Tuesday, April 29, 2008

Amarguras Infantis

Há apenas uma característica humana que repudio mais do que o comportamento politico herdado das eras medievais de nepotismo, absolutismo e totalitarismo: A imaturidade da sociedade.

A constituição sagrada dos Estados Unidos é baseada em uma série de regras humanitárias até hoje interpretadas e re-interpretadas para satisfazer a vontade de governantes e legisladores. A principal dessas regras, talvez, além do mais básico, é a liberdade de expressão que supostamente temos todos apenas por pertencermos à nação.

Mas essa mesma liberdade tem um preço: Quem falar o que o popular discorda é automaticamente julgado, dissecado cirurgicamente, despido ao olho público e jogado ao lixo, finalmente, para o total esquecimento.

Justamente em épocas de campanhas presidenciais, como a que vivemos, vê-se que o cuidadoso juízo dos eleitores acaba violentado por sementes de discórdia e revolta, e o que antes deveria ser meticuloso torna-se espalhafatoso.

A reação de comentaristas políticos ao ressurgimento do Rev. Wright no fim da semana passada e início dessa exemplifica bem o que o mainstream estadunidense pensa a respeito daqueles que ousam questionar as atitudes de seu país. Para Barack Obama, as paredes começam a se espremer, o teto abaixa paulatinamente, e logo, talvez e se assim for, infelizmente, Obama será jogado ao lixo caso algo não o impedir.

Wright disse muito ontem em um discurso televisionado pela MSNBC, e ouvindo suas palavras, com a exceção talvez de alguns detalhes duvidosos, admito perplexidade perante o rancor contra sua imagem e postura filosófica. Pelo que ouvi, nada do que disse é ilegítimo à não ser o apoio incondicional a um renomado anti-semita. De resto, no que diz respeito à sua visão da Magna América, há muitos que concordem com ele, e ainda acreditam, como eu, que a crítica veemente e intensa contra as atitudes negativas de nosso país de residência ou nacionalidade deve tornar-se pública antes para resolver-se plenamente.

O principal exemplo é o que disse sobre o terrorismo: “Você não pode esperar que nós façamos e espalhemos o terror em terras alheias, e não soframos a amargura de suas vinganças. Isso é algo bíblico, divino, se tu atacas, serás atacado.”

É claro que Wright se referia ao 11 de Setembro. Conhecendo a história da região, sabemos que os Estados Unidos apoiaram o Sha e armaram o Afeganistão contra o império soviético (vale assistir o filme “Charlie Wilson’s War” com excelente elenco). Também sabemos que, logo depois de financiar em mais de um bilhão de dólares as guerrilhas populares contra os comunistas, o governo estadunidense abandonou a missão de repor uma infra-estrutura básica aos companheiros que venceram a única batalha real da época contra o exército vermelho. Como disse o então representante do Congresso Charlie Wilson: “Isso tudo aconteceu, e mudou a historia belamente. Logo, nós fodemos o trato final.”

Mais do que isso, o apoio quase incondicional dos Estados Unidos a Israel torna difícil um verdadeiro acordo pacífico entre a super-potência e a maioria dos países muçulmanos. De modo geral, por sua política externa, o país de minha residência procurou muitos conflitos desnecessários atraindo inimigos dos quatro cantos do planeta a atacá-lo em próprio terreno. Os “terroristas”, é claro, bem como eram chamados os revolucionários que procuraram (e conseguiram, de certo modo) derrubar ditaduras nacionalistas na América Latina, são sempre os que não pertencem à milícia oficial da região.

Wright pode até estar errado, mas quando fala desse terrorismo mirado ao interior das fronteiras regionais, há muitos que enxerguem a história como ele. Afinal, aqui houve um Apartheid com leis como a de Jim Crow, que proibiram a entrada de negros em escolas brancas. Houve a conquista de parte do México e a erradicação de seus habitantes, a enganação malandra que tirou dos índios quase todas as suas terras, a obrigação de servir no exército em plena guerra do Vietnã, e muitos outros acontecimentos que, de fato, aterrorizaram as margens da sociedade americana.

Voltamos ao redundante: Quando Wright fala contra os Estados Unidos, o mainstream estadunidense se ofende. A ofensa é irracional. Ninguém comenta o conteúdo de suas falas, apenas o quanto elas são ofensivas, o quanto machucam a candidatura de Obama, e o quanto o tema parece carcomer o imaginário dos eleitores democratas, cada vez mais medonhos em admitir um negro (estrangeiro) na Casa Branca.

Uma sociedade madura não admitiria esse tipo de análise. Aprofundaría-se em todos os detalhes dos ditos de Wright, suas origens, e perguntaria a Obama o que pretenderia fazer de diferente no que se refere a políticas sociais. Wright disse que se Obama tornar-se o próximo presidente, ele irá atrás dele com a mesma fúria que foi atrás de outros presidentes. O reverendo luterano critica o que há de pior nos Estados Unidos, e mesmo que não tenha razão em seu radicalismo, o que clama não é nem pode ser totalmente falso.

O que o torna mais verdadeiro é o fato de que Wright não pensa só, nem mesmo sente só esse rancor pelo país. Há muitos que concordem com essa filosofia, e sinceramente, se a alternativa dicotômica desse diálogo for que os Estados Unidos passa como a melhor nação do planeta em todas as suas vantagens, sou mais inclinado a concordar com Wright do que engolir esse pote de detergente adocicado sem fazer careta.

Mas infelizmente escrevo de uma das veias dessa nação pueril, iludida, completamente ignorante de seu verdadeiro papel no mundo, individualizada, materialista e sem grandes bases culturais. Escrevo sobre uma nação de crianças, incapazes de lidar com uma crítica concreta, ultra-sensíveis, navegantes de uma tremenda negação.

Assim, Barack Obama, inexperiente nessa espécie de ataques, perde solo, perde terreno, perde o próprio chão porque passa a ser evidentemente associado aos argumentos raivosos de Wright. O que antes pertencia apenas às igrejas das quais sermões Wright presidia, agora torna-se nacional, pausado, pensado e pesado pelo reverendo. Enquanto isso, mesmo quem mais apóie o senador de Illinois não sabe onde enfiar o nariz. Todos apenas pedem que Wright desapareça.

Se Wright desaparecer, com ele desaparece mais uma chance em pleno século XXI de abandonar a infantilidade e abordar o tema com a seriedade merecida. Novamente, voltarão, caso isso acontecer, a usar fraldas e brincar de casinha com ratos e baratas saídos dos esgotos. Novamente, terei motivos para embrulhar o estômago e desiludir-me da incapacidade de meus iguais de tornar-se a própria mídia, como diria o ex-rockeiro Jello Biafra. Engolirão o que dela vier como iguarias raras. Quitutes dourados. Delicatessen. O amargo permanecerá na consciência da terra nobre de Tio Sam.

RF

2 comments:

Jens said...

Oi Roy.
Seguinte: em termos de estratégia, não seria o caso do reverendo se afastar um tempo dos holofotes da mídia (até novembro pelo menos) e depois voltar com todas as pedras, mas com Obama sentado na Casa Branca? Na guerra política, às vezes é necessário lançar mão de algumas artimanhas para atingir o objetivo maior (não quero dizer que vale-tudo, como a malfadada Carta aos Brasileiros do Lula; mas um certo pragmatismo é recomendável, aconselharia Maquiavel ao Principe).
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O sobrenome do reverendo me fez lembrar o escritor negro Richard Wright, falecido nos anos 60, que nos 40 lançou um romance clássico sobre as relações raciais nos EUA: Native Son. É um puta livro, se tiver oportunidade, leia.
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No mais, os americanos se recusam a crescer e ver o mal que fizeram (fazem) ao mundo. Quando as crianças acordarem poderá ser tarde demais. Não haverá quem queira perdoá-los.
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Um abraço, caudilho.

Roy Frenkiel said...

Sobre a pergunta, Jens, voce decida, que conhece melhor do que eu o trato politico. Voce decida, Jens, eu digo. Claro que infantilmante, poderiam todos fingir que isso eh um escandalo, inclusive o proprio Obama e o Rev. Wright, e infantilmente continuar perpetuando a estupidez politica do cinismo e desonestidade: O cara se esconde, mas na real esta vivo e por ai, esperando o "momento certo" para dar o bote. Assim, infantilmente, poderiam armar uma estrategia infantil aos infantis da nacao, e assim vencer as eleicoes as custas da infantilidade humana. Prefiro que Obama perca a campanha do que Wright desapareca. Prefiro, pessoalmente, que a infantilidade morra, hoje, e o quanto mais pronto.

2 - Seguramente procurarei o livro de Wright a ler, Jens! Recomendacao tua eh palavra de ouro.

3 - A infantilidade nao eh so essa. A infantilidade tb esta dissecada acima, nesse mesmo comentario.

abraxao, Jens

RF