Thursday, January 18, 2007

Vida Rara, Mundo mais Raro



O mundo não se importa se estamos em férias, ou se dia X é selecionado para o descanso, ou se depois das dez da noite não recebemos telefonemas. Quando uma má notícia chega, ela chega, e não pede licença, porque no mundo, nada ocorre por motivos pré-determinados, nem há uma ordem natural correta. Coisas, e por coisas quero dizer tudo, acontece por acaso.

Está bem, sei que a idéia não é das mais populares para muitos leitores e leitoras deste recém reformado blogue. Sei que muitos concebem o destino, e os acontecimentos de suas vidas, como se fizessem algum sentido maior do que o dado. Como fossem conceitos preconceituados. Também sei que não sou dono da verdade e, enfim, eu também me pego pensando, às vezes, que o mundo tem lá sua ordem, que o ocorrido encaixou-se com outros ocorridos anterior e posteriormente, e quem sabe, de fato, nada seja por acaso. Mesmo assim, ouso dizer que depois de Aristóteles e a mais avançada civilização já existente na humanidade, e depois dos mil anos da Era das Trevas, do Iluminismo e Renascença, das eras Industrial e Contemporânea, das guerras mundiais e da virada do século, logo do milênio, já se sabe melhor do que se sabia no passado. E o que se sabe atualmente, não nos deixa conceber que o mundo conosco, e com nossos motivos, e com nossos desejos, se importe.

Meu professor Octavio Rocca, de Ética (Filosofia), exemplifica a questão quando diz:

“Está vendo aquela árvore? Se você morrer aos seus pés, ela não se importa. O mundo segue caminho, tampouco se importa. Não há, em vista, nenhum plano superior.”

Se eu concordo? Sim. Não há, em vista, nenhum sentido em estar descansando e descobrir que toda sua vida, seu conquistado conforto, sua delineada visão do ‘aqui e agora’, simplesmente mudou em rajadas de ‘má-sorte’ que desestruturam qualquer pessoa. Posso até fabricar motivos, e bons motivos. No filme ‘Little Miss Sunshine’, recém lançado em DVD aqui nos EUA, um dos personagens conta ao sobrinho sobre a vida de Marcel Proust, e como este era um pé-rapado, alcóolatra, homossexual indefinido e conflituoso, escritor de apenas um livro que quase ninguém lê (ponto de vista de um fã, pois a frase central é que Proust é o melhor escritor desde Shaekspeare). Explica o conceito de Proust, que a melhor parte de sua vida foram os anos de seu sofrimento. ‘Quando estamos felizes,’ o protagonista segue explicando, ‘a vida passa rápido, e em desperdício’ (tradução livre).

Não se pode dizer que os melhores anos de nossas vidas são os anos de nosso sofrimento. Não posso afirmar que, quando estive feliz, quando meu maior problema era definir o horário de buscar minha ex-namorada de seu trabalho, minha vida foi um desperdício. Muito pelo contrário. Esses são os momentos que todos esperamos para começar a viver (*vide o texto de Brena, "O Grande Momento," clicando aqui)... E podemos encontrar culpa ou vício nisto? Não creio...

Certo que, quando sofremos, temos a opção de sofrer e nos deixar levar, podemos também deixar rolar sofrendo menos, ou aprender e crescer, procurando previnir ao futuro o que, no momento, não mais se pode evitar. Podemos aprender, sempre, com acontecimentos negativos (sofríveis) e positivos (prazerosos). Mas, na vida, desconfio que significados, motivos e conceitos, são sempre subjetivos, tidos INDIVIDUALMENTE, cada qual com o seu. Assim, como não se refletem imediatamente em algum motivo superior, plano máter, razão elementar existencial, quem assim (não) crê encontra dificuldades maiores, uma desesperança inerente, uma vontade de desistir e se atirar ao acaso, fatalismo existencial.

Más notícias não têm tempo definido. Não se importam com suas horas de repouso, tempo em que más notícias são particularmente mal-vindas. Quem deve se importar, somos nós. Como não temos escolha, nem controle, lidamos.

Sei de pessoas que recentemente encontraram problemas maiores do que os antes tidos suportáveis. Sei que não sou o único, logo compartilho em meus textos, sentimentos que me incomodam. No momento, uma leve depressão percorre minhas veias. Foram algumas más notícias consecutivas, uma após a outra. Agora, em processo de conserto, espero com a paciência que não tenho opção se não reter. Não sei o que de meu futuro se fará em dois meses. Não acredito em significados pré-definidos. Apenas acredito ser possível escolher entre o sofrimento caótico e o aprendizado. Optei pelo aprendizado. Por enquanto, lido com a depressão.

Olho para o mundo, o mesmo mundo de ontem, e que continuará, até mudar catastroficamente, como hoje é. O mundo não me diz nada. Nem deseja pêsames, nem boa sorte. O mundo não se importa comigo. E eu?

Eu me importo com o mundo...

RF

2 comments:

philosp said...

Querido Indivíduo,
Acredito que já tivemos uma conversa sobre o assunto do teu post, ou eu gostaria de ter tido.
De qualquer modo, eu acredito que quando temos a percepção de felicidade, aquele sentimento de que estamos completos, nossa psiquê relaxa e nós não precisamos de muitas explicações sobre o universo ou a nossa razão de ser. Just count your blessings.
Quando a barra aperta, a barriga ronca, a casa cai, as lágrimas rolam, nós como espécimes retardados de Homo erectus cismamos em querer saber porquê tanto sofrimento. E aí, como você disse, opta-se pelo caótico ou o ordenado.
Só vou expandir um tiquinho as tuas palavras. Primeiro, não acredito em preto e branco. Todos nós passamos pelos dois tipos de processo, cada um vivendo mais intensamente uma parte dessa experiência. Você pode optar pelo aprendizado, mas não deixa de sentir o ódio e a impotência diante da situação. Outra pessoa pode preferir imergir-se em uma série de crenças fúteis em forças maiores, ou gritos impotentes contra a parede, mas não deixa de aprender com isso.
O "ópio das massas" reside em optar por não agir quando deparados com adversidades ou felicidades, pois é tudo pré-destinado.
Se os melhores anos da sua vida forem os do sofrimento, quer dizer que durante a calmaria você se deixou "dopar" com este ópio. Se os melhores anos forem os momentos de felicidade, então nos entregamos ao sentimento da falta de poder, da existência de aspectos incontroláveis que cismam em te perseguir.
Vivamos a vida como um todo, aprendendo sempre, crescendo sempre.

Se o mundo não se importa, quem vai se importar, senão nós mesmos? E se nos importarmos conosco, o que isso faz de nós? E se não for hoje, então quando?

Abraços

p.s.: um chiclete de brinde se você se lembrar de que livro é essa última frase...

Roy Frenkiel said...

Veim lo achshaiv eimatai? Avot 1:14

;-)

Concordo contigo em grande parte. Discussoes adiante :P