Tuesday, April 08, 2008

Valores Feitos da Matéria que Faz Sonhos

Ontem cumpriu Mana Maya seu vigésimo-quinto aniversário, um-quarto-de-século vivido, casada com meu cunhado Thiago, cujos bens materiais quase todos desapareceram no lodo do mangue floridiano nesse passado Domingo por mea culpa (longa história, texto nada conciso, deixa pra lá). Em sua casa, sentados em volta da mesa dos salgados ontem à noite, conversávamos eu, mamãe e mano Yaniv sobre o patriotismo americano.

Passo grande parte de meu tempo confuso, indisposto a pôr minha mão ao fogo por ideais dramáticos, posicionamentos fanáticos ou pensamentos rijos. Essa minha essência liberal não necessita o adjetivo nobre, mas é realmente liberal. Sempre preciso deixar janelas abertas para respirar ou procurar refúgio. O motivo principal é minha total falta de identificação com os valores dos países em que morei, em que estudei, cresci ou apenas vaguei.

Não que não me identifique em certos pontos com alguns dos valores de uma nação. No Brasil, por exemplo, a alegria toma uma proporção ora surreal, ora vital para a sanidade mental de uma região de sofredores e batalhadores. O trabalho ousado, a malandragem brasileira, a esperteza urbana e rural que o povo do maior país da América Latina domina e recicla, fazem parte da faca de dois gumes que constitui complexas nações.

Cá vivendo nos Estados Unidos dessa mesma América penso que me identifico com pouquíssimos valores locais exceto os que, escritos em uma antiga constituição, quase nunca foram levados à rigorosa prática. “Liberdade de expressão.” “Justiça para todos.” “Igualdade de direitos.” Cláusulas empoeiradas, sempre empoeiradas mesmo que a faxineira faça greves, cáia morta em piripaques e bronquite crônica, mesmo que o faxineiro insista sempre em tentar limpar, novamente, a eternamente imunda casa.

Há determinadas atitudes sociais conquistadas com os tempos com as quais concordo. Há um avanço claro em 30-40 anos que não posso negar existir. Há comportamentos civilizados que me dão orgulho. Hoje, por exemplo, cheguei ao trabalho atrasado apenas porque devo andar a 15 milhas por hora quando passo pelas proximidades de uma escola. Seguranças (não sei se voluntários ou pagos pela cidade) posicionam-se atentamente à frente dos motoristas mais ansiosos de braços abertos, impedindo que a ansiedade afete os nervos das crianças levadas por suas mães a mais um dia educacional.

Porém, nesse mesmo detalhe o verdadeiro valor americano, o que reje a mente de boa parte de nossos cidadãos às vésperas de uma das mais importantes eleições presidenciais da história do país, mancha a sangue a atitude civil tomada nas estradas que beiram nossas escolas. Quando um adolescente entra calibrado até a nuca e dispara contra seus colegas levando a vida de filhos de outrem indiscriminadamente, quem paga a conta da má educação é o país inteiro.

Porque essa cultura realmente cultiva a violência hollywoodiana como máxima. Conforme disse um leitor injuriado do The Miami Herald há duas semanas: “Por que nós damos o título de herói a qualquer soldado pelo simples fato de sê-lo? Por que não cultivamos melhor nossos representantes pacíficos em missões de resgate social na África, no Oriente Médio e pelo resto do mundo? Por que não mencionamos aqueles que se arriscam para alimentar mais uma criança, para entregar mais um pacote de remédios contra o HIV?”

Porque os valores dessa nação contradizem a realidade que nos vem consumindo. Enquanto 81% das pessoas entrevistadas em uma enquete da Gallup na semana passada diziam-se insatisfeitas com a direção que o país vinha tomando, mais de 40% disseram-se muito satisfeitas com sua própria situação ou apenas satisfeitas com as próprias finanças. Enquanto a maioria da população pede o fim da guerra no Iraque, John McCain tem uma vantagem de 14 pontos sobre ambos candidatos democratas no quesito “Iraque” segundo o mesmo instituto em números discutidos ontem.

Aqui, ser patriota significa seguir à risca o juramento de respeito e honra que mamãe terá de jurar em uma manhã do próximo Julho, quando tornar-se-á cidadã estadunidense:

“Eu juro fidelidade à bandeira dos Estados Unidos e à República para a qual ela se sustenta, uma nação abaixo de Deus, indivisível, com justiça e liberdade para todos.”

Uma bandeira que, por apenas pedaço de pano, não vale a vida dos soldados sacrificados em jogos políticos e todas suas vítimas “inimigas combatentes” espalhadas por cada região que os interesseiros dos Estados Unidos farejaram trufas. Um deus no qual não creio, e se tenho mesmo “liberdade”, por que sequer sou mencionado e um deus forçado nesse juramento que ainda deverei jurar?

Nação indivisível, brinquei com mamãe e Yaniv antes mesmo de sentár-nos à mesa dos salgados na casa da aniversariante mana Maya, porque se Alaska algum dia pedir independendência, no dia seguinte não haverá mais Alaska, e sim tal qual um monte de resíduos tóxicos e ruínas. Claro que exagero, mas pensem bem...

À mesa dos salgados o que discutimos foi um costume de minha nação natal, sobre a qual nem precisarei comentar das discórdias, mas sim, do que tenho em comum com Israel. E o que discutíamos era um costume que fará parte dos próximos dias 2-3 de Maio. Nele, as vítimas do holocausto são lembradas, seguidas dos soldados caídos em serviço, ambos antecendendo em semana o dia da Independência e seus 60 anos de vida.

O fato é que Israel recorda seus mortos de um modo peculiar. Não vivendo em Israel, é fácil esquecer desse costume, tão bizarro, tão sobrenatural em uma civilização ocidental individualista, que passa desapercebido se não comprovado. Em certo ponto da tarde, uma sirene chora lágrimas altas que ecoam em todas as ruas, em todos os becos de todo o país. Todos os carros freiam, todas as pessoas páram em público, todas as pessoas em suas casas se levantam sozinhas, a Bolsa de Valores pára, os bancos páram, quem dos hospitais puder parar, pára, e assim por diante, por um inteiro minuto de silêncio, a nação inteira em um só tom pára relembrando seus mortos. Russos, árabes muçulmanos e cristãos, israelenses e etíopes páram em silêncio.

E comentamos, por fim, eu, mamãe e mano Yaniv, que isso sim era patriotismo. Mesmo que os interesseiros de Israel ao farejarem trufas na própria terra secular em que seus pés marcam pegadas causem as mortes dos soldados relembrados, a nação celebra seus mortos porque sente a falta de suas vidas. Pois uma nação se deve amar até certo ponto, mas de nada adianta amá-la por eventos fictícios, pelos mesmos valores tanáticos que nossas gerações estão cansadas de ostentar, mas não sabem como abnegar. Nação como esta em que os mortos recebem medalhas imaginadas na cerimônia do próximo Oscar. Em que a guerra aparenta ser muito divertida.

Mas nesta vivemos, eu, mamãe e Yaniv, e nesta conquistamos o pão nosso de cada dia. Nesta, mamãe ajudará a eleger o próximo presidente, e seus valores, como nova americana, não serão os mesmos de Chuck Norris e John McCain. Quiçá jurará:

“Uma nação, diversificada, acima de qualquer deus...”

RF

7 comments:

Tânia said...

Delícia de texto Roy.
Estranho sou brasileira, e lamento muito que o patriotismo deste meu país só é lembrado em Copa do Mundo...O PT e o Presidente Lula sabe tudo e rouba tudo da Silva adotaram o lema "Brasil, um País de Todos!" mas o que assisto todos os dias é que esta nação que pinta as ruas, que coloca bandeiras em suas janelas, que se veste de verde e amarelo nada diz dos desmandos que ocorrem aqui, afinal Kaká e Ronaldinho não estão no poder.
Quanto a questão cidadania, meu irmão é cidadão belga não precisou de grandes juramentos, mas sim defender a seleção de futsal de seu novo país...rsrsrsrs...Ah sim obedecer ao rei.
Mas cá entre nós que o juramento dos USA é poderoso, ah isto é...
“Eu juro fidelidade à bandeira dos Estados Unidos e à República para a qual ela se sustenta, uma nação abaixo de Deus, indivisível, com justiça e liberdade para todos.”

E o juramento da sua doce deveia ser o juramento da humanidade.

beijão

o refúgio said...

ótimo texto, menino.
não gosto dos EEUU, não gosto de seu etnocentrismo, não gosto, não gosto de seu capitalismo (ou melhor, não gosto de nenhum tipo de capitalismo), não gosto de sua vaidade, não gosto não gosto não gosto. mas gosto de Warhol, de Woody Allen, de Coltrane, Miles Davis, Hendrix, Dylan, Ginsberg, Martin Luther king, e mais um bocado de uma moçada gente boa.
Quanto ao Brasil, bem, o governo pode dar suas mancadas. mas quem conhece/conheceu o sofrimento de muita gente, sabe que esse governo fez/faz muita coisa boa sim, que nenhum outro governo fez. sou PT, e votaria em Lulalá, novamente. e não sou alienada, talvez um pouco aluada, porque sonho...

"I have a dream..."

beijos.

Cris said...

Oi, Roy..

Novo sítio em estréia. És convidado. procure-se nos links diferenciais.

Bj

Cris

o refúgio said...

ei, menino intenso, comentei mais um pouco lá no refúgio. beijos.

Anonymous said...

Nossa, que lugar MARAVILHOSO que achei na blogosfera!!!

Roy, querido, vim retribuir sua visita e me encantar com esse lugar. Gostei de verdade!

Volto outras tantas vezes, ok?


Aaah! posso te linkar? :)

Beijos!

WWW.EUNAO.WORDPRESS.COM

o refúgio said...

tem uma surpresa procê no refúgio. beijos.

Anonymous said...

Sua amada te ama. Essa é a matéria que faz sonhos... Em qualquer nação, independente de sua diversificação e temência a qualquer deus... rs. Beijo e mais beijo.