Friday, September 17, 2010

Blogagem Coletiva - Perdão

Nunca acatei as sugestões das blogagens coletivas de Glorinha em seu Café com Bolo, mas quase sempre as acompanhei no Luz de Luma. Hoje, entretanto, não só gostei do tema como me parece pertinente e temporal. Hoje é a véspera de Yom Kipur, o Dia do Perdão judaico, considerado o mais santo para a religião. Trata-se de um dia de expiação, jejum e arrependimento. Em contexto divino o louvor e o perdão ao “ser maior” não me interessam no momento, mas sim as sensações de pedir perdão e perdoar tanto em contexto pessoal quanto coletivo.

Pedir perdão em si não é tão difícil. O complicado é saber deixar que nos perdoem ao redimir-nos de nossos erros e ainda mais complicado é saber perdoar. Dessa filosofia sei bem os truques.

Talvez a ausência do perdão seja quase sempre o grande problema de nossa humanidade e de nossas vidas individuais. Como na literatura grega, para mim o pior e o mais comum dos defeitos humanos é o orgulho, o “hubris”, que tanto pragueja heróis, deuses e semi-deuses desta mitologia, e tanto nos fere diariamente. Pelos nossos orgulhos, assim conclúo, cerceamos liberdades, censuramos bons afetos, mareamos certidões e deturpamos ressentimentos. Tanto pedir perdão quanto perdoar tornam-se façanhas enormes quando nos “amamos” tanto que agimos em proteção indefinida de nossos “nossos” mais intrínsecos. O conceito de “hubris” mistura-se à ideia de “takyah” (originalmente uma espécie de guarita), palavra usada para descrever a necessidade sentida por religiosos de fazer o necessário para proteger a religião, mesmo precisando mentir para tanto.

Ao parecer quando sentimos que o orgulho corre risco de ferimentos, logo nos convencemos das mais absurdas mentiras para protegê-lo. Conversamos nossos monólogos e desconversamos nossos verdadeiros sentimentos. Damos as costas a quem mais queremos abraçar e estendemos a mão a quem menos nos aceita. Rejeitamos amores que nós mesmos pedimos, amizades que nós mesmos cultivamos e planos que nós mesmos tecemos. Nos contradizemos nas calúnias usadas para resolver nossas contradições.

Óbvio que nem tudo é perdoável, mas nem todo pedido de perdão é sincero. Portanto, redimir-nos dos erros é mais importante do que simplesmente verbalizar o arrependimento. Não que o ato em si seja nulo. Balbuciar um pedido de desculpas é às vezes um ataque frontal ao nosso “hubris”, e logo a “takyah” age protegendo-o: “Não preciso pedir desculpas, fulano já sabe que estou arrependido/a.” “Para que dizer perdão, fulana é de família.” “Ah, mas se fulanos nem admitem seus erros para mim, por que eu vou me esforçar sozinho/a?”

Contudo, de que adianta verbalizar se as atitudes não condizem com os atos? Dizer é um primeiro passo. Repetir os mesmos erros torna-se grave problema.

O perdão é também privilégio de intimidades. Quanto maior a intimidade, maiores as chances de um perdão sincero de todas as partes. O perdão de uma mãe tende a ser ilimitado. O perdão entre amigos, compreensível. Ao aceitar determinadas pessoas em nossas vidas, aceitamos também seus defeitos e o perdão chega embutido. Já o perdão entre amantes vive sempre equilibrado na ponta de um bambu.

Quando o orgulho ultrapassa, contudo, a capacidade de perdoar-se em familia, o “hubris” ganha sua mais temerosa forma. De certo modo esse é o grande problema no cenário internacional, um dos maiores cernes de nossos conflitos tribais e nacionais. Por defender um orgulho às vezes abstrato e outras vezes circunstancial, culpamos os demais e inventamos pecados alheios. Assim, inventamos também o que não perdoar.

Seja o extremista cristão enfurecido com o extremista muçulmano ou o cidadão disputando empregos com o imigrante, o branco contra o negro e o negro contra o branco, criam-se problemas e criam-se rancores. Mágoas passadas revivem como sintomas pós-traumáticos. A América Latina não se esquece dos conquistadores espanhóis. O Oriente Médio vive de passados turbulentos e futuros incertos. Sendo todos membros da família humana, encontramos nesse dilema nossa mais profunda alienação.

Acima de tudo, perdoar e ser perdoado faz muito bem. Martin Luther King já pregou: “De nada adianta odiar se metade das pessoas que odeio não sabe disso e a outra não se importa.” Perdoar quem merece e, às vezes, quem não merece, nos torna seres humanos necessariamente melhores.

RF

2 comments:

PRISCILA DE FÁTIMA JERONIMO said...

perdoar-se é um ato de amor para consigo mesmo, é livrar-se do peso da culpa, do ódio e da ingratidão.

Amar-se passa pela aceitação de que somos falhos e portanto sujeitos ao erro.

Essa é vida.

Beijocas doces

Roy Frenkiel said...

Excelente ponto, Pri, amar-nos e perdoar-nos tambem e super dificil e muito importante. Dificil perdoar os outros se nao sabemos nos perdoar.

bjx

RF