Monday, August 18, 2008

De Ouro

Somente talvez o esporte tenha o poder terapêutico de curar as mágoas e afastar as preocupações. Somente talvez funcione a mecânia sistemática de concluir a revolta do povo pelas frustrações com o futebol, como ocorre no Brasil, ou na Europa. Somente talvez o encanto das Olimpíadas não seja apenas destinado ao desencanto anti-político e anti-diplomático das guerras. Uma contradição não desmente a outra.

É necessária a pausa até a próxima Segunda-Feira, quando começam as convenções – primeiro a Democrata, logo a Republicana – antes de voltar a falar novamente das eleições ao próximo porteiro. Fez-se necessária quando alguns fracassos pareceram mais do que todos juntos, e as forças do escritor decaíram, lânguidas, ao piso. Mas, a falar do esporte internacional, competido por quase todos os países conhecidos nesta Terra, falamos de um dos mais essenciais comportamentos políticos da humanidade.


Na Natação

Mark Spitz, que nadou em 1972 em apenas duas modalidades e venceu sete das oito medalhas disponíveis em uma competição olímpica, teve seu nome e sua marca superados por Michael Phelps, que diretamente dos Estados Unidos deixou pegadas insuperáveis no fundo das piscinas do Cubo D’água, em Pequim.

Quando venceu seu sétimo ouro, encontrou Cielo Filho antes de sua prova, os 50 metros, e avisou:

“‘Cê viu o que eu fiz, rapaz? Venci por um centésimo de segundo. Vai fundo, cara, você pode ganhar por um centésimo de segundo também. Acredite!”

Cielo Filho acreditou, e levou o ouro. Inconstestável o fato de que o nadador brasileiro já havia quebrado dois recordes olímpicos na qualificação à final, mas o gesto político de Phelps, o melhor nadador da história das Olimpíadas modernas, certamente proporciona uma bonita imagem a zelar pelo esporte e pela humanidade. Dois campeões, e, ao mesmo tempo, dois companheiros e colegas de profissão, competindo como David contra Golias, em provas diferentes, com aquele abraço.


No Atletismo

Com Tyson Gay, até parecia que os Estados Unidos viam grandes chances de uma vitória olímpica contra Usain (Lightening) Bolt, da Jamaica. Claro, como em uma escritura hollywoodiana, Gay procurava redenção por pecados passados, mas não se classificou às finais.

A magia e a beleza da final dos 100m rasos, com Bolt corrompendo quaisquer chances dos demais competidores, trouxe a Jamaica à tona com um filme melhor. Bolt não só quebrou o recorde mundial, mas também venceu olhando para trás, desacelerando, e batendo no próprio peito. Com as mãos abertas, se perguntava: “Ué, cadê aqueles carinhas que estavam competindo comigo?”

Uma ilha caribenha como a Jamaica, ainda pobre apesar de bela, ainda repleta de compromissos sociais pendentes, bate a supremacia esportiva dos Estados Unidos como se não houvesse concorrência. O melhor é que ninguém precisou matar, ou morrer.


No Futebol

Pensei mesmo que os canais dos Estados Unidos não transmitiriam os jogos do Brasil, mas muito me enganei. Realmente, não pude assistir todos nem mesmo pela Internet, já que os canais brasileiros são proibídos para o IP (endereço eletrônico) dos Estados Unidos, mas perdi mesmo apenas o feminino Brasil x Nigéria, que tive de me contentar acompanhando a reprodução do resultado ao vivo.

A maioria dos jogos, no entanto, foi transmitida ao vivo, se não nos canais estadunidenses, pelo menos nos latinos, mesmo a Argentina jogando no mesmo horário, como em uma ocasião (Brasil x China), apesar dos narradores argentinos.

Contudo, é mais interessante espiar o bate e volta das narrativas dos norte-americanos e os latino-americanos. No jogo do Brasil x Camarões, os narradores da NBC diziam que a equipe africana jogava melhor, mais unida, apesar de tecnicamente inferior. Na Univisión, o narrador mencionou a burrice dos atletas africanos, e dizia que, apesar do Brasil não acertar seus passes, isto muito se devia às bobas e constantes agressões de seus rivais nas Quartas de Final.

Os americanos parecem não entender muito a dinâmica do jogo quando analisam os homens, porém quando falam das mulheres, cuja equipe nacional venceu duas das três medalhas de ouro disponíveis desde a inclusão da modalidade nos jogos olímpicos, acertam um pouco mais. No jogo das mulheres brasileiras contra a Alemanha, país até agora insuperado sem ceder sequer um gol há quase um ano em duas competições internacionais (Copa do Mundo e Olimpíadas, até hoje), a analista, Brandi Chastain, ex carrasca com o time de seu país, ficou completamente chocada com o que testemunhou.

“Elas são magas,” dizia, “os Estados Unidos e o Japão precisam ficar espertos. O Brasil está seríssimo nesse negócio de vencer a medalha de ouro esse ano.” Que bonito é, ver gringo curtindo o samba do balão-pé.

Amanhã, o clássico sulamericano chacoalhará o planeta, mas uma tormenta tropical chamada Fay pode me arruinar a vista. Torçam para o Brasil, mas se sobrar um pouquinho de fé, torçam para mim (ah, sim, a fé às vezes me convém).


Ginástica Olímpica e Saltos Ornamentais

Os chineses venceram a maioria das competições de ginástica olímpica, e Guo Jingjing matou no saltos ornamentais. A maior história para mim, todavia, foi a derrota de Diego Hypolito. Daiane dos Santos poderia ter feito melhor, logo entendo a frustração quase merecida pelo fraco desempenho, o que deve ser relevado pelo fato de que foi a primeira a trazer essa esperança para o Brasil, e antes de Hypolito elevou o nome brasileiro na modalidade, cuja tradição sempre favorece os russos, os norte-americanos, e europeus de outras seletivas nações.

Hypolito, no entanto, poderia ter realmente trazido a medalha. Impecável até o último passo de sua rotina individual no solo, chorou e pediu desculpas a todo o Brasil por seu fraco desempenho.

Fraco? Pelo que eu saiba, campeões também falham, e antes dele, o romeno Marian Dragulesco, com muito mais experiência do que o representante brasileiro, também caiu. Hypolito teria a maior nota antes da apresentação do vitorioso Zou Kai, e poderia até mesmo chegar à prata com relativa facilidade, mesmo depois de contra-tempos como cirurgias desavisadas e dengue. Se alguém foi demasiadamente rígido com a triste falha do ginasta, é esse alguém que lhe deve desculpas. O mundo não acabou.


O Mundo Não Acabou

Brasil tem uma das maiores delegações olímpicas do mundo, desde o handball ao vôlei campeão, basquete (mesmo fraco), futebol supremo, ouro na natação, bronze no judô, expectativas no atletismo, no hipisco e no iatismo, iatismo feminino surpreendendo... Poderia encher dois parágrafos com a participação brasileira nos jogos, mas o que realmente quero dizer é que o Brasil já é potência, só falta concluir e trazer mais medalhas.

Sei que o esporte curva a criminalidade, dá oportunidades aos atletas, e eleva a moral nacionalista. Ligado à educação, pode educar quem, de outro modo, jamais teria a chance. Só não sei se priorizar o esporte é solução realista. Negar que a China é mais saudável enviando atletas aos jogos em vez de mandá-los à guerra, ainda é difícil, mas mesmo assim, a nação totalitária não é menos militar em nome do esporte. A prioridade ainda é outra, entre a saúde e a educação, curvar antes de mais nada as injustiças sociais.

Mas imaginem se o Brasil investisse um pouco mais em seus atletas. Haveria mesmo alguém que os superasse?

RF

PS: Até as convenções, minha casa é olímpica.

10 comments:

Jens said...

Hi, Roy.

Brasil
esquentai vossos pandeiros iluminai os terreiros
que nos queremos sambar
***
É legal ver o Tio Sam de frigideira numa batucada brasileira.
***
Soubeste do brasileiro que perdeu no judô e chorou pedindo desculpas à mãe e ao pai pelo "fracasso"? Quando chegou na pátria o pessoal o recebeu com pagode, churrasco e cerveja. Comovente a solidariedade da patuléia para com os seus.

Marcelo F. Carvalho said...

Penso isso também, Roy. E as olimpíadas comove sempre.
Abraço forte!

Roy Frenkiel said...

Soube... Venho agora da derrota brasileira contra a Argentina. Doeu!

abrax

RF

Anonymous said...

Roy, legal trazer esse assunto pro seu blog. Mas vou discordar. Não considero o Brasil uma potência olimpica (e nem é pelo número de medalhas que por ventura possa obter).

Falta, a meu ver, uma política esportiva que seja reconhecida como tal no país inteiro. Veja o caso do basquetebol feminino brasileiro que se resume ao estado de São Paulo! (falo desse esporte em particular porque cheguei a praticá-lo, bem como o vôlei, mas poderia citar outros).

De todo modo, continuo torcendo porque competições esportivas são ótimas, ainda mais Olimpíadas.

Um abraço.

Roy Frenkiel said...

Entendo, Halem, e observando melhor acho que ate concordo. Nao acho, contudo, que o Brasil esteja tao atrasado assim.

abrax

RF

Anonymous said...

Menino! Cê viu que um dia depois do outro é sempre mais interessante? Gostei pra caramba deste post. E gostei tb da discordância do Halem - com a qual concordo. Mas acho que se hj tems uma delegação bem maior que há 4 anos atrás, é a sinalizaçao de que estamos evoluindo no incentivo aos esportes. Pena que tudo aqui, no que se refere ao social, caminhe a passos de tartaruga!
Mas.. continuo acreditando!!! rs
Beijoconas

Roy Frenkiel said...

Eh, Loba, na verdade observando melhor percebo que voces tem razao. Fica complicado realmente conversar sobre as Olimpiadas quando a sociedade e a inter-sociedade passam tamanhos apuros.

Tem essa historia do judoca, que, ao mesmo tempo, assumiu a responsabilidade, e pode ter inspirado outros judocas que passam pelas mesmas dificuldades e nao se deixarao abalar. Ou pode ser uma historia de total derrota. O barato eh que, nesse sentido, e na verdade em todos os outros, a percepcao momentanea e individual prevalece.

Acho que me empolgo um pouco, tambem, talvez por viver aqui fora, e nem ter uma nocao definida do que fora signifique. Ainda, pelo proprio fato de nao ter resolvido meus problemas pessoais, invisto um pouco na ilusao do esporte (como poderia fazer com livros, com cinema ou outras artes, algo que confesso ter deixado de lado ja ha algum tempo) e nesse evento "magico" da humanidade.

Mas eh saudavel, ao meu ver, se deixar levar em coisas saudaveis. Espero mesmo que o esporte nao cres'ca como na China, para desafiar gringo, mas de baixo para cima. E espero que o esporte jamais seja mais importante do que a propria educacao.

abrax!

RF

Regina Ramão said...

Agüento tudo nesta vida, Roy.
Já agüentei parto, traição, perda de gente amada, até mal-craição de filho. Mas tem uma coisa que eu não agüento...PERDER PARA A ARGENTINA!

Dizem que certa vez o Blair e o Bush estavam planejando iniciar a terceira guerra mundial. Aí chegou um repórter, vendo os dois fofocando e perguntou se era verdade os planos. O Blair respondeu: "É verdade, vamos mandar matar 1 milhão de argentinos e um dentista". Aí po repórter perguntou: "Por que um dentista?" o Blair se virou para o Bush e disse: "Viu? Eu não te disse que ninguém se importaria com os argentinos?"

Brincadeira. Amo los hermanos, mas perder para eles no futebol é tudo de ruim.

Beijo, Roy.

Cris said...

rsrsrs..Ai, Rê, gostei da comparação das tuas dores.

beijo, Royzito.Esquenta não, a tendência é só piorar.

Roy Frenkiel said...

Re, a real eh que perder dos EUA tambem foi duro. Realmente, eu gostaria de nunca mais assistir Olimpiadas pensando no Brasil. Que coisa desagradavel! hehehe

bjx

RF