Wednesday, February 28, 2007

O Segredo de Minha Irmã

TERCEIRA PARTE

Acima de tudo, Jurandir era amigo do prefeito e irmão gêmeo do delegado. Gêmeo sim senhores, cara de um, focinho d’outro, e se confundiam quando caminhavam juntos, amarrados, praticamente de mãos dadas. O delegado, Joelmo, vestia-se como o irmão, usava até do mesmo perfume que encharcava seus rastros em cheiro entorpecedor, mesclando o doce ao amargo. Eram confidentes, e se aproveitavam do bom nome para causar problemas a quem escolhessem. Escolhiam, esporadicamente, mangar de alguém que não podia contra sua perfídia. Seus atos ora infantis, ora atrozes, eram ignorados por Francisco Aleixo, o senhor prefeito. Assim, fazia-se a triagem diabólica que brilhava em resplendor vermelho ao longo do córrego de Santa Maria.

Janaína cruzava as pernas, com as canelas finas e abusadas expostas pelo acabamento das bordas de seu vestido bege. Eu, tímido, intimidado por sua presença sempre honrosa, não podia abrir a boca. Esperei que ela se animasse a me contar os motivos de sua vinda. Desde que me vi fugitivo das bandas da casa da mãe ela não viera ter comigo. Naquele momento, embriagado por seu sorriso que sempre me amansava o peito e adormecia os medos, até pensei em uma nova pergunta. “Por que não vieste antes? Não sentias minha necessidade de te ter por perto?” Mas, calei-me mais uma vez, pensando na gratidão atual com mais veemência do que no rancor do passado. Além do quê, Janaína se arriscava vindo me ver depois de tão explícita fúria da parte de Jurandir, e suas juras de vingança se nos percebesse unidos.

Pois, foi este o peso de minha sina, a marca de seu espadim: “A família que se foda, seu jumento bastardo! A família que se foda! Se te vejo perto delas, mato os três. E, se por descuido cruzares meu caminho, e estiveres só, morres só, como um homem. A família que se foda!” Eu me recordava. As palavras ecoavam. As gralhas gemiam aleluias, e o vento assobiava cantigas sombrias, mas que serviam de ninar. Janaína fitava meus olhos fugitivos, e enquanto nos abrigávamos no silêncio, o silêncio dava ao tempo novos ânimos, e este escorria de pronto, ilustrados seus segundos no ponteiro do relógio.

“Tenho um segredo...” Janaína disse, finalmente. Quase caí da poltrona, desperto ainda agora mais pelo peso leve de suas palavras diretas. Tinha um segredo, sempre teve, seus olhos me diziam, seus gestos me contavam, mas ela nunca abrira a boca a desvendar nada a respeito disso. Justo agora, após ausência desmedida, ela que não me via e me estranhava como sempre, chegara a revelar segredos? Lembrava-me que meus desencontros com Jurandir estavam também escondidos de sua consciência. Talvez ela soubesse com quem me metera, mas nunca lhe disse o motivo. Ao invés de querer saber dos meus âmagos, abria-me os dela? Meu coração palpitou mais forte, salpicando algumas batidas com alegria, outras com a severidade que tomava conta do momento especial.

3 comments:

Anonymous said...

ROY!

Você escreve tão lindamente, de um jeito tão poético...
Ai que amo-te quando escreves assim...


beijocas

Anonymous said...

Tcham tcham tcham!.... Legal, legal - o conteúdo e a forma. Abração.

Roy Frenkiel said...

Rsss brigado Pri! Valeu Jens ;-)