Saturday, March 31, 2007

O Segredo de Minha Irmã

Sétima Parte

“Ô, Caçá, calma lá, rapaz afobado. Tenho um segredo, por isso vim, pra ver se acabo logo com esse seu isolamento idiota.”

“Não posso, Janaína, acabar com isolamento nenhum. Você sabe que o Jurandir pode cometer uma loucura.”

“Sei de muito mais... E sei que ele não vai cometer loucura nenhuma, Caçá.”

Assustei-me com suas palavras... Mal sabia ela dos meus motivos, dos meus feitos, e já dizia saber “muito mais.”


João dos Rosários, um dos meus amigos adquiridos às marges da cidade, disse-me certa vez que temia por mim. Via-me tristonho, enfezado, cheio de olhares justiceiros, às vezes sem nenhum sentido. Eu o via tristonho, enfezado, mas cego. Não sabiamos, ambos, qual era o pior entre o outro. No entanto, disse-me que temia pela besteira que cometeria. Quando lhe perguntei porque pensava que faria besteira, respondeu-me que ele já tinha cometido muitas e nada evitava que cometesse mais umas tantas até o dia de sua morte. Disse-me então que me cuidasse de meus demônios, porque lutar contra Joelmo, contra Jurandir, contra o senhor Prefeito, era suicídio puro.

Foi quando surgiu-me a idéia definitiva. João dos Rosários chamou Miguel, que chamou Gonzalo e Paulão, Agnaldo e Vicentinho, e a palavra se espalhou conforme o prometido depois de uma conversa serena e detalhada. Em algumas horas, todos os marginais já batiam às portas do barraco de Boiól e Marica Benedita, onde marcamos o encontro. Eram todos marginais de cidade pequena. Uns, ladrões de pequeno porte, como Miguel e Agnaldo, que assaltaram o Lar dos Velhos e não foram presos por dividir os mil reais e alguns míseros trocados com seus interceptores policiais. Assaltavam pés de café, sacos de arroz, e de vez em vez invadiam as chácaras, mas geralmente levavam apenas a televisão ou o fogão velho do caseiro. Gonzalo e Vicentinho assaltaram alguns bons bancos em suas vidas. Já saíram em jornal de cidade grande pelas aventuras que aprontaram. Dizem que chegaram a possuir mais de um milhão por alguns tempos, e ninguém entendia como conseguiram gastar tanto dinheiro sem que ninguém descobrisse de seu paradeiro. Sabia que eram nômades, e descobri ao longo do tempo que tinham jura de morte em muitas outras cidades, junto a muitos outros córregos. Ganhava conforto por tê-los como aliados, mesmo porque além de conquistar as noites e se esquecer dos dias, Vicentinho não fazia mal a ninguém, e Gonzalo assustava algumas mocinhas, mas nunca chegava a cometer crime sem complacência prévia. Paulão gostava de bater, de brigar, pavio curto demais para ter amigos ou andar acompanhado. Batia geralmente no mais fraco, mas tinha raiva das mesmas coisas que tive eu antes de sentir raiva maior. E essas coisas são maiores do que nós dois. Identifiquei-me com Paulão imediatamente, apesar de saber que conversar com o troglodita seria quase impraticável. Para isso surgia João a cada passo que eu não pude passear, porque João dos Rosários era também dos sete mortos nas costas, todos jagunços ou güardas noturnos, constando aqui sete de suas muitas besteiras, e das que ainda viriam e virão. Boiól era maconheiro e vendia maconha com sua irmã Marica Benedita. Desde que se tornou viúvo, depois da morte de Palomita, tornou-se também o traficante mais respeitado por ser o unico ao longo do córrego de Santa Maria. Por aviões tinha seu filho Marcinho e o sobrinho Pira, quinze e dezesseis anos de idade, dois moleques que, por muito tempo, nem sabiam o que levavam e traziam, até o dia em que aprenderam a fumar.

Janaína me fitava com doçura nos olhos. Fazia-me carícias com a doçura de seus olhos.

“Boiól mandou trazer seu fumo, menino besta.” Tirou do bolso falso, costurado especialmente em seu vestido discreto, a bolsa do fumo de Boiól. “Güarda isso, menino.”

1 comment:

Anonymous said...

Continua assim, menino.