boca de meus diretos companheiros, familiares e amigos. Confesso que me afastei da comunidade, mas isso porque me identifico, atualmente, mais com a merda da raça humana do que com o ser judeu. O fato é que hoje é hoje, cinquenta anos atrás foram cinquenta anos atrás, e há cinquenta anos atrás a separação chegou ao seu auge com a Segunda Guerra Mundial e o holocausto de judeus, negros, homossexuais, servos e eslavos, canhotos, deficientes físicos, homens, mulheres e crianças. Nessas épocas, a desculpa foi a mesma de sempre: o judeu é diferente, o judeu não se importa com a situação do mundo, apenas consigo, o judeu tem sua própria religião, casa entre si, faz negócio apenas entre si e… E, cargas d’água, o quê? Os canhotos, as lésbicas, os eslavos e os negros tinham seus motivos para a consideração inferior. Algum deles fazia sentido?

Encerro então, Jens, perguntando qual outra sociedade, qual outro habitat da espécie humana abrigou melhor aos seus súditos do que os judeus abrigaram aos demais? Qual outra espécie foi mais solidária entre si? Onde estão os egípcios, Jens, e os romanos, e os grandiosos gregos? Onde está o esplendor da evolução muçulmana atualmente? Como tratam os políticos árabes aos seus súditos? Diga-me, Jens, cadê Ottomanos? Onde estão nossos índios (mortos por judeus?)? Onde estão os Persas? Apenas pergunto porque quero saber qual desses povos tratava melhor aos seus próprios do que os judeus, e onde se encontram atualmente? Extintos… Se não esquecidos, apenas lembrados…

Agora me diga que os negros se amam, entre si, ou que amam aos brancos, e que os protestantes sempre toleraram os asiáticos, e que os asiáticos sempre amaram os católicos apostólicos romanos… Ou seja, existe uma dicotomia desnecessária aqui: não são os judeus os únicos odiados por todos, todos odeiam-se entre si o suficiente.

Por isso, Jens, indignei-me com algumas coisas ditas por alguns de meus heróis, mas isso passa. Se Wilde, Shaekspeare, Disney, Amado e alguns outros eram um tanto quanto anti-semitas, é porque conectaram a idéia da burguesia, do controle do mundo, da paranóia universal hitleriana com o ser judeu. Amigo, na sinceridade e sem sacanagem. Nego acredita em papai noel, brother. Nego acredita na Virgem Maria ainda. Você ainda me pergunta sobre o anti-semitismo? Esta é minha resposta.

Abraxão,

RF

Um PS: Quanto ao argumento de que o judeu só pensa em judeus, a seguir uma pequena lista apenas dos nomes que me ocorrem de judeus que fizeram algo pelo mundo:

1 – Sigmund Freud, pai da psicanálise
2 – Albert Einstein, pai de algumas belas teorias, incluindo a da Relatividade.
3 – Marx & Engel, pais do socialismo.
4 – Kafka, um dos mais influentes escritores existencialistas.
5 – Kamen, inventor, criou o veículo Segway e um aparelho (ainda não comercializado ou estatizado) que filtra qualquer água e a torna potável.
6 – Richard Feinman, um dos mais importantes físicos do século XX.
7 – Husserl, pai da Fenomenologia.
8 – Eric J. Hobsbawm, um dos mais ilustres historiadores do séc. XX.
9 – Howard Zinn, historiador e ativista, escreveu o primeiro livro a desestruturar o antigo método de se ensinar história nos EUA, “A People’s History of the United States.”
10 – Trostky, escritor e filósofo influente do século IXX.

Os demais, acho que cada qual pode encontrar.


5 comments:

Anonymous said...

Roy, vim lendo seu texto, estranhando uma coisa ali, admirando outro ponto de vista acolá, quando, de repente, bato com esse trecho: "Ou seja, existe uma dicotomia desnecessária aqui: não são os judeus os únicos odiados por todos, todos odeiam-se entre si o suficiente."

Pra mim, resumiste toda a questão aqui. Ótima análise. Um abraço.

Anonymous said...

Sem falar naquele que, minha opinião - e sou ateu, sabes - foi o maior revolucionário de todos os tempos: Jesus - o homem, não o "santo", o "messias".
Fez milagres "apenas" com a palavra e com um sentimento que não ocorre existir aos seus pares, gerando o que narrastes tão bem neste teu artigo.
Abraço meu

Anonymous said...

É sempre por ler sua palavra clara, eficiente e inteligente.


Beijinhos

Anonymous said...

Roy, jamais me passou pela cabeça negar as contribuições dos judeus a evolução da humanidade. O que não aceito e não entendo (sou muito burro!) é a razão desta guerra sem fim entre povos que são irmãos geneticamente e vizinhos foronteiriços, obrigados a conviver lado a lado. Porque não tentar a convivência pacífica, já que a matança generalizada parece não trazer nenhuma a solução, a não ser mais morte e dor? Não precisam subir ao altar e contrair núpcias, apenas conviver pacificamente. Alguém tem que dar o primeiro passo. Acho que o povo judeu tem mais condições de tomar a iniciativa pela sua História (afinal, o povo judeu sabe o que é não ter pátria). Até quando vai vigorar a lei do Deus vingativo do Velho Testamento: olho por olho, dente por dente? Até o último homem bomba explodir num shopping center de Tel Aviv? Ou até a última aldeia palestina ser arrasada por um Scud?
E la nave (dos insensatos) va...
Um abraço.

Roy Frenkiel said...

Jens, eu so respondi por que, em sua pergunta, voce fez um parenteses dizendo que o mundo todo tinha problemas com os judeus, ou vice versa. Voce sabe o que eu penso, em varios textos escritos, sobre a posicao sionista.

abraxao!

RF