Uma das características geradoras dos conflitos no Oriente Médio e da percepção global destes é a “intolerância das ambiguidades”. O termo em si é plenamente compreensível: Como há ideologias, religiões e etnias com histórias diferentes, não há ambiguidade alguma na verificação alheia da veracidade das ideologias ou na autenticidade dos credos para quem os ostente. Além disso, pela complexidade dos fatos (tanto históricos quanto contemporâneos), a maioria das pessoas analiza a partir de um dos lados e simplifica a temática para a própria contextualização e para o planejamento midiático mais simples.
No Brasil, por exemplo, é comum ouvir e ler a parcialidade pela causa Palestina. Como as notícias falam do que ocorre hoje em dia sem explicar o contexto histórico dessas ocorrências, a exposição de um ataque israelense ou palestino torna-se dicotômica. Um dos dois lados está sempre errado, e geralmente é o lado israelense para a mídia brasileira, ou o palestino para a estadunidense.
Lembro que no início de 2009, quando visitei Belo Horizonte, além de ler pelos blogues e ouvir pelos noticiários coisas como “a Palestina deve ter armas nucleares” ou “o Estado de Israel deveria ser desmantelado”, ainda me deparava com pichações nos muros das pontes da urbe mineira expressando o ódio por Israel, “fora Israel!” ou “expulsem os judeus”. Por outro lado, cansei de ler comentários e observações de amigos bloguistas basicamente defecando em cima de Israel e separando (algo que é óbvio ululante, mas que, na mesma ignorância usada para opinar contra toda uma nação, ainda não era compreendido, aparentemente, por tantos “opinadores”) o sionismo do judaísmo. O que não souberam fazer, e não sabem, talvez, é separar o nacionalismo judaico e o sionismo. Ou o nacionalismo religioso e o sionismo. Ou a pragmática conclusão de que a existência do Estado de Israel partiu de uma necessidade que ninguém pôde saciar, somente os judeus europeus que fundaram o movimento sionista e seus combatentes imigrantes: nada a ver com o sionismo ou o nacionalismo, no caso. Ou seja, apoio o mero fato de que a exposição de uma queixa não seja direcionada à religião étnica em si, mas ao movimento político, mas mesmo assim a queixa pode ser mais complexa, e não há um movimento político judaico monolítico, como não há um movimento palestino molonítico.
No Dia do Holocausto, em Israel, uma semana antes do Dia da Independência, a população israelense vê-se imersa em um mar de lágrimas e luto. Uma grande porcentagem do estado chegou à Palestina depois de enfrentar e sobreviver as torturas da Segunda Guerra Mundial. O conto do navio SS St. Louis é um exemplo do ambiente global existente à época da eliminação dos campos de trabalhos forçados e de execução de minorias diversas da Alemanha nazista. Foi rejeitado pela Cuba (apesar de que toda a tripulação havia conseguido visto à ilha da América Central), pelos Estados Unidos e pela Inglaterra quando trazia centenas de sobreviventes do holocausto. O mesmo ocorreu em outra embarcação que pretendia aportar nos Estados Unidos, mas que também foi rejeitada e deixada ao leu das embarcações marítimas. Ninguém quis aceitar a presença dos judeus em suas terras.
No entanto, com as perseguições explodindo em todos os cantos do planeta, os judeus não tinham, até a criação do estado, para onde ir. Não havia nenhuma terra soberana à religião judaica em todas as suas etnias. Enquanto já havia nascido um ressurgimento muçulmano e um movimento pan-Árabe, e enquanto a Palestina era praticamente deserta, mas seus vizinhos, especialmente a Jordânia, a Síria, o Líbano e o Egito não só permitiam a identificação dos muçulmanos palestinos, mas também entraram na política da repartição das terras (Inglaterra e França queriam dividir a Palestina entre si no mandato de Sykes-Picot) e clamaram a união da identidade muçulmana; enquanto os países árabes procuravam a própria estabilidade e a liberdade do julgo colonial dos grandes poderes da época (especialmente Inglaterra, França, União Soviética e Estados Unidos), os judeus não tinham nem como começar a brigar pela sobrevivência e pela identidade.
Ninguém pode, em sã consciência, justificar os péssimos comportamentos de ambos os lados quando o tema é agressão pela justiça que cada lado tem como certa. Contudo, quando há intolerância de ambiguidades, a simplificação dos fatos proíbe que analizemos, por exemplo, o papel do Egito, Síria, Jordânia e Líbano que jamais aceitaram em suas fronteiras os refugiados da Faixa de Gaza ou da Cisjordânia. Ninguém menciona isso na mídia brasileira, ou raramente. Quando falam sobre a Hagana ou o Irgun Tzvaí Leumí, falam de grupos terroristas, mas jamais mencionam o motivo da existência dessas forças armadas, apesar de saberem de cor e salteado a necessidade de grupos como o Hamas e o Fatah.
Mas o cerne da existência do Estado de Israel é o holocausto. Sugiro que os críticos de plantão viagem a Israel e passem os dias do Holocausto e da Independência no país e depois escrevam o que acharam. Sugiro que tentem conviver, ou experimentar a convivência esporádica com israelenses, e que procurem entender suas mentes. Sugiro o mesmo aos que contrariam os muçulmanos e os criticam incondicionalmente. Que convivam com estes, que aprendam suas histórias, que entendam seus lados. Como algo que nasce de algo tão podre como o holocausto poderia ser mais simples? Impossível, e se não, no mínimo inédito. O exercício requerido é justamente o de tornar mais complexo o que nos mal acostumamos a simplificar. E jamais, novamente, o contrário.
RF
Monday, April 12, 2010
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3 comments:
Roy, de tudo o que pude depreender do seu texto, uma delas me chamou a atenção: a necessidade das pessoas reconstruírem os contextos históricos para melhor analisarem fatos complexos. Acho que essa é a questão principal quando se fala da relação Israel/Palestina e de diversos outros fenômenos políticos e socioculturais.
O historiador Eric Hobsbawm, em diversos de seus textos, denuncia esse grande mal contemporâneo: a ausência (e o desprezo) pela História em muitas das análises e discursos atuais.
Oi Roy.
Considerando o meu precário conhecimento das condições históricas que determinaram a criação de Israel e o conflito com os palestinos, vou me abster de comentar, evitando assim cair na armadilha da simplificação, tão ao gosto da imprensa (na verdade, uma prática inerente à necessidade do jornalismo de explicar as coisas do mundo de forma concisa, pronta e a acabada).
Um abraço.
Halem, a historia em todas as suas complexidades, certamente.
Jens, fique a vontade, sempre da bom papo!
abrax
RF
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