Thursday, June 03, 2010

S.O.S. Gaza

O ataque das tropas armadas de Israel a uma flotilha de aproximadamente 600 ativistas que levava mantimentos e outros bens de assistência social a Gaza, bloqueada pelo exército de Israel, dá todos os argumentos necessários e atuais contra o conservadorismo realista vigente. Por esse ataque, liberais e progressistas no mundo todo assumiram uma posição geralmente dicotômica, e ganharam armas humanas para combater com empiricismo o que chamam de “causa justa”.

O Brasil de Lula e Celso Amorim assumiu uma postura forte sobre o tema Irã e o consenso internacional sobre a potencialidade de armas nucleares nas mãos de líderes de estado como Ahmadinejad. Ao lograr encontrar um acordo diplomático (renegando, é claro, a suspeita comum que existe entre países que pouco se conhecem) com o Irã, chefes de estado da Europa e dos Estados Unidos chiaram, e não sem razão. Apesar de que algumas pessoas prevem um desenvolvimento diplomático distinto do qual experimentamos até hoje, o mundo segue sendo caótico e ainda não é oficialmente regido por nenhuma instituição inter-governamental, como a ONU. As suspeitas existem, e negá-las seria como negar a existência das minorias que alguns querem esmagar. O disparate entre a realidade e a perspectiva de Lula, portanto, é concreto e iminente, bem como a perspectiva de Lula pretende ser.

Quando o tema é social, no entanto, a verdade, se existe, faz um excelente trabalho se escondendo. Já vão tempos em que a comunidade internacional pressiona Israel para seguir uma linha de conduta projetada desde a resolução 242 do Conselho de Segurança da ONU, viSando a devolução de territórios ocupados no conflito Árabe-Israelense de 1967, a Guerra dos Seis Dias. Há ao menos dois assuntos que intensificam os conflitos na região ligados especificamente a atitudes israelenses. Tratam-se da construção de casas em territórios palestinos e o bloqueio recorrente da Faixa de Gaza utilizado pelo governo de Israel para certificar-se de que o partido do Hamas, com ligações cada vez mais fortes com o Irã, não receba armas, munição ou bombas de seus aliados externos.

Posso, pessoalmente, posicionar-me a favor ou contra qualquer dessas atitudes governamentais, mas mesmo assim não teria a capacidade de prescrever a Israel qual seria sua melhor conduta. Isso porque seus argumentos (que são mais pragmáticos do que idealistas em princípio) fazem tanto sentido quanto os meus. Ninguém garante a Israel que um corpo mais mole com a Faixa de Gaza não contribuiria a uma série de atentados letais. Do mesmo modo, quando alguns membros da comunidade israelense expandem suas terras, inicialmente não se pode culpar toda Israel por isso (a população secular é massivamente contra essa expanSão) e, secundariamente, alguns argumentarão que Israel precisa de mais território para garantir sua segurança. Pois, qual seja minha perspectiva sobre o tema, ignorar as razões do outro lado seria sintomático da ideologia irracional. Se quero ver menos mortos ou menos violência; se quero paz, pragmaticamente falando, não tenho prescrições, só objetivos.

Os tripulantes da frotilha que se aproximava de Gaza são ativistas sociais com causas próprias, mas pretendiam passar somente por ativistas humanitários. Com 600 tripulantes, podemos assumir que os integrantes da ação sabiam exatamente o que ocorreria caso seguissem o percurso.

O exército israelense já admitiu que seus soldados não estavam preparados para a resistência. Jornais e ativistas locais condenaram a ação e exigiram investigação imediata ao próprio governo. Aqui surge a questão: Que país soberano, impondo bloqueio marítmo ou terrestre às fronteiras de seu país ou à extenSão de seu território, como no caso da Faixa de Gaza, permitiria que a frotilha se aproximasse sem interferência militar? A crise cubana de 1962 iniciava da mesma suspeita mútua de que a União Soviética fosse aniquilar os Estados Unidos e vice-versa. Por muito pouco um episódio similar ao visto nos mares médio-orientais não terminou em guerra nuclear*.

A cineasta brasileira a bordo da flotilha no navio Marmara, Iara Lee, afirma que os tripulantes esperavam outra reação, mais amena. O exército israelense afirma que esperava outra reação, mais submissa. A ideologia da cineasta expõe seu ressentimento por Israel. Para a cineasta, a causa de Israel não é legítima e, para Israel, a causa da cineasta não é legítima. Caso os tripulantes agiram ingenuamente, o que não acredito, o problema é maior do que o pensado. Eles não apenas desafiaram o exército israelense, mas o fizeram com o mesmo conhecimento e preparo que recebem as tropas armadas estadunidenses quando enviadas ao Iraque e Afeganistão, ou seja, próximo de zero. Se são ativistas humanitários, o mínimo que se espera é que entendam o governo oposto melhor do que o entendimento diplomático tão ofuscado pelas suspeitas e dúvidas mútuas.

Assim, caso soubessem que o exército israelense reagiria como reagiu, uma das conclusões mais tentadoras à razão é que o fizeram com esse exato intuito, com esperanças meticulosamente planejadas de que o ataque colocaria Israel contra a parede na questão do bloqueio da Faixa de Gaza. Pelo número de tripulantes, pela reação à abordagem israelense e pelas consequências internacionais, tudo indica que essa era mesmo a intenção. Condenar Israel em sua conduta atrapalhada é fácil, e é o certo. Condenar o bloqueio a Gaza já não é, e todos que bem se informam sabem disso. Em outras palavras, condenar o ataque desproporcional é supra-ideológico, mas condenar o governo israelense é puramente ideológico.

Enquanto a situação não se resolve é impossível saber qual lado a humanidade permitirá prevalescer. Israel situa-se em águas cada vez mais tórridas, alienando-se da Turquia e dos Estados Unidos a cada investida catastrófica como a discutida no texto. Mas se o mundo todo condena Israel pelo ataque desproporcional, permitam-me condenar também a atitude dos ativistas. Se eles querem que a paz prevaleça, não assumirão atitudes bélicas, ou que provoquem reações bélicas internacionais. Caso suas exigências sejam direitos humanos iguais, não falta trabalho a fazer por todo o planeta, e não faltam regiões desoladas e solitárias a visitar e contribuir. O que esses ativistas fizeram não foi ajudar ninguém, só atrapalhar e intensificar o clima de suspeita, ódio e insegurança no Oriente Médio, mesmo porque outras flotilhas anteriores conseguiram aportar em Ashdod e tiveram seus mantimentos levados à Faixa de Gaza após inspeção.

Se o governo israelense calcula suas atitudes equivocadamente pela paz, a população, que não apoia a guerra majoritariamente, condena essas atitudes copiosa e intensamente. Ativistas humanitários são sempre bem vindos na mediação, mas ativistas ideológicos apenas polarizam os extremos. Só muito espero que a situação não se agrave para nenhum lado, mas esperar, infelizmente, não é saber.


*A comparação, que incluí como provocação não bem sucedida, só se dá em dois aspectos claros:
1 – A suspeita mútua de que o país adversário atacaria, sendo que nenhum dos países queria atacar, mas foram mutuamente forçados a escalar armas espelhando-se nas ações do próximo. Essa suspeita advém do desconhecimento que ambos tinham um sobre o outro. Nem a União Soviética nem os Estados Unidos sabiam ao certo que espécie de “louco” estaria do outro lado. Análises pós-fato indicam que a União Soviética nem tinha suficiente armamento para vencer, em um só instante da Guerra Fria, o conflito com seu arqui-rival.

2 – Israel justifica o bloqueio como forma de impedir a entrada de armamentos e explosivos na Faixa de Gaza. Apesar de que todos já sabemos que o navio não trazia armamentos, e que as intenções eram puramente sociais e humanitárias, sejam elas ideológicas ou não, Israel ainda segue a linha de powerpolitik e auto-interesse de acordo com suas necessidades “sentidas”, não necessariamente as “reais”, o que não é exclusivo de Israel, e sim particular a muitos estados-nações.



5 comments:

Jens said...

Então os ativistas levaram o que queriam e mereciam? Singular e provocativa análise, meu caro Roy. Acho que comparar o caso com a crise cubana de 1962 é um pouco exagerado. Mas isto nem chega a ser uma opinião, é só um achismo. O único mundo que me interessa atualmente é aquele que se desenvolve em torno do meu umbigo. Estou na fase de "Mateus, primeiros os teus". Sacumé, né?

Um abraço.

Roy Frenkiel said...

Levaram exatamente o que tinham certeza que iam receber, sim, absolutamente, matou a pau, caro Jens! Em tempos, Israel tambem recebera o que merece pra alegria de muitos, nao se preocupe.

Ah, e faz bem em estar nessa fase. Mesma coisa aqui hehe.

Abrax

RF

Marcelo F. Carvalho said...

Roy,
incomoda-me muito a Faixa de Gaza. A retaliação bélica de Israel, dentro da visão cartesiana, absoluta do bloqueio, só poderia resultar nisso. E, claro, certo ou errado, imaginar que não haveria respostas duras de um país que reage com firmeza ao menor indício de oposição, é muita irresponsabilidade.
Contudo, a Faixa de Gaza...
Roy, é preciso que se faça algo ali.

Roy Frenkiel said...

Marcelo, que algo deve ser feito por la, muita gente sabe. As acusacoes feitas contra Israel sao majoritariamente injustas e nao baseadas na realidade que o pais vive com seus vizinhos, mas isso eu ja cansei de dizer, pense quem quiser o que quiser e tem todo meu respeito desde que seja a favor da paz.

Mas por favor, Marcelo, se voce tem alguma sugestao, alguma ideia, vocifere-a. Sera sempre bem vinda aqui em casa, voce sabe disso.

Abrax

RF

Roy Frenkiel said...

En passent, a retaliacao eh belica porque os ataques a Israel sao belicos, porque o sentimento contra Israel (por sua historia, e nela cheia de pentelhos), eh belico e violento. Como eh dificil viver em um mundo que ignoram uma metade tao importante da verdade quanto essa.

Nao sei pra que, sinceramente. Nunca vou entender.