Monday, October 12, 2009

Xadrez Internacional

Estudar política como fosse a mesma política grega ancestral é uma perda de tempo e receita nítida para futura desilusão. Estudá-la como jogo de xadrez ou damas, por outro lado, não só faz mais sentido, mas corresponde melhor à realidade.

Nos Estados Unidos, enquanto o mundo (menos o Brasil - e pobre da Islândia) lidam com uma fantasmagórica crise econômica, o Senado e a Casa dos Representantes se degladiam para procurar alternativas ao sistema de saúde estadunidense. Conforme indicou a pesquisa da MSNBC:

65% querem uma reforma que inclúa uma opção pública.
Desses, 64% acreditam que a reforma falhará.
66% dos que acreditam que a reforma falhará querem então que o governo teça outra reforma sem a opção pública.

As perspectivas reais são tão nebulosas que o único plano (de cinco) que não engloba uma opção pública (que seria algo como um sistema único de saúde) foi o único a passar pelo comitê financeiro do Senado, e quase certamente será derrotado na Casa dos Representantes. Em via de regra, a Casa dos Representantes é mais liberal do que o Senado e, neste último, quase meia dúzia de senadores democratas se recusam a assinar qualquer plano que inclúa uma opção pública. Esqueçam maiores detalhes, sigamos adiante.

Logo das duas semanas passadas o presidente – lua-de-mel encerrada na Casa Branca – Barack Obama cambaleou em dois cenários internacionais surpreendentes.

O primeiro, a eliminação precoce da candidatura de Chicago às Olimpíadas de 2016. Quando Obama se sujeitou a ir talvez pensasse algo que antes não podia ser equacionado. O mundo não mais se impressiona pela mera presença dos Estados Unidos em qualquer comitê internacional. Ao menos, não é uma impressão definitiva. Indo a Coppenhagen, Obama talvez quisesse competir com maior garra e como um ás na manga, uma visita única na história presidencial do país. Perdeu a viagem. Em casa, foi extremamente criticado e zombado pelos republicanos, partido cada vez mais senil, perdido, sem intelecto, sem espinha dorsal e sem líderes.

O segundo instante surpreendente foi sua premiação ao Nobel da Paz. Que não me levem a mal, mas esse é o prêmio mais político do comitê. Al Gore não o merecia, e Yasser Arafat certamente não o merecia, como já comentei aqui em diversas ocasiões. Obama merecia? Pois, depende de quem pergunta. Se é o idealista apaixonado, não, não merecia. Se é o político frio e racional, sim, merecia, mas pode cair do cavalo tendo aceitado o prêmio e a honra.

Obama mudou a postura dos Estados Unidos perante o mundo. Apesar de não ter conseguido, ainda, praticamente nada de concreto, foi o primeiro presidente estadunidense a “seriamente” propor o desarmamento nuclear do planeta. Após oito anos da doutrina expancionista e isolacionista de George W. Bush, Obama anuncia uma postura de maior diplomacia e de maior alinhamento ao pensamento dos demais países do planeta. Mais do que tudo, enquanto o mundo muda, Obama é o presidente certo para mudar com ele. Mas, tornando-se um presidente de guerras escaladas, o prêmio se enche de vergonha e Obama carregaria os dois. Não tendo avançado sua política pacifista e diplomática, o mesmo acontece. Pode não ser muito, mas a história às vezes se esquece dos palhaços, vide Bush, mesmo os mais perigosos, mas jamais se esquece de ganhadores de prêmios Nobel.

Em casa, a base conservadora pirou. Deram piruetas aos ares, pularam embriagados, medonhos, não entenderam mais nada. Descontentes, chamaram o prêmio (conferido ao chefe de estado de sua nação amada) de vergonhoso. Discordando da postura filosófica do governo de Obama, deixam o patriotismo clássico de lado e assumem o fanatismo que quase rompeu os Estados Unidos em sua guerra civil há poucos séculos atrás.

Enquanto isso, no Sábado, o presidente democrata anunciou que começará a agir em duas frontes de direitos de homossexuais, transexuais e simpatizantes. Promete repelir a política de “não pergunte que eu não respondo” do exército estadunidense (que permite a presença de homossexuais, mas expulsa qualquer soldado que perguntar ou responder a pergunta afirmativamente). Também pretende acelerar os processos que visam legalizar a união civil e matrimonial entre pessoas do mesmo sexo.

Para Obama, na arena internacional o Nobel da paz signifca a abertura de uma porta magnífica, a possibilidade de vencer o debate com republicanos sobre a simpatia pública e o respeito legítimo ao presidente, e a arena doméstica com a intensificação da política de liberdade e igualdade de direitos humanos ganha a chance de distrair ainda mais a oposição confusa e finalmente concretizar a política da reforma no sistema de saúde do país.

Cheque... Só falta o cheque-mate.

RF

3 comments:

Jens said...

Oi Roy.
Acho que o Nobel para o Barack foi prematuro. São grandes e positivas as expectativas que o cercam, mas ele ainda tem um longo caminho a percorrer para transformar em fatos concretos o que ainda está no campo das boas e louváveis intenções. Acho que o pessoal do Nobel exagerou. Aliás, também vou exagerar: era para ser Lula Lá. Fomos roubados!!!
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Confesso que não entendi o erro brutal de avaliação em relação a candidatura de Chicago às Olimpíadas. Não sei se foi desinteresse ou soberba, imaginando que uma visita de poucas horas seria sucifiente para enternecer o coração dos jurados. Talvez não tenha percebido que a lua de mel acabou não apenas na Casa Branca, mas também no resto do mundo. É hora de trabalho duro e pé na estrada. Só sorrisos não bastam. Que assessoria é esta que não o alertou?
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O esperneio dos republicanos lembra a oposição cabloca. Aqui também, diante dos êxitos do governo Lula, o patriotismo clássico cede lugar ao fanatismo ideológico (quando não entreguismo puro e simples, como no caso da discussão do pre-sal). É da natureza dos cães ladrar enquanto a caravana passa.
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Porra, aí ainda não tem SUS? Como é que os pobres se viram quando precisam de assistência médica? Ou não se viram, apenas morrem? Neste caso, concordo com uma observação de mau gosto que li no primeiro romance do Paulo Francis: é melhor ter mau hálito do que não ter hálito nenhum. Ou seja, melhor o nosso estropíado SUS de que nenhuma assistência pública. Pelo menos estamos respirando.

Um abraço.

Roy Frenkiel said...

Pois eh, grande, na minha opiniao o Nobel da paz eh sempre uma palhacada (ou quase sempre). Praticamente nenhuma pessoa que ganhou mereceu (Yasser Arafat, Itzhak Rabin, Al Gore etc). Talvez o pessoal do Nobel pensou que poderia pressionar Obama e o mundo a entenderem qual eh a posicao de intelectuais em relacao a conduta das grandes hegemonias. Mas certamente nao foi por atitudes, e sim por palavras, sua premiacao.

Quanto ao erro de Obama, nao sei se houve realmente um engano informativo da parte da sua assessoria, ou se Obama simplesmente calculou que era necessario, se queria realmente ganhar, que fosse como foi o rei da Espanha, como foi o PM japones e como foi o Lula. Alias, pelo fato de que todos foram, Obama nao quis ser esnobe como Bush seria, e foi tambem. Sera que ele realmente nao sabia que nao tinha chances? Se ate eu sabia, acho que ele sabia tambem.

Rss, Jens, tu nao visse o filme "sicko" do Michael Moore? Se nao, assista, vale a pena. Nada mudou de la pra ca.

Abraxao,

RF

Jens said...

Oi Roy.
Li no Diário Gauche que a Casa Branca declarou guerra à Fox News: Anita Dunn, diretora de comunicações do Barack, disse à CNN que a Fox News opera, praticamente, ou como o setor de pesquisas ou como o setor de comunicações do Partido Republicano. "A rede Fox está em guerra contra Barack Obama e a Casa Branca, [e] não precisamos fingir que o modo como essa organização trabalha seria o modo que dá legitimidade ao trabalho jornalístico."
Que tal nos explicar com mais detalhes este imbróglio? Em termos de Brasil, seria como o Planalto do Palácio declarar guerra à Veja, ou seja, uma bomba arrasa quarteirão no campo midiático. Qual foi a repercussão aí? Os barões da mídia não saíram às ruas histéricos berrando contra o "cerceamento à liberdade de imprensa", como fazem as vestais da imprensa tupiniquim?
Minha curiosidade foi atiçada. Se possível, satisfaça minha sede de conhecimento (ou gossips, hehehe).

Um abraço.