Tuesday, May 20, 2008
Argila
Hoje à noite, ou à madrugada quase mundial, serão anunciadas duas vitórias outrora tidas desimportantes para a nação dos Estados Unidos. Enquanto Oregon deve dar a Barack Obama a cifra necessária para clamar a vitória por maioria de delegados, Kentucky deve favorecer a Hillary Clinton massivamente.
Mas é uma cidadezinha no centro de Kentucky, tão central que jaz escondida dos olhos do país, tão interiorina que só se abriga em si mesma, que melhor reflete o valor dessas eleições, e o motivo empírico do pessimismo nato.
Clay, que em português traduzir-se-ia como “Argila”, o material bíblico da base humilde da humanidade pelo criacionismo, e um dos materiais mais baratos ao molde de esculturas ou arquiteturas barrocas, faz parte de um dos distritos mais pobres – se não o mais pobre – dos Estados Unidos.
Para se ter uma idéia do que define a linha da pobreza nesse nosso mundo, basta que lhes conte de minhas conversas entre amigos próximos, colegas de trabalho e família. Alertamo-nos mutua e amigavelmente que, enquanto políticos divulgam medidas a ajudar “cidadãos necessitados, que ganham 40 mil dólares ao ano”, nós ganhamos, cada, uma média de 20 mil dólares ao ano, ou seja, o considerado marco da pobreza no caso de se tratar de um só salário a uma família de cinco pessoas (cálculo tão absurdo quanto o geralmente categorizado na busca do salário mínimo em reais).
Em Clay, a média salarial é de aproximadamente 7-10 mil dólares anuais, menos do que mil dólares mensais, o valor de aluguéis baratos em cidades razoáveis. O distrito todo se adaptou ao modo de vida, sem luxuosos restaurantes, sem empresas contratistas, sem grandes oportunidades trabalhistas, sem casas expandidas para satisfazer o número de pessoas que nelas morariam, fosse Clay uma cidade normal. O ponto popular é uma espécie de bar em que os clientes comem e bebem produtos a menos de três dólares e cinquenta centavos, o preço de uma caixa de doze latinhas de coca-cola em qualquer supermercado ou venda indiana.
Enquanto Hillary Clinton vence no estado majoritariamente branco, um dos mais pobres do país, por uma porcentagem avassaladora sobre Barack Obama, que mal deu as caras por ali, nenhum dos candidatos, nem mesmo representantes da campanha de Clinton apareceram em Clay. Os habitantes daquela região não votam há décadas, e conversando com eles, o repórter da MSNBC descobriu que a cidadã acredita na função judéo-islamo-cristã de permanecer em casa enquanto o marido trabalha, ou morrer de fome, ou que o cidadão pede a subida de um pobre à presidência, não importando (leia-se importando) a cor da pele do candidato, ou seu sexo. Mesmo muitos declarando-se conservadores e republicanos, nenhum assumiu que votaria em John McCain, nenhum assumiu que votaria, na realidade, em ninguém.
Essa é a conjunção de fatos, o elo entre os fatores que nunca alteram o falido produto. Em nome da evolução de um país é possível ignorar as partes diagnosticadas por especialistas internos como tomadas por gangrenas incuráveis. É o caso de Clay, como seria o caso de Kentucky em um todo, ou de qualquer distrito, vizinhança ou menor comunidade pobre espalhados pela nação.
Nem Barack Obama, que tinha já o endossamento de John Edwards, auto-entitulado defensor dos pobres e oprimidos; nem Hillary Clinton, orgulhosa de reter o apoio dos pobres, mas nem tão pobres ao ponto de não poderem financiar sua campanha com cheques miúdos, mostraram que se importavam com quem a nação tem solenemente renegado há talvez séculos.
Mas como Jens diz nos comentários, de fato, a mudança é clara, é fatídica, e é de se orgulhar que exista a possibilidade, a própria idéia, nem que seja. Talvez defeituosa por ser apenas um começo, e todos os inícios são difíceis, diz a tradição judaica. Porém, mesmo para um começo, a ignição sacudiu e a marcha emperrou mais vezes do que o necessário, e a largada é quase choca. Quase...
RF
Essas Palavras Vos Trazem
Clay,
Election 2008,
Kentucky,
Oregon,
Roy Frenkiel
Subscribe to:
Post Comments (Atom)
2 comments:
Roy, se o blog fosse uma casa de apostas você colocaria quantas fichas em Obama?
abração.
Nao aposto, Profe, nao aposto, nem de brincadeira, em ninguem que nao em mim.
abraxao
RF
Post a Comment