Friday, March 27, 2009

O que falta saber?



Não é um tema novo, muito menos opinião original. Contudo, a polêmica é sempre renovada, como se ontem nunca houvesse passado e hoje jamais tivesse chegado. Por que ainda questionamos os mesmos dilemas de séculos passados? Porque nós não temos a resposta, e mesmo se tivessemos existe a deslealdade da realidade em sofismos mil, desde hesitar em nome da dúvida, ou receber o título de prepotente se houver certezas.

De todos os bons filófosos em torno da Ética que li, e foram poucos, Simone de Beauvoir é a que mais me soa correta. Ela não dita absolutismos kanthianos, ou utilitarismos políticos. Não há, segundo a amante de Paul Sartre, regras previamente estipuladas para a atuação global do ser humano. Nesse cenário, cada dilema é intrinsicamente pessoal.

Contudo, como já discutido aqui e em outros cantos mais propícios, a ética de Beauvoir não soluciona os dilemas em sociedade. O governo, a política de convivência entre habitantes de uma mesma sociedade, precisam de regras estipuladas para manter o equilibrio, ainda. Certo que o filósofo anarquista Mikahil Bakunin diria que a responsabilidade privada é o único método de evolução de uma sociedade, e assim também diria Karl Marx, insistindo que o comunismo é apenas um meio à anarquia responsável de um grupo de seres humanos, mas estamos longe disso.

Essencialmente, estamos longinquos de um esquema anárquico de vida porque, hoje em dia, caso estivesse vigente, faria com que nos matássemos e nos destruíssemos avidamente, ao invés de uma construção em movimento contrário. E isso pode ser explicado justamente pela hesitação constante de determinar o certo e o errado em sociedade, sendo que ninguém tem a resposta e poucos arriscam respondê-la com segurança.

Isto significa que ainda fingimos não saber, por exemplo, que o corpo de uma pessoa lhe pertence. Se a mesma quiser tatuar-se, o problema é dela. Se procurar suicidar-se, mesmo que o problema não seja então exclusivamente seu, ainda assim tem o direito pela simplicidade da regra: “Seu corpo lhe pertence. Sim, gostaria que seu corpo quedasse aqui para sempre ao meu lado, mas não é meu para que o decida.” Nosso corpo é nosso, basicamente, e não do governo, do estado ou da igreja. Ninguém, por motivo algum, pode tirá-lo de nós em escravidão, extermínio ou discriminação social. Sabemos disso. Já vivenciamos eras em que a Igreja ditava o certo e o errado, como há países atualmente que ditam a dicotomia baseando-se em regras islâmicas, judaicas, budistas, mas em minha sociedade, na sociedade da maioria dos brasileiros, a realidade é distinta.

Se sabemos disso, sabemos no mínimo a resposta de dois graves dilemas. A mulher que quer abortar tem o direito de fazê-lo se o corpo a ela pertence. Pode até estar errada ao fazê-lo, mas a decisão é sua. Quando a criança nasceu, o corpo da mesma já não mais pertence à mãe, e sim a si. Antes disso, enquanto inseparáveis e intra-dependentes, semânticas a parte, seu corpo é seu corpo, e o problema deve ser dela, e não do governo ou da religião regentes no país.

Também sabemos que homossexuais tem o direito de sê-lo, e como seres humanos iguais a quaisquer outros, tem o direito de unir-se civilmente em matrimônio, sendo que o corpo deles e delas a elas a eles e elas pertence, e não aos demais. A “santidade” do matrimônio é religiosa, mas o casamento é também ordem civil, que requer obrigações e direitos específicos, e que, sendo que o corpo dessas pessoas a elas pertence, não deveriam ser excluídos da dinâmica homossexual.

Sei que há pretensão em minhas palavras, mas elas são as mais sensatas que li desde que encarei jornais, colunas opinativas e blogs que ainda discutem o tema como se realmente fosse complicado. Uma menina estuprada de nove anos, excomungada pela mente imunda de clérigos corruptos, ainda gera a discussão da legitimidade do aborto. As pessoas parecem não conseguirem conformar-se com o fato consumado de que não tem o menor direito, nem se quisessem e nem que se imponham, sobre os corpos dos demais. Ninguém quer saber o que você pensa sobre o corpo de outrém, está claro? Não lhe pertence para que sequer atente os pitacos. Podes até estar certo, mas isso não é problema meu, se o corpo for meu, faço com ele o que quiser, é meu direito, é meu único e mais exclusivo direito enquanto vivo.

RF

7 comments:

Anonymous said...
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Anonymous said...

Roy, meu camarada, antes de tudo, bem-vindo de volta; estava fazendo falta.

Quanto ao tema da sua postagem. Concordo que cada um é dono de seu corpo (e pode fazer o que quiser com ele). Logicamente defendo as mesmas posições que você expõe sobre o aborto e sobre a união de pessoas do mesmo sexo.

Quanto à"hesitação constante de determinar o certo e o errado em sociedade", repito, apoiado em Sartre, que "a escolha de si implica numa escolha para toda a humanidade".

Um abraço.

P.S. Fui eu que apaguei o comentário anterior, que havia ficado com o texto truncado.

Marcelo F. Carvalho said...

Nada a acrescentar neste belíssimo texto opinativo.
Bela volta, Roy!
Como disse uma vez Millôr (será dele?):
"A vitória da razão é a vitória dos homens racionais"

José Leite said...

Perspectiva racional, lógica e iconoclasta q.b. para estuprar as mentes obsoletas e senis de alguns clérigos a anos luz da realidade moderna.

Bem haja!

Beti Timm said...

oi Roy,
descumprindo a ordem, sou do contra mesmo, o "não" me atrai pra caramba, aqui estou!

Se todos realmente respeitassem esse direito exclusivo que todos tem sobre seus corpos muito problema deixaria de existir. Muita pendenga se resolveria. E é tão simples!Sem hipocrisias!

Beijinhos e saudades

o refúgio said...

não li, não cheirei, não bebi, só minto um pouco.
bom ter você conosco de novo,
beijos

Anonymous said...

Olá,

O problema também é me chamarem de hipócrita por ser vegana e pró-escolha...

Na verdade é fácil saber que nosso corpo não nos pertence. Pessoas desconhecidas ou mesmo muito próximas adoram dar pitaco sobre o que eu deveria fazer: Me depilar, andar de salto (mesmo pequeno), usar cremes e laser pra sumir com estrias, e deixar o cabelo crescer estão entre as frequentes.

Viva a escolha :)

PS: Te entendo perfeitamente ^^