Sentava-me outra vez à beirada da cadeira bamba, e ela aproximou-se e recostou a frágil cabeça sobre minhas coxas, movimento terno, que acalmou um tanto de minhas angústias. Eu permiti sem mover um só músculo voluntário.
Vigésima-Oitava Parte
“Caçá, meu querido amigo, meu menino, minha criança e meu homem. Eu vim hoje a acabar mesmo com toda sua pena, mas essa não caberia a mim confessar, e sim à mãe Úrsula, pobre.”
Pasmei, em silêncio.
“Mas aprendi minha lição... Está na hora de livrar você de todos os demônios que te assombraram por esses tempos escuros.”
Empurrei-a, bruscamente, e me levantei em fúria.
“Você pode continuar bufando, mas de nada adianta, Caçá. Pensa que é fácil se livrar do silêncio? Não é fácil encarar a realidade própria e ainda ter que dividi-la com todos, ainda mais contigo, escondido pelas madrugadas. Você nunca contou, mas outros disseram asneiras, estupidezes, que Jurandir tinha estuprado a nossa mãe, a sua avó. Calúnia pura, e eu entendi que não seria apenas, mesmo porque contaram que quem disse tamanho absurdo foi você. E eu sei que você não diria nada disso sem ter motivo. Demorou a entender, de fato, ou melhor, a presumir o que havia acontecido. Mas, lembrei que Jurandir vinha freqüentemente pelas costuras naqueles tempos, e eu já peguei os dois em cada posição...”
Há pontos em que a verdade que liberta é tambem a que condena. Sempre houve a mentira branca, necessária, o momento em que a ofensa passa a ser mais grave do que a necessidade da roupa lavada. Vestidos feios em moças sensíveis, moças feias em espelhos insensíveis, o tamanho do órgão genital masculino do irresoluto, a sunga indiscreta do senhor de meia idade em negação; fatores que provocam mentiras brancas, necessárias ao mantimento de um bem-estar coletivo. Contudo, há também momentos em que o fardo da verdade mais vulgar, mais agressiva, torna-se sofrível e penoso, a ponto de apresentar-se terminal.
Ainda que me agitasse, e seguindo o mesmo sentimento inexplicável em que o alívio domina a amargura, o fardo desta verdade não foi suficiente para me afundar. Apenas aprofundou uma compreensão que já se instalava aos relâmpagos em minha identidade psicológica. Ouro dos tolos... Porém, nessa das muitas vezes, não me arrependi por tê-lo comprado. Aprendi tanto mais com os meus erros... Tão mais...
“Mãe Úrsula foi uma das mais queridas amantes de Jurandir. Por isso nunca mais nos vimos ou nos falamos em contexto romântico, não pelo amor genuíno que manteve com tantas, mas pelo amor puro, selvagem, incestuoso, que manteve com a mãe. E não lhe condeno, Caçá, por procurar a destruição de um suíno que, à sua mente, só tomou o que não foi dele a vida toda. Mas a realidade é outra. Eu fui dele, e a mãe Úrsula dele foi. Por direito e por vontade. Na nossa frente, ele teve permissão de xingar. Não há modo melhor de contar a verdade do que contá-la.”
Silêncio. Estranhos pensamentos. Lógica profusa.
Friday, August 17, 2007
Subscribe to:
Post Comments (Atom)
No comments:
Post a Comment