Monday, August 23, 2010

Famosos no Exterior, Famosos na Terra Natal

Neste passado Sábado me juntei à plateia de imigrantes brasileiros no Sul da Flórida no Colony Theater, localizado no coração da movimentada Lincoln Road no centro de Miami, para prestigiar o encerramento do décimo-quarto Festival de Cinema Brasileiro na Flórida e a apresentação da impecável Maria Gadu. Foi paixão à primeira vista, bem como foi, no melhor dos sentidos, a apresentação de Lenine encerrando o mesmo evento há quatro anos atrás. Na ocasião, meu texto sobre o espetáculo me rendeu a oportunidade de ter meus textos publicados periodicamente no maior jornal para imigrantes da região, o Achei USA. Pudera, a presença de Lenine me inspirara e transcendi a inspiração ao texto. Não conhecia o artista antes disso, mesmo vivendo no Brasil nos anos antecedentes.

Maria Gadu, nascida Mayra Aygadoux, me causou a mesma excelente impressão. Perguntando aos amigos e amigas ainda morando no Brasil descobri que a intérprete de 23 anos é relativamente conhecida no país. Nascida em São Paulo, no entanto, em 2007 foi convidada pelo amigo e percussionista de sua banda, Doga, à Europa, onde verdadeiramente iniciou sua carreira. Gadu já cantava suas composições e interpretava canções internacionais ou regionais desde a infância. Foi no início de sua adolescência que compôs um de seus maiores sucessos, “Shimbalaiê”, enquanto contemplava um por-do-sol. Apesar de sua raíz brasileira forte, apenas voltando da Europa e juntando-se a amigos de infância ligados a Jayme Monjardim Matarazzo e fazendo-se ouvir pelo diretor, produtor e cineasta “herdeiro” de Maysa, a diva brasileira, é que sua carreira decolou.

Foi convidada por Monjardim para interpretar a canção “Ne Me Quittes Pas” de Jacques Brel (1959), também cantada por Maysa, na minissérie da Rede Globo, além de fazer uma ponta como atriz na mesma obra. Primeiro conquistou e aprendeu a Europa, e só depois fez o mesmo no Brasil. Lenine tem um conto parecido. Apesar de ter arrebentado entre brasileiros e estrangeiros especialmente na Europa, só fez sucesso no país natal algum tempo depois.
Enquanto a fama de artistas dos mais originais da terra da “Independência ou Morte” borbulha fora da pátria, a pátria às vezes demora a pescar as bolhas.

Assisti ao bloco do CQC em que Rafael Cortez entrevistava Lenine e em tom sarcástico acusava a “auto-venda” do compositor às novelas que mal assiste. Não fossem as novelas, contudo, Lenine jamais seria famoso. E aqui não há intenção de degradar nenhum estilo musical, apenas elevar alguns que por qualquer motivo acabam rendendo mais fora do Brasil do que dentro mesmo representando o melhor que há nele. No caso dos estilos MPB, Bossa Nova, Jazz e Blues, a arte parece primeiro romper a barreira do exterior para respingar de volta ao interior da nação.

De certo modo, isso me remete ao futebol e aos acontecimentos esportivos no Brasil nos próximos seis anos. Desde que o santista Neymar recusou ofertas do exterior a polêmica sobre a exportação de talentos esportivos ao invés de seu maior rendimento dentro do país aumentou, e esquentou ainda mais com a declaração de Felipe Scolari, técnico do Palmeiras: “Se fosse meu time, eu vendia.”

No futebol existe a questão da valorização tanto física quanto financeira do atleta quando joga em equipes de prestígio na Espanha, Inglaterra, Alemanha ou Itália, especialmente. No entanto, como a próxima Copa do Mundo e as futuras Olimpíadas serão hospedadas pelo Brasil existe também a questão da identidade do atleta e sua valorização regional. Mesmo assim, parece ocorrer algo similar a outros campos, como o artístico: A valorização precisa vir de fora para que haja o reconhecimento interno, como o reconhecimento da FIFA e do COI.

Porém, o outro lado da navalha contribui ao reino das ideias no liberalismo institucional e construtivismo. Segundo o primeiro paradigma, a arte brasileira (ou seu futebol) são instituições que incrementam as relações internacionais e contribuem a uma certa organização através da comunicação e assimilação de ideias novas em um ambiente global caótico. Já para construtivistas não há como “mudar” o mundo sem que ideias novas sejam suficientemente difundidas, e no caso da arte brasileira descoberta fora do Brasil é exatamente o que ocorre, a difusão de novas ideias através de novas vozes, nomes, escritos e atletas. Nesse reino “abstrato” de relações humanas o Brasil não de hoje consegue vender-se em estilo ao exterior, projetando assim uma imagem cada vez mais clara da hegemonia Sul-Americana.

Nós, que por hora ou para sempre vivemos no exterior agradecemos a globalização nesse sentido. É um enorme privilégio apreciar Maria Gadu mesmo não a tendo apreciado desde seu lançamento real em 2008, mesmo tendo visitado o Brasil duas vezes e acumulando mais de dois meses nesse período. Posso falar de Gadu para brasileiros que vivem nas capitais do país e que jamais souberam de sua existência, mesmo que conheçam, nem sabem exatamente de onde, sua interpretação de “Ne Me Quittes Pas” através da minissérie Maysa.

A inspiração, ao menos, nada tem de abstrata. Tenho o coração, a mente e o corpo mais leves e mais apaixonados depois de ouvi-la. Sei que é essa a reação causada quando todos veem o que melhor tem a oferecer os brasileiros em qualquer lugar do planeta.

RF

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