Tuesday, April 15, 2008

O Eterno Sofismo

A novidade semanal escavada pela mídia e pelo acampamento de Hillary Clinton foi mais uma das gafes de Barack Obama, conhecido pela impecabilidade de seus discursos e eloquência acima da média dos últimos candidatos presidenciais. Dessa vez, Obama mencionou a população de colarinho-azul de Pennsylvania como pessoas amarguradas, “procurando refúgio na religião e nas armas.” Ponho em aspas, mas essas não foram suas exatas palavras, e esse fato muito importa.

Às escolas filosóficas greco-medievais atribuiu-se o primeiro registro estrutural de argumentações das primerias civilizações seculares. Pela primeira vez registrada o “porque sim” deixou de ser resposta, e os mantidos debates desvincularam-se cedo dos dogmas absolutistas das passadas gerações.

Mesmo existindo já a escola de Platão e logo Sócrates, também havia a escola de Sófocles, conhecida pelo método do “sofismo”. Nesse colégio, alunos aprendiam a derrotar argumentos alheios com a lógica da retórica. Como estamos acostumados a testemunhar em tribunais de justiça, advogados e advogadas lutam pelo mérito de suas premissas e procuram derrubar as alheias, mesmo que a verdade esteja estabelecida fora da corte. Ou seja, todos lutam para estarem certos, mesmo que saibam estar errados.

Para leitores brasileiros, que em realidade pouco ganham ou perdem com a escolha do próximo porteiro dos Estados Unidos, talvez nem mencionando o discurso de Obama completo haja alguma questão sobre sua autenticidade. O senador de Illinois simplesmente mencionou a “amargura”, o ressentimento que a classe média sente por Washington enquanto grande parte das indústrias retiraram-se das cidades pequenas, empregos são perdidos, famílias sofrem por não terem como pagar por sum seguro de saúde descente, e o preço da gasolina perfura os bolsos já furados da população.

Porém, nesse mundo de sofismos e retóricas, Obama pecou quando conectou esse sentimento negativo à busca do refúgio na religião, e muito mais quando conectou essa busca à necessidade de usar armas de fogo, deixando ao imaginário popular a idéia clara de que “esses caipiras do interior vão à igreja, vivem disparando a esmo, odeiam negros, homossexuais e latinos, e estão todos desesperados.” Se o mundo fosse sincero, pergunto eu, absurdo não seria não dizê-lo?

A razão de seu discurso, segundo o que entendi, foi demonstrar como a classe média de regiões que tendem ao conservadorismo, como o sul, oeste e centro-oeste do país, especialmente nas menores cidades, acaba votando contra seus próprios interesses econômicos (leia-se a favor de republicanos) porque consideram mais os valores morais do que sua própria situação econômica (votando contra democratas por seus valores, e a favor de republicanos que lutam pela segunda emenda constitucional em prol do porte de armas de fogo, contra o aborto, a favor da santidade matrimonial entre apenas homens e mulheres, etc).

Do mesmo modo que há pouco tempo Obama cometeu a indiscreção de mencionar a gravidez prematura como um “castigo à jovem grávida”, dando a entender que um bebê pode ser comparado a uma praga, agora o candidato à nomeação presidencial democrata precisou refrasear suas intenções sem se desculpar, e sofre a crítica pontiaguda da mídia aborrecida sem outros maiores acontecimentos a anunciar.

Nos dois casos, para que Obama realmente possa ser mal-visto aos seus eleitores de base (os únicos que causariam verdadeiras perdas ao senador), a mídia e seus analistas precisam usar o sofismo para demonstrar erros que, ao menos dessa ponta do universo parecem jamais terem sido cometidos.

A campanha de Clinton automaticamente lançou propagandas políticas no estado entrevistando seletos cidadãos e cidadãs que se diziam ofendidos pelos comentários de Obama. A mídia explora a mesma veia: A sensibilidade do americano mediano.

Digamos que a gravidez prematura de uma mocinha inexperiente, carente de sabedoria e juízo, seja realmente um erro. Erro que, às vezes, culmina na criação de um Einstein, John Lennon ou Van Gogh, claro, mas que muitas das vezes apenas traz à tona mais Pixotes, Manchas e Beiramares. Digamos que antes dessa criança ter a hipótese de se tornar uma ou outra, ainda é feto, sem personalidade própria, sem características independentes, sem chances de sobrivência fora do útero da mãe. Digamos que a própria mocinha inexperiente diga, anos depois, que aqueles tempos de sua gravidez foram penosos, uma praga, e que se pudesse não teria engravidado tão cedo.

Pois essas hipóteses são todas concretas. Não apenas concretas, mas reais, acontecem de vez em vez, são sentimentos e pensamentos de pessoas que não obedecem o falso-moralismo porque, como raciocinou a francesa feminista Simone deBeauvoir, o dilema só importa quando ocorre conosco, e somente a partir dali é que a decisão realmente pesa.

Sendo assim, em uma sociedade madura, inexplorada pelo ofuscamento midiático, virgem da masturbação mental do sofismo de analistas políticos, o que Obama disse de “errado”? O que disse que lhe poderia, de algum ou outro modo, destruir a genuinidade de seu talento como líder?

Quanto ao que disse sobre a classe média interiorina dos Estados Unidos, novamente, Barack Obama tem toda a razão, pelo menos para eleitores que, como eu, não concordam com os absolutismos falsos do moralismo ocidental. Afinal, o desespero, segundo o judaísmo, é o primeiro sentimento que provoca a busca de Deus, baseando-se em um dos Salmos que diz: “Das profundezas te chamo, ó Deus.”

Porém, George Carlin, meu comediante favorito e ídolo no “showbizz” americano, também tem razão. Disse ele em seu último “stand-up” que há um comportamento nesse país que o irrita e perturba, e que só pode ser chamado delicadamente de “idolotração a crianças”. O público foi educado e acostumado a hiper-proteger seus filhos. Todos os bebês são lindos, todas as crianças importam, somos todos amantes dos infantes e protetores de sua inocência. Mesmo que esse sentimento seja apenas mais uma desculpa a mimar e deseducar novas gerações sem se preocupar com escolas, saúde e outras básicas infra-estruturas sociais para sua criação, o que importa é o sentimento, o que importa é idolatrar.

Porque esse é um país onde o orgulho e o ego contam mais do que a realidade. Esse é um país onde amargurados se ofendem quando chamados de amargurados, bem como negros se ofendem quando chamados de negros.

Que fique claro a quem cá me acompanha: Continuo elegendo Barack Obama, não porque não tenha defeitos, não porque não duvide de seu passado e sua capacidade, mas porque se essas são suas piores palavras, essa é a primeira eleição desde que existo que não pretende escolher o melhor entre os piores.

RF

3 comments:

Anonymous said...

Roy, vc é judeu? li seu comentário no meu blog e fiquei me perguntando.. rs

Gostei muito do parágrafo final do texto e a sua justificativa para eleger o Barack. Honestamente me sinto a parte de toda a politica americana, apesar de saber a importancia que ela tem a todos nós. Na minha visão apolítica, tudo que quero é que mude o governo e que venha algo realmente novo de vícios e de pretensao a super-poderes.
Nao sei... posso até estar sendo clichê, mas acredito que nosso mundo precise de muita muita paz.


Beijos :)

Marcelo F. Carvalho said...

Assim como P_, achei que este último parágrafo dá todo o tom do acontecido. Texto muito bem explorado e escrito.
Abraço forte!

Jens said...

Salve Roy:
Nada temos a temer, exceto as palavras.
Cá entre nós: o último parágrafo foi uma declaração e tanto de voto. Porrada!