Thursday, August 09, 2007

O Segredo de Minha Irmã

"Por favor, Caçá. Dou o tempo que você precisar desde o instante em que passar por aquela porta, por aquela porteira, pelos barris, pelas vinhaças de uma casa que já foi de um rico, e agora pertence a um miserável hermita por escolha."

Vigésima-Sexta Parte



Janaína sabia de tudo. Pudesse voltar ao tempo, afirmo que minha cegueira, ou a cegueira da mente que discutimos em uma conversa sem precedentes., era óbvia. Minha irmã, agora minha mãe, promovia o estado de minha mãe a avó, dona Úrsula a meu próprio sangue. Eu fui adotado? Assim como disseram a Isaac que seu filho José estava vivo, com cerimônias de desastre trás desastre a terminar em júbilo e nirvana, sem matar Isaac, pobre Isaac, do coração: “José ainda está vivo! José ainda está vivo!” Assim fizeram comigo. Me mataram, ou às minhas origens, a logo ressuscitá-las em um novo mundo de possibilidades. Nessas possibilidades, encontravam-se a sabedoria de minha nova mãe e a honra de minha nova avó, bem como a humanidade de Jurandir, animal como todos nós. Apenas hoje compreendo o que o silêncio significa. Apenas hoje compreendo que a verdade, mesmo na inocência do juízo, quando se esconde de nós somente traz consigo a penúria da mentira. Na mentira, os segredos transformam-se em inimigos.

Mas, ainda estava confuso, não quanto a quem era – por estranho fosse, quem eu fosse não fazia a menor diferença, visto que compreendia em momentos de lucidez que o caminho de meu futuro não mais dependia de meu sangue, mas de minhas atitudes – e sim quanto ao que fizera e ao que faria. O presente suspenso, e eu agitado, irrequieto, dentro de mim. Pedi um copo d’água, e Janaína o trouxe. Pedi seu colo, e ela o outorgou como que por direito. Deu-me de seu seio. Deu-me beijos maternos, como nunca dera antes. Viu-me diferente, e eu sentia-me visto diferente. Pensei em dona Úrsula e agradeci por sua saúde. A raiva passava em espasmos. A ira momentânea questionava o caráter de Janaína, mas as respostas vinham das memórias dos fatos. Apesar dos segredos, ela sempre me amou, e minha nova avó também. Já Jurandir...

Jurandir, diziam as poucas linguas encontradas em meu período de segregação, andava cauteloso. Não competia mais com as festanças luxuosas de Joelmo. Não procurava o gabinete do novo prefeito, Anselmo Passos, ex-mecânico da cidade de Santa Maria. Não andava com jagunços, e não usurpava mais produtos sem que antes pagasse por sua posse. Não destratava vendedores, costureiras, ou frentistas. Disseram ainda que passou uns tempos em São Paulo, em uma clínica especializada em problemas cardíacos. Estava fraco do coração.

“Você contou a Jurandir hoje? Desde quando você sabe o que aconteceu comigo, com o João?” Indaguei recuperando-me da mansidade da ternura e da ferocidade da ira interna.

“Contei hoje, Caçá, claro que contei hoje, depois de muito me debater. Não por contar para ele, acredite, a mim ele não importa tanto assim. Já a ti, meu irmão, meu filho... A ti me doía apenas pensar em teu rosto na hora de contar a verdade. Agora... Como fiquei sabendo das tuas peripécias, do contrato com teu pai, você não vai gostar de saber nem um pouco.”

“Mais do que o desgosto de saber que Jurandir é meu pai?” Segui a indagar.

“Tem razão... Se a casa abriga dez, já agüenta a invasão dos vinte.

Um homem estacionado à porta de casa fazia círculos suspeitosos, e eu me aproximei dele, sem preocupar a mãe... Perdão... Sem preocupar sua avó, e perguntei o que queria conosco, porque era claro que queria conosco. Respondeu que veio a envio de Jurandir, ao que eu me enfezei de imediato e pedi que se retirasse. Disse que não podia, até que Jurandir não o chamasse ao celular às cinco horas da tarde. Pois, algo me tomou, Caçá, e perguntei pela saúde de meu ex irmão. O moço respondeu que você estava bem, que ficaria tudo bem, que Jurandir tinha negócio era com João dos Rosários. Perguntei de onde ele conhecia o João, amigo seu que eu já sabia de pegar vocês caminhando nas madrugadas... Mas, isso é outra historia. O importante é o que ele veio a me confessar.”

“Fala, Janaína... Sem mais mistérios.” A apurei.

3 comments:

Jens said...

Mais revelações?
("Na mentira, os segredos transformam-se em inimigos." Bonito)

Moita said...

A mentira é perniciosa sempre.

abraços

Anonymous said...

essa vai pro sítio do fausto.
clap, clap, clap!
abraço meu