Sunday, July 22, 2007

O Segredo de Minha Irmã

A cidade pediu em único côro que renunciasse, e renunciou por medo, cagaço puro. Tudo parecia resolvido. Em uma das muitas madrugadas de minhas fugas da casa da mãe Úrsula, sobre a vigília de Janaína, perpetuei a desgraça que me afastou, de uma vez por todas, de sua cercania.


Vigésima-Segunda Parte



Em breves correspondências, revelei meu paradeiro. Nunca contei a verdade, minha parte em todo o patético caos que revolucionou a atitude dos cidadãos e cidadãs de Santa Maria. Todos sabiam do ocorrido, mas na mesma confusão que se organizaram, as lendas se multiplicavam caoticamente, e ninguém tinha mais certeza de nada. Nem meu nome era sussurrado sem o nome de outras dez pessoas desconexas, misturadas, equivocadas no reconhecimento aleatório de cada marginal.

Janaína, era certo, jamais soube que o mutirão que deu fim ao reinado de Francisco Aleixo e intimidou os gêmeos Jurandir e Joelmo deu-se por minha causa. Jamais souberam que João morreu me defendendo, comprando minha sede de vingança, nem se deram conta de qual vingança queria eu tratar. Mas... Fui responsável pela rejeição de Olavo a seu pai, o porco coronél. Ou ,seria mesmo eu o responsável? Se o filho não se dá com seu progenitor, que culpa tenho eu? Se consegui criar uma união sinistra entre estranhos conhecidos das margens dos córregos de Santa Maria, isso que o “dê” e o “dá” e os outros “por quês,” nada sei dos Olavos da vida. Se havia Olavo naquele exército de tantos propósitos que fundiu, eu não conheci nenhum. Quem me ensinou a pensar em termos, em palavras-chave, nunca dividiu comigo sua essência verdadeira, nunca revelou-me seu nome. Pois, sumi... E tudo corria bem em meu sumiço, relativamente, até a visita de Janaina.

Agora, ela me aprontava uma dessas. Eu... Adotado... Fazia sentido. Adotara idéias alheias e vinganças que mais bem cairiam à carga de minha mãe, ou melhor, de dona Úrsula. Ela foi quem se deixou, ela não lutou, não gritou por auxílio, não contou a mais ninguém. Se Jurandir voltasse naquela tarde, esperaria-o de quatro? Ah, essa braveza que me cega, que me faz a besta que jurei não ser...Mais um porco...

Quanto ao Porco...

Eu vi que Jurandir venceu-nos por atingir o indivíduo, pois não fosse eu, um indivíduo, ele não teria a quem culpar. Mas muitos indivíduos venceriam Jurandir caso eu não existisse para barrá-los àquela tarde, e sem maiores motivos, apenas incitados pela vontade de desobedecer. Agora, tornei-me não apenas uma idéia, mas uma idéia adotada pela falta de imaginação da sociedade. Quiçá tenha a vocação de rei das margens. Pregar às margens. Encontrar-me pelas margens, na marginalidade das madrugadas, sendo em córrego de Santa (ou Puta) Maria, sendo em cidade qualquer, em canto qualquer.

“Não quero chôro nem melado, Caçá. Fosse sempre bem cuidado,” ela dizia, “fosse sempre bem tratado, comesse do mesmo prato que eu, dormisse em colchão da mesma grossura, te cobrisse com cobertor tão quente quanto o meu,” insistia, mas eu senti, depois de muito tempo, meio a suas palavras responsáveis e maduras, mais maduras do que nunca, um verdadeiro alívio por ser adotado, por não ser daquela família mórbida e lânguida, perdida no tempo e no espaço, sagrada à fraqueza de deixar-se ser. Ah, como havia coisas que eu ainda não sabia... Quantas eram!

1 comment:

Jens said...

La nave va... E eu vou junto.